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quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Em desalinho - Ana Catarina Sant’Anna Maues



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Em desalinho
Ana Catarina Sant’Anna Maues

   Cheio de segredos ele vivia. Era homem de ações nada claras. Pessoa fria e calculista. Por força do que dizia ser profissão, não visitava parentes nem tinha amigos. Mas mantinha um secreto interesse, repudiado de quando em vez, por ele próprio.  De longe cobiçava Goreth, moça simples, doce, frágil, que morava na esquina da rua sem calçamento. Todos os dias ele seguia o perfume que ela exalava até o ponto do ônibus. Este hábito alimentava a alma perturbada dele, com quem convivia há trinta anos.

   Certa noite entendeu que havia chegado mais um serviço. Abriu o envelope e a foto de Goreth refletiu na penumbra do quarto alugado. Entrou em conflito. Não podia aceitar a tarefa de ceifar alma tão angelical, isso era por demais pesar. Como louco, em atroz confusão, caminhou por ruelas a dar socos na cabeça e a lanhar-se com o companheiro punhal. Procurava esconderijo dentro de si mesmo para escapar da tal missão. Encolhido num beco acariciava a foto do serviço, quando foi descoberto pela luz fraca do luar e por Goreth que se aproximou oferecendo ajuda.

   Amanheceu. O relógio marcava doze horas. Ele acorda no quarto, entre lençol revolto, olhar vazio, oco, gélido. É o aposento de sempre,  onde a ordem não faz morada.  Sabe o que fez, e nessa percepção olha a foto de Goreth no chão. Junta com reverência, pois sabe que irá, a partir de agora,  cultuá-la no espelhaltar. Ali, ela e as outras estarão santificadas, na interpretação defeituosa de tal mente insana, que entende fazer o bem quando as elimina. Julga protegê-las de um mundo cruel e injusto.

Por que não poesia? - Ana Catarina Sant’Anna Maues



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Por que não poesia?
Ana Catarina Sant’Anna Maues


Tudo em mim era mágica euforia
Tudo em mim como um espetáculo sentia,
Tudo em mim na mais bela música explodia
Tudo em mim era pura alegria.

Tudo em mim era rosa do mais puro amor
Tudo em mim em belo lilás reluzia
Tudo em mim era felicidade tomando cor
Tudo em mim em verde de eterna calmaria.

Tudo em mim torce por nós neste sim
Tudo em mim por você seja eterno
Tudo em mim suplica a Deus  não ter fim
Tudo em mim e em nós puro e belo.


Sargento Salgado - Ana Catarina Sant’Anna Maues



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Sargento Salgado
Ana Catarina Sant’Anna Maues

           Diziam, pelos cantos, que ele era rude, talvez fosse mesmo, pois não dava importância se a língua afiada causasse desastres emocionais na tropa. Paciência! Respondia arrogante quando alguém mais atrevido o questionava, e completava dizendo que a dura rotina  era para endurecer mesmo, e quem não se adaptasse devia espirar fora. Nada escapava ao olhar dele e ele não queria fracos na equipe. Até que um dia, num treinamento de rotina, um episódio marcaria para sempre a vida deste sargento.

           O cabo nota algo estranho e fala em tom baixo:

           — Sargento aquele recruta está passando mal.

          — Já tinha notado, está de lorota.

           — Acredito que não sargento. Veja está desmaiando.

            O sargento e  o cabo aproximam-se e viram por entre as pernas de dezenas de jovens aglomerados, caído no chão o mais franzino deles. Chegou pisando firme e com voz áspera deu ordem para levantar. Todos se afastaram expondo o corpo imóvel do rapaz de pele escura. Estava inerte. Na mão segurava algo, que foi logo percebido e entregue ao sargento, enquanto era acudido pela equipe de emergência do quartel.

            No bilhete as seguintes palavras:

          Sou pobre e negro. Não que isso fizesse ter vergonha de mim ou que me sentisse desvalorizado diante da tropa por isso. Sempre tive orgulho do meu passado, da minha família, do lugar onde nasci, enfim da minha vida. Mas ultimamente tenho andado triste n'alma. Quando cheguei aqui, no inicio do ano, tinha um objetivo, servir minha pátria com amor e ardor, isso me animava e estimulava. Com grande honra usava o verde oliva não somente da caserna, mas o sentimento seguia comigo nas ruas e nos lugares que frequentava. Sonhava alcançar posto de oficial, ostentar estrelas douradas conquistadas por merecimento. Mas aos poucos uma emoção negativa visitou-me e hoje se instalou, pois concluí que apesar do empenho e de todo meu esforço, jamais chegarei perto do padrão que meus superiores almejam, diante de espectativas tão altas me declaro insuficiente. Não tenho postura de vencedor, não tenho altivez que impõe respeito, não tenho físico atlético. Hoje a frustração venceu a força da vida. 

