A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 27 de setembro de 2023

HOMENAGEM - Helio Fernando Salema

 

 


HOMENAGEM

Helio Fernando Salema

 

No maior e mais animado clube da pequena cidade está tudo pronto para o jantar em comemoração ao êxito da Campanha Natal dos Pobres. A ideia do jantar surgiu quando no início do mês de dezembro foi constatado que todas as famílias carentes do município haviam recebido alimentos suficientes para um mês.

Dr. Roberto, há várias décadas, trabalha neste município como médico. Muito respeitado pelo seu trabalho, não só no posto de saúde, mas também porque nas horas vagas era comum fazer visitas às comunidades carentes, para certificar-se das dificuldades dos moradores. Também sempre presente nas escolas e igrejas, dando palestras sobre saúde e higiene.

Tudo começou no início do inverno, quando o Dr. Roberto, visitando um bairro pobre, viu que as pessoas não tinham agasalhos para enfrentarem o rigor do frio. Conversando com os diretores do clube, sugeriu uma campanha para agasalhar os pobres. Segundo ele, sem encher o clube de roupas e depois uma multidão indo ao clube para pegá-las, sem nenhum critério.

Propôs organizar duplas que iriam até aquele bairro e cada dupla cadastraria duas famílias. Principalmente medindo o tamanho de cada pessoa e anotando a necessidade de cobertores. Após arrecadarem, entregariam as peças que serviam para aquelas duas famílias cadastradas, e as que sobrassem, seriam catalogadas no computador do clube para que outras duplas pudessem aproveitá-las. Na sala cedida pelo clube, um grande mapa identificava as famílias cadastradas, as atendidas e as que ainda necessitavam de cadastramento.

Em poucos dias este sistema foi se aperfeiçoando, mais pessoas foram se interessando em participar e dando sugestões para o aprimoramento da campanha. Em menos de um mês todo aquele pequeno bairro foi atendido.

Passado o inverno, o Dr. Roberto sugeriu que a campanha continuasse, mas agora, arrecadando alimentos.  Mesmo com o uso da informática, ficou mais trabalhoso calcular a quantidade e o tipo de alimentos necessários para cada família.

Muitas igrejas, por sugestão do Dr. Roberto, copiaram o sistema usado durante o inverno.   Assim, outros locais necessitados foram atendidos. Já em novembro, poucas famílias ainda precisavam ser cadastradas. O que facilitou o trabalho para o final do ano.

Confirmado o êxito da campanha, amigos decidiram que uma homenagem ao Dr. Roberto era necessário, de preferência surpresa, pois ele certamente não concordaria. Contataram os familiares, e em segredo prepararam como sendo um jantar para comemorar a campanha.

Quando parecia que o jantar estava chegando ao fim, eis que surge um grupo, carregando uma grande caixa muito bem enfeitada, e a coloca no meio do salão. Pedem para que o Dr. Roberto se aproxime e, em seguida, solicitam que ele abra a caixa.

Para sua surpresa, dentro da caixa havia um grande quadro com a sua foto. Abaixo da foto, frases de agradecimento pelo trabalho dele e de sua equipe na campanha. Profundamente emocionado, agradeceu.  Após um breve silêncio, surpreende a todos ao confessar que o mérito era de toda a equipe, e nem a ideia partiu dele. Muito emocionado explicou:

 — Num momento muito importante na minha vida, uma pessoa com muita ternura, pediu para eu fazer uma campanha para dar agasalhos aos que não tinham. Surpreso fiquei quando ele acrescentou que não fosse exigido a presença de todos no local. O que sempre acarretava tumulto e confusão na hora de distribuição. Ele me explicou os detalhes de como selecionar e distribuir os agasalhos. Gostaria muito que ele aqui estivesse para receber esta homenagem… Mesmo que fosse possível, talvez alguns aqui presente, não compreendessem e até discordassem… Eu o conheci numa das vezes em que visitei a prisão. Infelizmente, ele cumpre pena por cometer vários furtos, nesta cidade, durante anos.

 

Dois Caminhos - Adelaide Dittmers

 





Dois Caminhos

Adelaide Dittmers

 

Paulo acordou bem-disposto naquela bonita manhã de setembro. Abriu a janela para a cidade, que também despertava para a vida agitada de todos os dias.  Aspirou com prazer o ar fresco, trazido por um vento suave, que balançava levemente as árvores mais abaixo.  Um sabiá pousou na sua frente e assustado quando o viu, voou para longe.  Sempre lhe disseram que um pássaro na janela poderia ser um bom ou um mau agouro.

