Maria e
Severino
Hirtis
Lazarin
O boteco da
esquina era onde Severino tomava duas cachacinhas todos os dias, assim que
deixava a obra. Seu coração estava preso ali, pois foi ele
quem ajudou o amigo a levantar as paredes e a escolher as cores de tinta.
A casa ficou bem charmosa. O moço vivia longe da família, era
trabalhador e nem gostava de encrencas, fugia de complicações, não era covarde,
só queria viver em paz. Se o outro quer brigar, problema dele, ele não queria.
Gostava de ajudar as pessoas.
Maria
apareceu no boteco pra comprar água. O abastecimento na cidade estava cortado,
não era novidade, a falta de chuva esvaziou os reservatórios e todo mundo tinha
que contribuir, duas a três horas por dia a água não chegava às torneiras. E
quando Maria chegou em casa, depois de um dia de trabalho cansativo, o
pote estava quase vazio, não enchia nem um copo. Ninguém é santo e merece
ficar com garganta e boca secas. Brigou com a irmã pela displicência, jogou
irritada o avental no chão da cozinha, o avental branco que ela cuidava com
muito zelo e saiu batendo os pés queria resolver o problema.
O boteco
estava vazio, o único cliente no momento era Severino sentado sozinho na menor
mesa degustando um pratinho de petiscos junto da cachaça… Ah! Ela não podia
faltar, jamais. Não sei se naquele dia, o moço tinha exagerado nas doses ou se
a cabeça tinha perdido o juízo porque assim que viu a moça entrar de vestido
curto e formas bem arredondadas, deu um pulo macio, aproximou-se e puxou
conversa com Maria. Ela levou um susto, nem havia visto o moço e achava
que o boteco estava vazio.
É difícil
acreditar, mas dois meses depois, Severino e Maria se casaram. Bem, ele veio de
outro Estado em busca de trabalho; ela perdeu a mãe há meses e andava triste,
deprimida. Depois de alguns encontros e algumas conversas em bom-tom resolveram
o que fariam juntos. Afinal os dois eram jovens, ele, só dois anos a mais, católicos,
frequentavam a igreja de vez em quando, sabiam ler e escrever, não deviam
dinheiro a ninguém e queriam ser pais. A única discordância era
quanto ao número de filhos.
A festa foi
feita no salão da “igreja do padre Antonio” e todos pensavam que ele era o dono
mesmo. Muita ingenuidade e muita simplicidade, não sabiam a importância do
dízimo na vida do pároco. Ele veio da Itália há quase vinte anos e já se
considerava um cidadão de Venturosa. Era muito querido, gastava um tempão dando
conselhos e sempre deixava o povo usar o salão de festas. E foi por isso que o
casal reuniu ali os convidados do casamento, era de graça. E a festa foi boa,
não faltou refrigerante, nem doce, nem salgadinho, nem música, tinha muita
gente feliz da vida e todos foram abençoados com a graça de Deus.
Gente pobre
não tem lua de mel, só tiraram uma semaninha por conta própria pra arrumar a
nova casa. Nova não, mas era o que podiam ter no momento. E a vida continuou
como tinha que ser ou parecia ser. Maria trabalhava mais que o marido,
chegava em casa, tinha comida pra fazer e roupa pra lavar. Não podemos esquecer
que Severino trabalhava em obras… Maria estava apaixonada, Severino não
era tão carinhoso quanto ela gostava, mas estava tudo bem, tinha um companheiro
e a tristeza pela falta da mãe tinha ido embora.
Todo mundo
sabe que a rotina cansa, que fazer todo dia tudo igual, enfastia. Era chegada a hora do casal engravidar.
Houve concordância, estavam na flor da idade e uma criança correndo pela
casa passou a ser um sonho. E mãos à obra. Infelizmente não estava dando
certo, entra mês, sai mês e nada… Ele acha que o problema era ela e ela acha
que o problema era ele. Surgem discussões e brigas, o casal fica dias sem
conversar e até dormem em camas separadas. E dormindo brigados e em camas
separadas sabiam que não fariam filhos. Engoliam o orgulho e voltavam às pazes,
mas a gravidez não acontecia. Passaram por muitos exames médicos, tudo nos
trilhos em perfeita saúde. Já estavam desacorçoados.
