Lembrança boa
Hirtis Lazarin
Atenção! Passageiros e
passageiras
Bem-vindos ao novo trem
paulistano
Tenham todos uma boa viagem.
          Eu
era o trem das novidades
          Nada
igual a todos os outros
          Colorido
e animado de verdade.
          Jamais
esquecerei minha primeira viagem.
                                      Eu
e o maquinista Joaquim
                                      O
maquinista Joaquim e eu
                                      Eu
e o maquinista Joaquim
                                      O
maquinista Joaquim e eu.
Cheirava a tinta nova, nenhum ruído fora do lugar, corria macio sobre trilhos, nenhum defeito pra atrapalhar.
Lá ia eu, destino certo, terra, serra e mar.
Deixamos
a primeira estação lá longe, tamanha era a vontade de chegar.
Um entra e sai de passageiros, cada um com histórias pra contar. Já aconteceu de tudo nesse tempo corrido que eu nem vi passar.
Levei a moça vestida de noiva pro rapaz que queria casar, entreguei o filho arrependido que pra casa queria voltar. Vi a mulher miúda, abatida, esperando o marido que nunca quis chegar.
Coisas
engraçadas, também gosto de lembrar. A vaca leiteira, nos trilhos, tirava
um cochilo e teimava em não acordar.
                             Era
um puxa pra cá
                             Um
puxa pra lá
                             Um
puxa pra cá
                             Um
puxa pra lá.
E a danada, por birra, não saía do lugar. Era gente xingando, pois tinha hora pra desembarcar, era criança torcendo pra vaca ficar.
Foi o Toninho alisar o seu focinho, a malhada deu um pulo e liberou nosso caminho.
Houve a noite da agonia. Uma nuvem bem pretinha fez o dia virar noite, confundiu até as galinhas que desandaram a cacarejar.
“Meu Deus do céu! Bem que o pastor avisou e foi difícil acreditar: rezem meus filhos, o mundo vai acabar!”
Gente nos bancos subia e gente sob os bancos se escondia. Mãe desesperada, os filhos sob as asas acolhia.
Lá
fora a coruja se protegia
O
relincho assustado do cavalo 
Espantava a cotovia,
E chovia…Chovia…
Trabalhar
com amor era nosso lema
E driblar todo e qualquer problema.
É gente… Tudo acaba um dia…
O
maquinista Joaquim está aposentado
Eu
sou um ferro-velho enferrujado.