Tinha tomado uma importante decisão.  Estava ansioso e temeroso ao mesmo tempo.  Iria pedir a mão de Luísa em casamento.  Há algum tempo estava pensando nisso.  Amava-a muito, tinham os mesmos gostos e eram grandes companheiros. O relacionamento já durava dois anos.  Luísa, porém, era muito independente e prezava sua liberdade. Decidida e bem-sucedida na sua profissão.  Mas tinha um sonho, queria ser mãe e esse era o ponto difícil, ser livre ou a maternidade. 

A buzina de um carro o tirou de seus pensamentos.  Afastou-se da janela, vestiu-se e tomou o café. O trabalho o esperava, o dia seria repleto de reuniões, mas daria um jeito de sair e comprar um anel de noivado. Tinha marcado um jantar para aquela noite.

No outro lado da cidade, Luísa tomava seu café. Com o olhar perdido, sorvia cada gole lentamente, imersa em seus pensamentos, que a estavam levando para a conversa com o namorado no dia anterior, que enigmático, falou em lhe fazer uma grande surpresa.  Ele tinha escolhido um restaurante elegante para jantarem.  Qual seria essa surpresa?  Uma viagem às ilhas gregas, talvez.  Viajavam muito pelo mundo, mas há algum tempo queriam conhecer as belezas da Grécia.  Estava curiosa.   O dia iria demorar muito a passar.

A noite caiu mansamente sobre a cidade, as estrelas ofuscadas pelas luzes intensas da grande metrópole. Luísa desceu do apartamento para esperar o namorado na portaria do prédio, como o combinado.  As oito e trinta em ponto, Paulo parou o caro e partiram para o restaurante. Estava elegante, como sempre e a recebeu com um sorriso maroto, que a deixou mais intrigada. O que ele iria aprontar?

Entraram no luxuoso salão, onde uma mesa reservada os esperava.  Ao centro um pequeno e delicado arranjo de rosas-vermelhas, cercado por dois castiçais de velas cremes.

— O que significa tudo isso?  Ela disse arregalando os bonitos olhos verdes.

— Uma linda mulher merece isso e muito mais.

— Você está muito romântico, hoje. O que está acontecendo?

Ele puxou a cadeira para ela sentar e acomodou-se também.  Os olhos, que brilhavam com uma luz diferente, se fixaram nos dela.

Com voz pausada, ele disse:

— Estamos juntos há bastante tempo.   Gostamos das mesmas coisas. Temos os mesmos objetivos e você é a mulher da minha vida.

Luísa o olhou assustada e ansiosa.

Paulo tirou do bolso uma pequena caixa, abriu-a e um brilhante ofuscou a visão da jovem, que piscou, incrédula.

— Quer se casar comigo?

Ela se empertigou na cadeira, prendeu a respiração, soltando um profundo suspiro e respondeu:

— Paulo, eu te amo, mas não pretendo me casar.  Você sabe disso.

— Por que não?  Somos felizes juntos.  Você sempre manifestou o desejo de ser mãe.

— É verdade! É o meu maior sonho, mas tenho medo de morar na mesma casa e ser privada da liberdade de fazer o quiser.  Nos damos tão bem, cada um em seu canto.

— Não sou uma pessoa, que tire a liberdade de alguém.  Você sabe disso.  Sempre respeitei seu espaço.

— Sei disso! Mas no dia a dia… tenho medo!  Um dia poderemos ter um filho, mas cada um na sua casa.

— Pensei que você me conhecesse o bastante para ter confiança em mim.  Mas vejo que me enganei.

A decepção e a tristeza estampavam-se no rosto de Paulo. O Jantar foi trazido. O aroma da refeição requintada espalhou-se pelo ar.  Eles quase não tocaram na comida. O silêncio azedou a noite tão esperada pelo rapaz.

Saíram do lugar sem trocar uma palavra.  Estavam constrangidos.  Não conseguiam nem olhar um para o outro.  Paulo deixou-a em casa. A despedida foi fria e distante.

Arrancou com o carro cantando os pneus.  Estava decepcionado.  Entrou em um bar, em que bebeu uma dose atrás de outra. Na madrugada, embriagado, entrou no carro e acelerou. A visão turva o fazia dirigir perigosamente pelas ruas quase desertas.  Ao fazer uma curva, perdeu a direção e bateu fortemente em um poste. Desfalecido, o corpo ficou entre o airbag e a direção.

