A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

terça-feira, 25 de maio de 2021

O menino do semáforo - Adelaide Dittmers

 



O menino do semáforo

Adelaide Dittmers

 

Em um anoitecer frio, o menino perambulava pelas ruas fervilhantes de carros, depois de ter vendido pequenos pacotinhos de balas ao lado de um semáforo de uma grande avenida.

Conseguira apenas uns trocados, que iria entregar à mãe.  Estava com muita fome e o ar gelado entrava-lhe pelos poros do corpo franzino e desagasalhado.  Pensou em entrar em uma padaria para pelo menos comer um pão com manteiga, mas ficaria com menos dinheiro ainda para entregar em casa.

Morava longe, no extremo sul da cidade e a condução até lá era cara.  Seguiu, então, até o ponto de ônibus com o estômago vazio reclamando alto.

Ao chegar lá, estranhou que estivesse vazio àquela hora de intenso movimento.  O ônibus devia ter passado há pouco tempo e ele teria que esperar muito até o próximo vir.  Olhou para os carros, que passavam, velozmente, com pessoas abrigadas e aquecidas em seus interiores.  Como queria ser uma daquelas pessoas.

E seus pensamentos voaram para a realidade de sua vida pobre e cheia de dificuldades.  A mãe trabalhava como faxineira, mas perdeu o emprego por causa da grave pandemia.  O pai os abandonara.  Era um beberrão inveterado e nunca mais o vira. Seus dois irmãos dependiam do trabalho da mãe e dos centavos, que conseguia com a venda de balas. Ele tinha deixado a escola.

Na comunidade, em que viviam, muitas pessoas os estavam ajudando para não passarem fome.  Sempre havia essa solidariedade entre o povo da favela.  O que seria deles?

Nesse momento, levantou os olhos tristes e viu a torre de uma igreja, que se erguia imponente atrás do casario e com uma fé inesperada, rogou aos céus, que ajudasse a ele e a sua família.

Momentos depois, um carro parou à sua frente, uma senhora abriu a janela e gritou:

— Olá menino! Para onde você vai?

— Para minha casa!  Espantado, ele respondeu.

— Entre, eu levo você!

— Não obrigado! Minha casa é muito longe.  Respondeu surpreendido, chegando mais perto da janela.

— Você está morrendo de frio.  Entre! Não tenha medo! Também moro muito longe.

O temor e a surpresa lutavam com a vontade de entrar naquele carro quente e acolhedor.  E o desejo do aconchego e do conforto foi mais forte do que tudo.  Ele não tinha nada a perder e a mulher tinha um rosto bondoso e afável.

Abriu a porta e entrou, dizendo a ela onde morava. Não surpreendida com a distância e o bairro periférico, dirigiram-se para lá, serpenteando pelas ruas movimentadas da cidade.

Durante o longo percurso, a generosa senhora perguntou-lhe sobre a vida, e o menino despejou sobre ela seus infortúnios, incertezas e necessidades.  Com uma voz doce, ela acariciava a alma do pequeno passageiro com palavras de incentivo e compreensão.

Ao chegarem à comunidade, onde o pobre vendedor de balas morava, ele disse:

— Pode me deixar aqui.  Seu carro não vai conseguir passar por esses becos.

A mulher assentiu e abriu a bolsa, de onde tirou um enorme maço de notas de dinheiro e estendeu ao menino, dizendo:

— É para você!

 Com os olhos arregalados, o menino respondeu

— Não, não quero.  Vão pensar que roubei!

— Não vão. É um presente!  Aceite e coloque nos bolsos para você não ser roubado.

O garoto pegou o maço com as mãos trêmulas e o distribuiu pelos bolsos rotos da calça.  Num impulso, beijou o rosto de sua benfeitora com os olhos marejados de lágrimas e saiu do carro.

Ela acenou para ele e deu partida no carro.  Parando para ver o carro ir embora, qual não fo a sua surpresa ao ver o carro sumir na sua frente como uma bolha de sabão, que estoura no ar.

Assustado, apalpou os bolsos e percebeu as notas dentro deles.  Aquilo fora real e não um sonho.  Lembrou-se que rezara e pedira uma ajuda.  Com certeza era um milagre.  Lágrimas continuaram a rolar pelo seu rosto magro.  Quem seria aquela senhora?  Uma santa? Um anjo? Uma fada?

Com o coração cheio de gratidão foi para seu barraco e quando olhou para o céu escuro da noite nublada e sem estrelas, viu uma luz que subia em direção ao alto e por um segundo, tudo ficou iluminado.