Severino
saía do trabalho, parava no boteco, exagerava nas doses de cachaça e chegava
bem tarde em casa trançando as pernas. Maria exagerava na comida e ainda mais
nos doces para combater a ansiedade. O homem olhava a comida nas panelas, fazia
cara de nojo, caía na cama bêbado, barbudo e sujo. Ela ia engordando e ele ia
emagrecendo.
A vida do
casal estava insuportável. Ela lembrava do marido assobiando feliz da vida e
improvisando letras de músicas que não conseguia decorar. Ele lembrava da
esposa cheirosa, cabelos cacheados e formas bem redondinhas. E na certeza da
impossibilidade da recuperação do que já foi, ele bebia e ela comia.
Maria não
aguenta mais essa vida. Lembra-se de uma garrafa de conhaque bem escondida
debaixo da pia da cozinha atrás de uma lata vazia. Retira-a do esconderijo e as
ideias pululam em sua mente, ideias ruins e ideias péssimas. Mistura um pozinho
preto na bebida, chacoalha bem muito bem e ele se enrosca na cor caramelo do
líquido. Perfeito! Sem querer, já querendo, esquece a garrafa sobre a mesa. Severino chega em casa bêbado por
volta das vinte e duas horas. As luzes estão apagadas e mesmo no escuro vai até a cozinha
fazer nada. A vista está turva, mas isso não o impede de ver aquela garrafa bonita e brilhante
dando sopa. Agarra-a de qualquer jeito, as mãos trêmulas nem mais o
obedecem e deixam a rolha cair, ele cheira demoradamente porque o cheiro é bom.
Vira-a na boca e se delicia naquele líquido adocicado. Num segundo, cai na cama
e desmaia feito um tronco jogado no rio.
Maria dorme,
será que dorme?
No meio da
madrugada, Severino acorda cheio de náusea com a boca seca muito seca. Apoia as
mãos na cama uma, duas, três vezes e se põe em pé. O quarto gira, gira muito e
rápido igual a um pião. O moço cai morto no chão frio. O baque é forte, o
barulho é estrondoso e a esposa observa o corpo inerte. Chama a polícia e conta
a história do seu jeito. Uma semana depois é presa.
Já faz um
ano que tudo isso aconteceu. Maria até já se acostumou com a prisão, a
cela não é das piores e a comida é farta e boa. Já engordou quase dez quilos.
O boteco da
esquina era onde Severino tomava duas cachacinhas todos os dias, assim que
deixava a obra. Seu coração estava preso ali, pois foi ele
quem ajudou o amigo a levantar as paredes e a escolher as cores de tinta.
A casa ficou bem charmosa. O moço vivia longe da família, era
trabalhador e nem gostava de encrencas, fugia de complicações, não era covarde,
só queria viver em paz. Se o outro quer brigar, problema dele, ele não queria.
Gostava de ajudar as pessoas.
Maria
apareceu no boteco pra comprar água. O abastecimento na cidade estava cortado,
não era novidade, a falta de chuva esvaziou os reservatórios e todo mundo tinha
que contribuir, duas a três horas por dia a água não chegava às torneiras. E
quando Maria chegou em casa, depois de um dia de trabalho cansativo, o
pote estava quase vazio, não enchia nem um copo. Ninguém é santo e merece
ficar com garganta e boca secas. Brigou com a irmã pela displicência, jogou
irritada o avental no chão da cozinha, o avental branco que ela cuidava com
muito zelo e saiu batendo os pés queria resolver o problema.
O boteco
estava vazio, o único cliente no momento era Severino sentado sozinho na menor
mesa degustando um pratinho de petiscos junto da cachaça… Ah! Ela não podia
faltar, jamais. Não sei se naquele dia, o moço tinha exagerado nas doses ou se
a cabeça tinha perdido o juízo porque assim que viu a moça entrar de vestido
curto e formas bem arredondadas, deu um pulo macio, aproximou-se e puxou
conversa com Maria. Ela levou um susto, nem havia visto o moço e achava
que o boteco estava vazio.
É difícil
acreditar, mas dois meses depois, Severino e Maria se casaram. Bem, ele veio de
outro Estado em busca de trabalho; ela perdeu a mãe há meses e andava triste,
deprimida. Depois de alguns encontros e algumas conversas em bom-tom resolveram
o que fariam juntos. Afinal os dois eram jovens, ele, só dois anos a mais, católicos,
frequentavam a igreja de vez em quando, sabiam ler e escrever, não deviam
dinheiro a ninguém e queriam ser pais. A única discordância era
quanto ao número de filhos.