Pessoas de um carro que passava, pararam e o socorreram chamando uma ambulância.

No hospital passou por vários exames e felizmente os ferimentos foram superficiais, apesar do forte choque contra o poste.  Mas ficou internado por três dias.

No dia seguinte, um amigo comum ligou para Luísa e contou sobre o acidente. Muito nervosa e se sentindo culpada, foi ao hospital.  Quando entrou no quarto, ele virou a cabeça e disse que não a queria ver.

— Paulo, me ouça!  Ela implorou chorando.

— Por favor, saia! Não quero falar com você! E apertou o botão para chamar a enfermagem.

Ela estacou:

— Me deixa explicar...

— Já disse para sair! Ele disse interrompendo-a.

Como um autômato, ela percorreu os corredores infindáveis do hospital.  Aquela atitude a surpreendeu.  Ele era um homem calmo e gentil.  Não o estava reconhecendo.  Nunca escondera seus sentimentos de independência.

Ao alcançar o carro, abriu a porta abruptamente e se jogou no banco.  Deixou o choro contido desabar e dentro dela brotou a certeza de estar certa em não querer partilhar o mesmo teto com alguém.

Os dias passaram.  Várias vezes tentou entrar em contado com o namorado para explicar o porquê de sua decisão, mas ele não a atendia. Nunca lhe contara sobre seus pais.  Eram lembranças que queria apagar. ¨ A mãe submissa e infeliz. O pai autoritário e dominador. O talento da mãe em pintar quadros.  As telas maravilhosas, que criava.  Era uma artista verdadeira. O convite para expor em uma importante galeria. O ataque de fúria do pai ao saber disso.  Pintar para ele tinha que ser apenas uma distração, não uma carreira. A arte era para pessoas com má índole.  Era um ignorante. A tristeza que invadiu a mãe a tornou calada e desinteressada de tudo.  Nunca mais pegou em um pincel. Eu era seu único apoio.  Dedicou-se totalmente a mim e a minha educação.  Tinha dezessete anos, quando uma doença a levou, deixando um vácuo em minha vida. ¨

Por isso amava sua independência.  Não queria ser metade de ninguém, mas ser inteira. No entanto, tinha que encarar uma verdade.  Sentia falta da presença de Paulo, da cumplicidade entre os dois, dos momentos alegres, que passaram juntos. Mas tinha que esquecê-lo.  Estava tudo acabado.

Ultimamente andava preocupada com a própria saúde.  Sempre fora forte, muita ativa e agora estava sentindo tonturas frequentes.  Qualquer situação a emocionava. O cheiro da comida, a nauseava, perdera o apetite.  Precisava ir a um médico.

  Voltava para casa, quando sentiu os seios doloridos.  Apertou-os com as mãos.  Estavam inchados. De repente, um clarão irrompeu em sua mente.  ¨Meu Deus, será? ¨

Para completar o caos que desencadeou dentro dela, teve que parar o carro para vomitar.  Respirou fundo por alguns segundos.  Encostou-se no banco para se recompor.

— Não é possível! Falou em voz alta.

Quando chegou em casa correu para olhar o calendário em que marcava seus ciclos. Um calafrio percorreu seu corpo. O trabalho intenso e o término da relação com Paulo a deixaram fora do ar. ¨Não acredito! Devo estar grávida! ¨. Seu grande sonho, mas não nesse momento.  Como contar isso para Paulo.

— Preciso confirmar primeiro.  Falou em voz alta.

Saiu em disparada e comprou o teste.  Voltou e teve a comprovação. Uma emoção desconhecida misturada a um medo inesperado a surpreendeu.  Novamente disse em voz alta para si mesma:

— Sempre fui corajosa.  Não é agora que vou fraquejar!

Pegou o celular e ligou para o namorado, que não atendeu a chamada. Resoluta, pegou a bolsa e foi até o apartamento dele. Tinha a chave, mas tocou a campainha.  Após insistir várias vezes, ele finalmente abriu a porta.

— O que você quer? Ele perguntou secamente.

— Posso entrar? Preciso falar com você! É importante!

Ele se afastou para ela passar. Ela desabou no sofá.  Paulo permaneceu de pé. O rosto impassível.

Luísa olhou para ele.

— É melhor você sentar pelo que tenho a dizer. Em primeiro lugar, nunca quis magoá-lo.  Em segundo, não estou aqui para lhe pedir nada.

— Não estou entendendo o que você veio fazer aqui!