Por você, faria isso mil vezes - Hélio Fernando Salema

 




Por você, faria isso mil vezes

Hélio Fernando Salema

 

Você, meu amigo, que foi embora, junto com muitos outros levados pela COVID-19. Você nos deixou um imenso vazio. Sempre esteve comigo, todas as vezes que precisei. Mesmo não lhe procurando, parecia que percebia o exato momento que eu necessitava de ajuda.


A sua percepção associada à vontade de ser útil, algumas vezes  chamou minha atenção, foi uma grande surpresa.
Você chegava com uma conversa  sem sentido. Falava de coisas banais, percebendo que eu não estava de bom humor logo perguntava se estava acontecendo alguma coisa. Às vezes, antes que eu me manifestasse você já se colocava à disposição. Era difícil recusar a sua ajuda. Ainda mais com o alívio que sentia.


Insistentemente, apontava o que fiz por você, como se fosse mais do que você já havia feito por mim. Por vezes, pensei que esquecia da sua parte e só lembrava do quanto lhe ajudei. Esta era uma das inúmeras divergências entre nós. Como isso rendeu nas nossas conversas.
Hoje tenho uma certeza, por você faria tudo que fiz mil vezes.

RECORDAR É VIVER - Do Carmo

 



RECORDAR É VIVER

Do Carmo

 

Hoje voltei ao passado e revivi um sentimento adormecido há cinquenta e dois anos.

Sou considerada aqui em casa como “Policarpo Quaresma”, personagem que guardava até parafuso usado. Esqueci o autor. Ah, Lima Barreto.

Tenho um baú grande e muito bonito, de madeira de jacarandá, forrado com veludo lilás, cor que muito me agrada, onde guardo minhas relíquias sentimentais.

Vez por outra, remexo minhas fagulhas ardentes e revivo acontecimentos, participo realmente dos sentimentos vividos na época da chegada de mais uma recordação física.

Ao abri-lo nesta semana, logo em primeiro lugar estava uma caixinha de cartolina rosa, feita pela Bequinha, na época com seis anos, minha querida filhota.

Tão logo retirei a tampa, senti o perfume dos bombons que ela havia me dado pelo dia das mães, com um cartãozinho escrito com letrinha trêmula e caprichada, notava-se o esforço para ser perfeita. Naturalmente os bombons não mais estavam lá, mas os quadradinhos de papel aluminizado brilhante e coloridos, repousavam aveludados como no dia em que recebi.

Ao reler mil vezes a dedicatória, com meu rosto banhado em lágrimas, ouvia nitidamente sua voz dizendo:

— Mamãe, eu amo você. Eu fiz a caixinha e embrulhei os bombons que a professora mandou fazer, e cada menina embrulhou para sua mamãe.

Não consegui continuar olhando as preciosidades que iria rever. Ainda com algumas lágrimas deslizando de meu coração, fechei o baú e respirei o ar puro da tarde de final de outono.

 

 

A transformação - Adelaide Dittmers

 


A transformação

Adelaide Dittmers


Em cima de uma pétala de rosa, a gotinha trêmula conversava com a flor.  Um forte calor deitava-se sobre o jardim, as casas e o asfalto das ruas. As flores e folhagens bebiam sôfregas a água, que o jardineiro tinha jogado sobre elas.

— Por que você está com tanto medo? Perguntou a rosa.

— Não quero me tornar vapor e sumir no ar. Gosto de rolar por aí, mesmo por dentro de canos escuros, de me derramar pelo jardim, de sentir que estou dando vida às flores e sentir o perfume, que vocês exalam.  Do cheiro, que damos à terra, quando a molhamos.

— Você não quer morrer?

— É isso! Como vou saber o que vai ser de mim se evaporar? Assentiu angustiada.

E tentava agarrar-se à rosa, porém, começou a sentir-se fraca, como fosse se desintegrar e aos poucos foi se desgarrando da rosa e subindo para o céu.  Fechou os olhos. Será que iria desaparecer? Abriu os olhos e percebeu-se dividida em várias gotículas, mas estava viva.

A subida demorou um bom tempo e subitamente ela sentiu que se incorporara a uma nuvem, que deslizava rapidamente, levada pelo vento.  Com muito receio, olhou para baixo, onde as casas pareciam de brinquedo.

Mais além, campos espraiavam-se na paisagem, em que diversos tons de verde misturavam-se ao amarelo de vastos trigais. Maravilhada, a pequena gota apreciava aquele mundo, que não conseguira imaginar enquanto percorria rios e canalizações da cidade.

