NAMORO À DISTÂNCIA
Dinah Ribeiro de Amorim
O amor é uma coisa estranha! Cada um o
sente de uma maneira, quando o sente.
Às vezes, um gesto diferente, um olhar,
uma atitude, uma palavra, desperta a atenção do outro e o amor brota, nasce uma
chama no coração.
Se houver incentivo, ele desenvolve e
inflama ou cria sementes, galhos e flores, como verdadeiro jardim.
Isso aconteceu com Izilda e Gilberto, através
de simples troca de pensamentos, comunicação de postais, cartas e e-mails pela
Internet.
Começaram em um site de intercâmbio e, sem
se conhecerem, nem troca de fotos, iniciaram pequena conversação.
As ideias entre eles foram tão
interessantes, os pensamentos a respeito de tudo tão semelhantes, que isso durou
uns dois anos.
Ele, um corretor de imóveis e, ela, uma
vendedora de artesanatos em pequena feira.
Incrível a dependência um do outro, a
combinação dos horários, o olhar prazeroso que demonstram quando ligam o
computador e iniciam o diálogo. Parecem crianças quando avistam brigadeiros em festa
de aniversário.
O silêncio que exigem ao redor, a atenção
que fixam na tela, a compreensão que se estabelece.
Izilda transforma a vida solitária e
triste, o trabalho exigente, a ausência de notícias alegres, em momentos de
sorrisos e prazer.
Refletia felicidade naquele horário do
dia, que Gilberto chamava.
Queria sempre notícias de lá, Portugal,
através do computador.
Ela, brasileira, falava do seu dia aqui.
Ele, português, do seu dia de lá.
Assim foi nascendo aquela amizade que se
transformou em hábito diário, convivência virtual, amor.
Gilberto, ansioso, com o tempo, queria
conhecê-la, vir ao Brasil.
Izilda, com imensa vontade de tê-lo, se
não viesse, faria o impossível, iria até ele.
Já economizava um pouco, imaginando uma
viagem surpresa. Quem sabe, iria antes dele e, como toda mulher decidida e
apaixonada, realizaria seu sonho.
Guardava, no íntimo, um pequeno segredo.
Com tanto tempo de conversa e intimidade, escondia dele algo que sempre a
preocupou em relacionamentos amorosos, era deficiente visual.
Utilizava, ao falar com ele, um computador
em braile. Suas frases eram traduzidas na linguagem comum, para ele, e, as
dele, para o braile, no computador dela.
Isso a entristecia porque sempre foi um
problema a enfrentar e, agora, tão interessada nele, o problema se torna maior.
Aconselhou-se com amigos íntimos, como
deveria agir. Falar francamente de sua deficiência ou deixar acontecer, quando
a visse.
Gilberto, também ansioso, estranha seu
silêncio, deixando-o alguns dias sem comunicação.
Ignora que a amada brasileira anda
confusa. Insiste em chamá-la, mas ela não responde. Seria alguma doença?
Ele também andava aflito, preocupado,
desde que falou em vir ao Brasil.
Será que ela gostaria dele, do seu aspecto
físico?
Sentiu-se inseguro, anos atrás, muito
tímido na presença de moças, futuras namoradas. Agora, amadurecido, preparado,
queria ir até o Brasil para conhecer Izilda. Venceu seus problemas, mas...
Ela, incentivada pelos amigos experientes,
desiste de viajar e decide contar-lhe, por e-mail, a sua deficiência. Que angústia!
Aguarda, em dúvida, a sua reação.
Alguns dias se passam e Izilda também se
aflige com o silêncio de Gilberto. “Com certeza, ficou impressionado e
aborrecido, não me ligará mais”.
Espantada, atende-o no horário costumeiro,
após certo tempo. Desculpa-se pela demora alegando um resfriado súbito.
Izilda percebe-o calmo, conversa normalmente,
nada revela medo ou constrangimento. Já em preparo, animado, para vir ao
Brasil, conhecê-la, pede informações sobre sua localização.
E agora, preocupa-se ela, como fará para
recebê-lo? A vida, o trabalho, no seu caso, é difícil e, embora acostumada,
lidar com uma visita estranha, mesmo do seu gosto, causa-lhe inibição. Conta
com uma amiga especial, Anita, que a auxilia nas dificuldades, mas, em namoro,
a situação é outra.
Anita promete ajudá-la, mas sente também
um pouco de medo. Qual será a reação com uma intermediária, entre eles?
Munido de passaporte e passagem comprada, Gilberto
avisa o dia e a hora que chegará ao Brasil, pedindo para ir encontrá-lo no
aeroporto de Guarulhos.
Começa a preocupação em Izilda, mas a
curiosidade e a vontade de conhecê-lo é mais forte, o amor que sente por ele e
a sua vinda, domina a sua deficiência. Pena não poder vê-lo, mas tê-lo perto já
é o suficiente.
Junto a Anita, a amiga fiel, tomam um taxi
rumo ao aeroporto, no horário combinado e ficam à espera.
O avião, após um voo tranquilo, chega na
hora certa, e pousa, suave, no chão.
As jovens, rápidas, dirigem-se ao
desembarque dos passageiros. Combinaram de se identificarem com os nomes
escritos num papel, colado às roupas, semelhante ao encontro de turistas que
procuram seus guias.
À medida que vão chegando, Anita vai
descrevendo para Izilda como são e, nenhum, por enquanto, vem com a etiqueta de
Gilberto.
Izilda, preocupa-se em perdê-lo, será que
Anita se distraiu? A demora é grande.
Por último, vem alguém com o nome de
Gilberto, colado.
— Chegou, grita Anita.
Caminha devagar, amparado por uma aeromoça,
um rapaz alto, bonito, portando óculos, bengala e um cão guia. É Gilberto,
também um deficiente visual, que é dirigido às moças, o namorado de Izilda.
Após o espanto e a curiosidade geral,
Anita ajuda-os a saírem dali. Vão em direção à casa da jovem enamorada, meio
aturdida com a novidade.
O tempo, esse companheiro constante, passa
rápido e, Gilberto, permanece no Brasil. Forma com Izilda mais um casal de
deficientes visuais, como muitos corajosos, que existem, na cidade de São
Paulo.
São felizes? Com certeza, sim, após
treinamento adequado e conhecimento melhor um do outro.
Tiveram filhos? Também sim, sendo pais
dedicados e cuidadosos.
Ah! As duas filhas não nasceram com
deficiência.
Cuidam dos pais, até hoje.