Ela se levantou e o fixou firmemente.

— É algo muito importante, que não poderia deixar de te contar.  Estou grávida!

— O quê?  Grávida!

— Devo estar de dois meses.

Ele balançou a cabeça, incrédulo. Seu rosto demonstrava a confusão, que o tomara por completo. A jovem ficou em silêncio, esperando o que estava por vir.

— Estou pasmo! Nem sei o que pensar ou dizer.  Sempre quis ser pai, principalmente após conhecê-la, mas não na situação atual.  Não quero um filho depois do que aconteceu entre nós.

— Mas eu quero essa criança.  Mesmo que você não queira.  Eu quero! Ela exclamou decidida.

— Se eu tiver um filho, quero participar de sua vida. Ensiná-lo, guiá-lo e brincar com ele.

— Lógico, que poderá participar, mas cada um em sua casa.

— Nunca vou concordar com isso.  Se você realmente me amasse, não cogitaria uma coisa dessas.

— Você não sabe de nada! Não me julgue!

O que eu não sei?

Ela sentou-se novamente. Uma nuvem de tristeza cobriu seu rosto, as palavras saíram em borbotões de sua boca e principalmente de seu coração ao contar sobre a severidade do pai e o sofrimento da mãe. Quando terminou estava cansada e trêmula.

A surpresa e a piedade estamparam-se no olhar de Paulo, que segurou as mãos dela, perguntando-lhe porque não lhe contara sobre isso. E com voz suave acrescentou que nunca interferiu na necessidade de independência dela e que sempre respeitou o trabalho e as decisões que ela tomava.

— Mas minha mãe me dizia que meu pai era outra pessoa antes de casar...

— Então você tem medo deque me torne como seu pai?

— Não é isso, mas tudo o que vivi me ensinou a não dividir minha liberdade com ninguém.  Que a razão tem que estar acima dos sentimentos.

— Acho que está na hora de você enxergar que sentimentos e razão podem caminhar juntos.

Abraçou-a carinhosamente:

— Pelo menos você pode tentar, mas vou aceitar a sua decisão.

Um sorriso molhado pelas lágrimas aflorou no rosto de Luísa.

— Vou pensar nisso. Prometo.

Os meses foram passando.  Paulo se tornou uma presença constante e atenciosa durante a gravidez de Luísa. Não tocou mais no assunto do casamento e respeitou a decisão da namorada de morar em casas separadas,

Numa quente madrugada de abril, o celular tocou ao lado de Paulo, que acordou, assustado.  No outro lado da linha, Luísa dizia que estava com muitas dores, o bebê estava chegando.

Meio zonzo ainda pelo sono, vestiu-se depressa e correu para buscá-la em casa. O caminho para a maternidade foi feito em pouco tempo. O nervoso de Paulo contrastava com a calma de Luísa, que gemia a cada contração.

Ela foi levada diretamente para a sala de parto, onde o médico já a esperava. Paulo vestiu roupas apropriadas e gorro para assistir ao parto.  Depois de uma hora, o choro da criança ecoou pela sala. Era um lindo menino. Paulo apertou a mão da namorada e a beijou.  Ela o olhou com lágrimas nos olhos, e disse:

— Hoje eu aceito aquele anel de noivado.  Você foi incrível nos últimos meses. Confio plenamente em você. Quer se casar comigo?

Ele levantou discretamente o avental e retirou a caixinha da joia.

— Não acredito! Você estava com a caixinha no bolso.

— Sempre a trouxe comigo. A esperança de que você reconsiderasse, esse anel sempre me acompanhou.

E delicadamente, colocou o anel no dedo da amada.

Nesse momento, o bebê foi colocado sobre o peito da mãe e os dois o beijaram ao mesmo tempo.


DÚVIDAS - Helio Fernando Salema





DÚVIDAS

Helio Fernando Salema


  

Não sei se era ela, mas tudo indicava

Tentei pegar uma flor… Que desaparecia

Eu falava, declamava e cantava.

Não respondia, também não sei se ouvia.

 

Nada dava certo, pura fantasia

Que desespero… Agonia

O tempo passava e corria

Tudo muito estranho, eu temia.

 

O pesadelo que não terminava.

Esta realidade me absorvia

Uma nuvem sobre mim pairava

Lentamente me sugava e eu subia.

 

Cada momento mais me entristecia,

Estranho não saber, mas eu sentia.

Enfim, chegou uma visão e sinalizou

Que neste mundo, eu não mais existia.



O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

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