Estava dividida em partículas, mas era parte de uma nuvem branca e macia.  Como pudera ter medo dessa magnífica transformação.  Encantada, deixava-se levar pelo sopro suave do vento

Uma imensa floresta, que subia por altas montanhas, surgiu e a nuvem que a transportava tocou nos seus picos.  A sensação de resvalar pelos altos galhos das frondosas árvores foi intensa e inesperada.  Conseguiu divisar no meio da folhagem, um ninho, em que a mãe alimentava seus filhotes.  Novas vidas desabrochavam ali.

Mal tinham passado pelas montanhas e uma faixa branca, debruada por árvores, arbustos e vegetação rasteira, beirava uma grande extensão de água de um verde azulado, que se perdia no horizonte e brilhava sob os raios dourados do sol.

Era o mar.  Ouvira falar muito da sua imensidão, mas nunca imaginara a sua grandeza.  A viagem tornou-se mais lenta e as nuvens foram parando sobre a grande massa de água, bordada por pequenas porções de terra.  Um cansaço modorrento invadiu a viajante, que adormeceu acomodada no seu leito de algodão.

Horas depois acordou empurrada por uma forte rajada de vento.  Sentiu-se pesada e viu-se cercada por companheiras escuras, que a comprimiam cada vez mais.  Aos poucos começou a sentir que suas minúsculas partículas se uniam e estava se tornando novamente uma gotinha, entre milhares de outras.  Não queria mais voltar a ser líquida e percorrer rios e canos escuros.  Tinha descoberto um mundo novo e maravilhoso.  De repente, no entanto, sentiu que despencava do céu com uma força avassaladora.  Para onde iria agora?

Caiu com grande impacto no cinza escuro, em que o mar se tornara.  Desfaleceu ao se sentir absorvida pela turbulência das ondas e percebeu que agora era parte desse intenso movimento.

Um sentimento forte a tomou por inteira.  Será que ali era seu lugar?  Será que voltara à sua origem?  Pensou, então, na rosa de quem se separara com tanto temor.  O lugar da rosa era o belo jardim. E o dela?   Seria o mar ou voltaria a ser nuvem para viver, novamente, aquela experiência incrível.  Naquele momento, a pequena gota entendeu que a vida é feita de mudanças, que muitas vezes nos surpreendem e nos transformam.

 

Premissa: A gota que não queria se tornar vapor.

Logline: A estória de uma pequena gota, que temia evaporar, mas que se tornando parte de uma nuvem, descobriu um mundo maravilhoso e que as mudanças são constantes e surpreendentes na vida.

O CAVALEIRO PEGASUS - Alberto Landi

 




O CAVALEIRO PEGASUS

Alberto Landi

 

A face de Helen estava diferente, assustada e visivelmente transtornada. A professora Liliane preveniu-a sobre histórias assustadoras de castelos e masmorras, a respeito do que falavam os antigos moradores da aldeia de Gerês. Situada próxima da cidade de Braga em Portugal.

Diziam os antigos, que esse castelo erguido sobre uma rocha, era a porta de entrada para o mundo extraterreno. Habitado por criaturas monstruosas.

Helen ignorou as advertências da professora. Mesmo sabendo os perigos que corria, entrou no castelo, curiosa por descobrir se aquelas histórias eram verdadeiras, ou se eram meras lendas populares.

Ali na sua frente estava aquela criatura alta, de nariz pontiagudo, orelhas pontudas e roupas cavaleiro da idade média. Segurando em uma das mãos um elmo e na outra uma espada. Parado diante de Helena, ele era a prova definitiva de que o castelo, e tudo que diziam, era real. Estava ali, diante de seus olhos assustados.

O estranho cavaleiro permaneceu imóvel por alguns segundos. Moveu a cabeça para a esquerda e depois para a direita, parecendo observar a reação de Helen, diante do inusitado encontro. Ela permaneceu petrificada. Silêncio total, o seu espanto era enorme.

O que pareceu ser um duende. Dessas histórias de contos de fadas, começou a acenar para ela. Dedos magros, unhas grandes, chamando-a para acompanhá-lo.

Helen pensou em sair correndo o quanto antes do castelo, porém sua curiosidade era grande. O duende acenava com as mãos. Era um convite muito estranho, era uma situação assustadora.

A criatura, vendo que a Helen permanecia estática, a chamou pelo nome, proferindo com uma voz rouca, que ecoou no interior do castelo.

