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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O segredo da Confeitaria Colombo - Alberto Landi

 



O segredo da Confeitaria Colombo

Alberto Landi

 

Era um fim de tarde quando a Confeitaria Colombo, no coração do Rio de Janeiro, começava a receber turistas curiosos e clientes fiéis. O brilho dos espelhos belgas refletia o burburinho e o cheiro do café misturava-se ao doce perfume de nata e dos bem-casados.

Sentada em uma das mesas centrais, Helena, uma jovem restauradora de arte, examinava atentamente um mapa antigo que havia encontrado nos arquivos esquecidos no antigo escritório do fundador.

O esboço parecia indicar a existência de uma sala secreta, construída ainda na época de sua fundação em 1894.

Na mesa ao lado, um homem bem vestido com terno escuro, Dr. Álvaro, advogado da família que herdara parte da Colombo, fingia ler o jornal, mas seguia cada movimento dela. Ele sabia do que aquele pergaminho se tratava.

O conflito se acendeu quando ele se aproximou:

— Esse mapa pertence à família Colombo. Não deveria estar em suas mãos.

— Pertence à história do Rio de Janeiro, e a história não tem dono — respondeu Helena, firme.

De repente, a luz oscilou e o supervisor do salão deixou cair uma bandeja. Entre o barulho de porcelana quebrando, Álvaro estendeu a mão, tentando arrancar o pergaminho, porém, ela segurou firme e a folha se rasgou em dois pedaços. Cada um ficou com uma metade.

Uma sala oculta guardava os acordos da República Velha. A história não se cala, apenas espera quem a conte.

Agora, entre os espelhos dourados e os vitrais imponentes, a confeitaria guardava um novo segredo.

Quem conseguiria primeiro descobrir a sala oculta e o que havia sido escondido nela há mais de um século?

Com metade do mapa nas mãos, ela saiu às pressas. Ele a seguiu decidido a impedir que ela revelasse qualquer coisa. O que estava escondido naquela sala poderia mudar não apenas a história da confeitaria, mas também da cidade do Rio de Janeiro.

Naquela noite, cada um estudou sua parte do pergaminho. Helena observou símbolos ligados à maçonaria, gravados nos arabescos da folha.

Ele, por sua vez, reconheceu assinaturas de políticos da República Velha, homens que costumavam se reunir em salões discretos, longe dos olhos da imprensa.

No dia seguinte, ambos retornaram ao local, disfarçados entre os turistas.

Um detalhe nos vitrais denunciava a entrada secreta: um touro esculpido em mármore olhava para um ponto exato do chão de mosaico.

Quando se preparavam para mover a peça, surgiu o maître. Não trazia bandejas nas mãos, nem o sorriso habitual que iluminava os salões. Seu olhar firme e silencioso lembrava menos o de um garçom, e mais o de um guardião antigo, como se a confeitaria fosse um templo e ele, o vigia de sua memória.

— Vocês realmente acham que são os primeiros a procurar? — Disse o maître com um meio sorriso. Essa sala guarda mais do que podem suportar, pensou Helena.

Ela e Álvaro se entreolharam. A voz do maître, baixa e firme, cortou o ar, mais um aviso do que uma saudação, rompendo o silêncio que pesava sobre os salões.

— Há coisas que não devem ser movidas sem compreender o que guardam.

— Esta confeitaria foi palco de encontros discretos — disse. Aqui se tramaram acordos que nunca chegaram aos jornais. E a sala que procuram guarda provas disso.

Sem hesitar, o maître moveu uma das pedras do mosaico.

O piso se moveu, revelando uma pequena escada em espiral, descendo as entranhas do prédio.

O ar era pesado, uma mesa de jacarandá ainda estava posta como se tivesse acabado de receber senadores e ministros. Em um baú no canto, Helena encontrou envelopes lacrados com selos da época. Ela leu em voz alta um dos documentos.

— Acordo firmado entre industriais do café e parlamentares, garantindo silêncio em troca de verbas para campanha presidencial.

Álvaro empalideceu.

— Se isso vier a público, o nome de famílias inteiras será destruído. Essas cartas falam de presidentes, de governadores, até da política de café com leite.

Helena, no entanto, via ali a chance de revelar uma verdade esquecida.

— Não são apenas nomes. É a história do Brasil que foi escondida. O povo tem direito de saber, disse ela.

Álvaro segurou-a com o braço firme e disse:

— Se publicar isso, pode desencadear um escândalo. E não se engane, ainda há descendentes poderosos desses homens, eles não hesitarão em calar você.

O silêncio da sala secreta foi interrompido apenas pelo ranger das tábuas antigas. Ali, sob os espelhos dourados da Colombo, nascia um dilema: revelar a verdade e enfrentar os poderosos ou proteger um passado sujo em nome da estabilidade atual.

Nos dias seguintes, ela começou a organizar o material encontrado. Cada carta e envelope era uma peça de quebra-cabeça que revelava como políticos e empresários moldaram a República Velha nos bastidores.

Álvaro, por sua vez, não a deixava sozinha, seguia-a nos momentos mais inesperados, em cafés próximos, em livrarias, até nas filas de museus, sempre com a mesma pergunta silenciosa: Você vai mesmo divulgar isso?

Helena percebeu que não precisava apenas proteger os documentos, mas também agir com inteligência.

Começou a registrar cópias de cada carta, escondendo uma parte em lugares diferentes. Cada movimento era calculado para despistar Álvaro, que respondia com cartas anônimas, ameaças sutis e telefonemas misteriosos.

Um dia, enquanto revisava os envelopes, ela encontrou uma assinatura que não esperava, de uma figura ainda viva, descendente direto de um dos senadores envolvidos.