A festa foi
feita no salão da “igreja do padre Antonio” e todos pensavam que ele era o dono
mesmo. Muita ingenuidade e muita simplicidade, não sabiam a importância do
dízimo na vida do pároco. Ele veio da Itália há quase vinte anos e já se
considerava um cidadão de Venturosa. Era muito querido, gastava um tempão dando
conselhos e sempre deixava o povo usar o salão de festas. E foi por isso que o
casal reuniu ali os convidados do casamento, era de graça. E a festa foi boa,
não faltou refrigerante, nem doce, nem salgadinho, nem música, tinha muita
gente feliz da vida e todos foram abençoados com a graça de Deus.
Gente pobre não tem lua de mel, só tiraram uma semaninha por conta própria pra arrumar a nova casa. Nova não, mas era o que podiam ter no momento. E a vida continuou como tinha que ser ou parecia ser.
Maria trabalhava mais que o marido,
chegava em casa, tinha comida pra fazer e roupa pra lavar. Não podemos esquecer
que Severino trabalhava em obras… Maria estava apaixonada, Severino não
era tão carinhoso quanto ela gostava, mas estava tudo bem, tinha um companheiro
e a tristeza pela falta da mãe tinha ido embora.
Todo mundo
sabe que a rotina cansa, que fazer todo dia tudo igual, enfastia. Era chegada a hora do casal engravidar.
Houve concordância, estavam na flor da idade e uma criança correndo pela
casa passou a ser um sonho. E mãos à obra. Infelizmente não estava dando
certo, entra mês, sai mês e nada… Ele acha que o problema era ela e ela acha
que o problema era ele. Surgem discussões e brigas, o casal fica dias sem
conversar e até dormem em camas separadas. E dormindo brigados e em camas
separadas sabiam que não fariam filhos. Engoliam o orgulho e voltavam às pazes,
mas a gravidez não acontecia. Passaram por muitos exames médicos, tudo nos
trilhos em perfeita saúde. Já estavam desacorçoados.
Severino
saía do trabalho, parava no boteco, exagerava nas doses de cachaça e chegava
bem tarde em casa trançando as pernas. Maria exagerava na comida e ainda mais
nos doces para combater a ansiedade. O homem olhava a comida nas panelas, fazia
cara de nojo, caía na cama bêbado, barbudo e sujo. Ela ia engordando e ele ia
emagrecendo.
A vida do
casal estava insuportável. Ela lembrava do marido assobiando feliz da vida e
improvisando letras de músicas que não conseguia decorar. Ele lembrava da
esposa cheirosa, cabelos cacheados e formas bem redondinhas. E na certeza da
impossibilidade da recuperação do que já foi, ele bebia e ela comia.
Maria não
aguenta mais essa vida. Lembra-se de uma garrafa de conhaque bem escondida
debaixo da pia da cozinha atrás de uma lata vazia. Retira-a do esconderijo e as
ideias pululam em sua mente, ideias ruins e ideias péssimas. Mistura um pozinho
preto na bebida, chacoalha bem muito bem e ele se enrosca na cor caramelo do
líquido. Perfeito! Sem querer, já querendo, esquece a garrafa sobre a mesa. Severino chega em casa bêbado por
volta das vinte e duas horas. As luzes estão apagadas e mesmo no escuro vai até a cozinha
fazer nada. A vista está turva, mas isso não o impede de ver aquela garrafa bonita e brilhante
dando sopa. Agarra-a de qualquer jeito, as mãos trêmulas nem mais o
obedecem e deixam a rolha cair, ele cheira demoradamente porque o cheiro é bom.
Vira-a na boca e se delicia naquele líquido adocicado. Num segundo, cai na cama
e desmaia feito um tronco jogado no rio.
Maria dorme,
será que dorme?
No meio da
madrugada, Severino acorda cheio de náusea com a boca seca muito seca. Apoia as
mãos na cama uma, duas, três vezes e se põe em pé. O quarto gira, gira muito e
rápido igual a um pião. O moço cai morto no chão frio. O baque é forte, o
barulho é estrondoso e a esposa observa o corpo inerte. Chama a polícia e conta
a história do seu jeito. Uma semana depois é presa.
Já faz um
ano que tudo isso aconteceu. Maria até já se acostumou com a prisão, a
cela não é das piores e a comida é farta e boa. Já engordou quase dez quilos.