Depois vem a calmaria…
Hirtis Lazarin
São Pedro da Aldeia é o mais simpático vilarejo que já conheci. Algumas ruas e uma pracinha. Ali, ao amanhecer, passarinhos chegam em bando numa cantoria que harmoniza sons cristalinos e estridentes. Pra que relógio se todos já sabem que é chegada a hora do dia começar?
A rua principal sombreada por ipês amarelos vai até onde começa o mar. O quintal imenso da última casa beija a areia umedecida pelas ondas que, em ritmo do vai-e-vem, carrega consigo as mangas maduras e bicadas espalhadas pelo chão. E da varanda, pode-se ver o horizonte alaranjado deitar-se no chão. O dia termina exalando cheiro de ouro derretido, enquanto as luzes dos postes de madeira clareiam a noite que chega. Devagarinho aparece a lua misteriosa com seus feitiços.
É também a hora em que os gatos procuram uma parceira e se arrastam pelos telhados com gritos de uma agonia feliz. Os grilos, moradores eternos do jardim, se levantam do chão molhado, espalhando o perfume de terra.
E a capelinha “São Pedro da Aldeia”? Pintura sempre renovada na cor do céu azul. Simples e singela, reflete a humildade e a fé dos moradores. Foi construída com pedras retiradas das águas e com madeira aproveitada de embarcações antigas. O ladrilho desenhado com peixinhos coloridos encanta as crianças.
Uma pequena sala guarda réplicas de barcos e redes, velas e imagens de santos em agradecimento aos milagres alcançados. Espaço que demonstra a esperança nas orações e a fé em Deus e na natureza.
Mas a vida dos moradores não é tão poética quanto a natureza nos leva a crer. São homens pescadores que, diariamente, entregam o destino às incertezas do mar, ora calmo, ora com força implacável.
Alfredo fala com orgulho de nascer numa família de pescadores. Aprendeu com o pai que aprendeu com o avô. Recorda todos os sacrifícios e apuros que já enfrentou. Até teve oportunidade de mudar, mas não se via fazendo outra coisa.”Eu sempre pesquei, não tem jeito.”
Os barcos carregando redes, cordas, remos e outros acessórios são vistos ancorados na água, próximos da areia. Impregnados com o cheiro salgado do mar, do peixe e das algas, balançam suavemente com o movimento da maré. E a tinta sempre fresca escreve, no casco, em letras graúdas, o nome que cada pescador escolheu pra sua embarcação.
Já faz mais de um ano. Era madrugada de um dia de intenso calor. Repentinamente, os galhos das árvores se agitam. Portas e janelas batem desesperadas. As roupas do varal se desprendem e nunca mais são encontradas. O vento uivante empurra tudo com força incontrolável. É assustador, um assobio agudo nunca ouvido antes. Uma sequência de trovões. Um raio destrói ipês da rua principal.
O mar torna-se uma massa de água revolta e instável. Ondas gigantescas se erguem, chocam-se com violência e quebram-se em cristais espumantes. O nível da água sobe.
Os barcos, como folhas ao vento, são sacudidos violentamente e virados de um lado para outro, pra cima e pra baixo. Os acessórios embarcam nas ondas e desaparecem.
A chuva impiedosa cai.
Os moradores se trancam em casa. Nada se pode fazer a não ser esperar e ver o que sobrou lá fora. Outros temporais já aconteceram, não dessa magnitude. As crianças choram e se escondem debaixo da mesa. As mães tentam acalmá-las com chá de camomila e outras ervas disponíveis. Nada se podia fazer. Era esperar a tempestade ir embora ver o que sobrou lá fora. Outros temporais já aconteceram, não dessa magnitude.
Os mais fervorosos acendem velas aos santos, outros agarram o terço e, ajoelhados, imploram uma graça a Nossa Senhora. São Pedro, com as chaves do céu, é louvado em voz alta. A fé e as orações transformam o pesadelo em esperança, esperança de que tudo vai ficar bem.
Já amanhecia quando o vento perdeu sua força e a chuva ficou miudinha. Os moradores, aos pouquinhos, foram deixando suas casas.
O vilarejo estava rebuliçado. Áreas alagadas, árvores caídas na rua, calçadas esburacadas, algumas casas destelhadas. “Ninguém ferido, graças a Deus” — gritou o padre Leôncio, convidando a todos para uma oração.
Conferir o estrago e calcular o
prejuízo ficava pra depois.
Gostei muito. Parabéns.
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