           Ao final da leitura sargento Salgado compreendeu o que ali se passava.
Enquanto os paramédicos continuavam fazendo o atendimento, sem obter resposta satisfatória, pois o rapaz continuava no chão desacordado, ele pediu que o carregassem e o colocassem no automóvel particular dele, para levá-lo a um hospital próximo.

       Sargento Salgado dirigia com velocidade, estava por demais preocupado e pela primeira vez meditava os métodos que aplicava aos jovens soldados.

       Três dias se passaram com o rapaz no CTI,  e o sargento sem se afastar do  hospital. Até que a boa nova chegou, ele melhorava, e seria transferido a uma enfermaria dentro de alguns dias.

       Já na enfermaria, a primeira figura que viu, quando abriu os olhos, foi a do Sargento Salgado.

       O pedido de desculpas não foi formal, traduziu-se em ações de sincera amizade, que se estreitou com o tempo.

       No quartel, o discurso e frases de ordem direcionadas aos recrutas que chegavam, a cada ano, para o alistamento militar obrigatório, sofreram mudanças para melhor. Todos eram unânimes em elogiar a forma menos agressiva com que o sargento Salgado tratava a todos.

       Quanto ao jovem que desencadeou essa mudança, na mente e coração do sargento, é hoje um General de carreira.  

Horário de verão - Ana Catarina Sant’Anna Maues


                 

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Horário de verão 

Ana Catarina Sant’Anna Maues


    A hora do encontro chegava. O jantar com Ben Affech era o sonho de toda fã, principalmente de Ana Alice, que colecionava tudo sobre ele, até pequenas notas de revista e jornais. Tinha em perfeita ordem todos ao filmes, coleções de fotografias e pôsteres. Agora contava os segundos para o que dizia ser o momento glamoroso da vida dela, pois havia ganho a promoção do shopping e não cabia em si de tanta alegria. Precisava fazer bonito, mas sem roupa cara, sapato fino, bolsa de grife, seria impossível. Pensando assim, saiu a gastar por conta no crédito, quase sem crédito. Viu isso, viu aquilo, comprava e comprava, demorou tanto nas lojas, que não percebeu a hora voando. Chegou no salão bem depois da hora marcada, para fazer as unhas, cabelo e maquiagem. Estava tranquila, pois consultava a todo momento o relógio. Finalmente produzida mirou-se no espelho. Jogou beijo pra ela mesma. Estava impecável! Irresistível! Poderosa! Os planos inicialmente de um jantar formal, transformaram-se na certeza de romance. Sem chance estava o pobre ator, seria fisgado com a visão impactante do olhar de Ana Alice com aqueles cílios postiços. Ela sabia que o famoso, até o momento, mantinha o coração sem dona.

    Toma um táxi, apenas levemente agitada, pois treinou o dia todo respiração da técnica Tai Chi, para mostrar  segurança, como se o fato de jantar com uma personalidade vip fosse bem natural.

  Ana Alice entra no restaurante de um hotel cinco estrelas, procura a produção ou alguém encarregado do concurso. Ao longe avista a pessoa que lhe participou dias a trás, ser ela a vencedora da promoção. Chegou aflita junto de Ana Alice:

— Mas o que houve ? Por que demorou tanto?

— Como assim? Estou na hora correta, não estou? Respondeu Ana Alice.

— Querida! Você está duas horas atrasada.

— Claro que não, veja o relógio ali, veja o seu, olhe o meu!

A promoter aborrecida:

— Querida estamos em horário de verão. Você lembrou-se de alterar o relógio? Agora minha filha, Inês é morta. Ben Affech já foi embora. Já pegou o avião.

Com notícia tão cruel, Ana Alice desmaiou. Acordou depois de três dias, jurando pra si mesma, não mais participar de evento promocional. Mas, todos sabemos que o problema não está no evento e sim na hora dos relógios.

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...