Essa descoberta aumentou a tensão. Álvaro sabia disso e agora ela tinha um trunfo poderoso: podia negociar a forma como a verdade viria à tona, decidindo o momento certo e a intensidade do impacto.

O conflito atingiu o ápice quando ele a confrontou na própria confeitaria, agora vazia após o expediente.

— Você não entende. Isso não é apenas histórico. É poder!

— Pode destruir famílias, criar inimigos e até colocar sua vida em risco.

— Entendo, respondeu Helena, firme, mas esconder a verdade não devolve nada ao povo, e eu não temo enfrentar os poderosos.

Por um instante, o silêncio reinou, quebrado apenas pelo tic-tac do relógio. Ali, sob os espelhos e vitrais da confeitaria, o que repousava já não eram apenas documentos antigos, era algo que o tempo tentou esconder. Tratava-se agora de um duelo de inteligência e coragem, cada decisão, uma linha traçada entre o passado e o destino dos dois.

Meses se passaram desde que ela descobrira a sala secreta. Helena havia reunido cópias de documentos mais importantes e analisado cada detalhe. Ele continuou a observá-la, mas seus encontros se tornaram menos agressivos, como se ambos soubessem que o verdadeiro poder estava na informação e não na força.

Decidida, planejou sua jogada. Em vez de expor tudo de uma vez, organizou uma exposição histórica em parceria com um museu do RJ. Cartas e registros seriam apresentados como parte da história da República Velha, desvendando os bastidores ocultos da política sem expor diretamente os descendentes ainda vivos.

No dia da abertura, Álvaro compareceu. Observou em silêncio enquanto ela conduzia os visitantes pelos documentos e relatos da época. Havia conseguido transformar o que poderia ser um escândalo em uma aula viva de história, revelando o passado com coragem, mas com inteligência.

Ao final, se aproximou de Álvaro.

— Não destruí ninguém, mas todos aprenderam que a verdade pode ser contada sem vingança.

— Você venceu, de uma maneira que não esperava, admitiu Álvaro. Talvez exista um modo de usar o poder do passado sem criar inimigos.

A confeitaria voltou ao seu brilho habitual. Entre espelhos e vitrais, Helena revelou a história oculta daquele tempo: a verdade triunfou sobre o silêncio, sem destruir ninguém.

Agora havia mais do que doces e café, e sim uma história cuidadosamente revelada, que ensinava a coragem, estratégias e respeito pela memória da cidade.

Ela sabia que às vezes, o verdadeiro conflito não é vencer o outro, mas encontrar a maneira de contar a verdade!

 

 




A lenda de Leucasia: Amor e Tragédia em Leuca - Alberto Landi

 


A lenda de Leucasia: Amor e Tragédia em Leuca

Alberto Landi

 

Na ponta mais ao sul da Puglia, onde o mar Jônico encontra o Adriático, existe um lugar banhado por luzes e lendas: Santa Maria de Leuca. Ali, as falésias brancas e as águas profundas guardam histórias antigas que ainda sussurram aos viajantes mais atentos.

O promontório de Leuca não é apenas rocha avançando sobre o mar.

Para os antigos, era o lugar onde a terra se ergue como um altar e conversa com os deuses do vento e das águas.

No encontro dos dois mares, as ondas não apenas se chocam, mas se abraçam em contrastes de cor e salinidade.

Foi nesse limiar que nasceu a lenda.

Entre elas, a mais lembrada é a de Leucasia, uma sereia de beleza incomum, com cabelos dourados, olhos azuis e pele tão branca como o leite. Encantadora e melodiosa, ela atrai marinheiros e pescadores para as águas do Salento.

Um dia, Leucasia avistou Melisso, um jovem pastor que conhecia o ritmo do vento e o murmúrio das ondas, apaixonado por Aristula, uma camponesa da região, de tranças escuras que cultivava trigo e esperança sob o sol dourado da Puglia.

Movido por desejo e inveja, a sereia tentou seduzir Melisso com o seu canto e beleza, mas o jovem permaneceu fiel à camponesa. Enfurecida e com o coração partido, Leucasia provocou uma tempestade que afogou os dois amantes.

Comovida pela tragédia, Minerva, a deusa romana da sabedoria, da justiça e das artes, sempre atenta aos destinos humanos, transformou os corpos de Melisso e Aristula em pedras, dando origem aos promontórios de Punta Meliso e Punta Ristola, que hoje delimitam a baía de Leuca.

Cada pedra tornou-se um guardião silencioso do amor que resistiu à morte.

Consumida pelo arrependimento e tristeza, Leucasia desapareceu nas profundezas do mar.

Seus últimos suspiros se transformaram em brisas suaves que ainda percorrem a costa de Leuca.

Os paredões rochosos de calcário branco recebem os primeiros raios do sol nascente e diante deles os dois mares se transformam em eternos abraços líquidos. O Adriático e o Jônico, distintos em cor e sal, desenham na superfície uma linha visível, quase mágica. Mas a ciência nos revela que essa fronteira não é separação: são correntes que se tocam, massas de água que dançam até se misturarem, lembrando-nos que, assim como o amor verdadeiro, a união não apaga as diferenças, mas as transforma em harmonia.

E assim a lenda permanece viva, sussurrada pelo vento, narrada pelo mar e iluminada pelo sol, fazendo Santa Maria de Leuca um lugar onde mito e realidade se entrelaçam para sempre.

 


ITÁLIA EM SUSPIROS - Alberto Landi

    ITÁLIA EM SUSPIROS Alberto Landi   A Itália é sempre uma poesia, uma arte esculpida em pedra. Suas cidades refletem a rica histó...