— Não tenha medo, disse.  Venha comigo, minha menina, e repetiu, não tenha medo.

Eu sou Pegasus, fui um nobre guerreiro espanhol. Fui cavaleiro do rei. Mas com o tempo minhas divergências com ele tornaram-se muito tensas. Até que fui desterrado e encarcerado nesse castelo. Os outros cavaleiros que me acompanhavam, naquele tempo e eram fiéis a mim, foram também exilados para outras terras.

Nos refugiamos nas montanhas. Arregimentamos um pequeno exército e lutamos por quem nos pagasse mais. Numa dessas batalhas, fomos capturados pelas forças do rei, e assim vim para cá exilado.

Helen estava perplexa, ouvindo a história. Ficou admirada com aquela criatura estar falando com ela. Era tudo surreal. O espanto foi dando lugar para admiração e curiosidade.

— Venha conhecer um mundo cheio de seres fantásticos. Tudo tem magia, dizia Pegasus. Afinal creio que este é seu desejo. Ela encantada, disse:

— Puxa, você é mesmo real, hein! Como sabe o meu nome e meus desejos? Disse Helen.

— Não tenha medo, você será a primeira pessoa a conhecer nossos segredos. Helen deu um passo em direção ao duende. E seguiu–o, lentamente. A criatura ficou sempre na frente, e o caminho se tornando cada vez mais estreito e sombrio. Helen assustada, disse:

— Não vejo nada...acho que vou voltar.

No mesmo instante, em um estalo de dedos. Surgiu nas mãos de Pegasus uma tocha. A chama iluminou seu rosto, que estava com um sorriso sarcástico. Helen hipnotizada o seguia apavorada.

Isso aconteceu durante um outono, em um dia bem frio, quando ela sumiu da aldeia de Gerês. Por meses todos a procuraram. Em todos os locais e até mesmo, nesse castelo mal-assombrado, porém sem sucesso.

Passaram-se alguns anos desde que Helen encontrou-se com Pegasus. A história do desaparecimento dela, foi mais uma das histórias já contadas a respeito desse castelo e de seus fantasmas.

Durante algum tempo, moradores da aldeia relataram ter visto uma menina com as mesmas características de Helen. Diziam que ela estava no topo de um dos torreões do castelo. Havia acenado como se pedisse socorro e depois desapareceu rapidamente.

O SOLDADO QUE NÃO QUERIA MATAR - Claudionor Dias da Costa

 


O SOLDADO QUE NÃO QUERIA MATAR

Claudionor Dias da Costa

 

Quando criança gostava de escutar as histórias de meu avô.

Certa vez, na tranquila varanda de sua casa ele me contou o que passou na época da guerra.  Participou da primeira guerra mundial. Meu avô era um português alto e forte, tendo passado um período na França atuando na artilharia.

Fez amizade com Arlindo, tão jovem quanto ele, e passaram por treinamento juntos trocando confidências e emoções num período em suas vidas que poderiam estar aproveitando com mais tranquilidade, ao invés de enfrentar o inimigo, tendo que matar ou morrer.

Por várias vezes seu amigo reclamava da convocação para participar do conflito e com ar triste e perdido exclamava:

— Antônio, por que eu e você estamos nesta situação? Não concordo nada em ter que assumir este papel que vai contra a minha consciência. Não aceito me oferecer para morrer, quando sei que esta guerra foi provocada por ânsia de poder, dominar o inimigo e usufruir de sua derrota. E não me conformo que a alternativa que tenho para continuar vivo é matar outro soldado que tem as mesmas inquietações que eu. Só está do outro lado. Será que minha vida vale mais que a do meu “inimigo”. Todos os seres humanos são iguais.

Meu avô disse que não poderia contestar, porque ele tinha argumentos profundos e sua filosofia de vida era baseada na paz e concórdia.

— A nossa sobrevivência Arlindo... Não esqueça que existem pessoas te esperando depois e dependem de você.

Contudo, em seu descanso, ficava meditando acerca dessas colocações e se via intrigado com os absurdos e armadilhas que a vida provoca.

Porém, naquele conturbado mundo não sobrava tempo para muitos pensamentos. A batalha era diária e sempre muito perigosa.

O sargento da tropa incitava todos a serem corajosos e destemidos, e essa pressão atormentava mais ainda o Arlindo que não via sentido em tudo que estava vivendo.

No acampamento ele ficava balbuciando palavras soltas e várias vezes chorava escondido. Era muito angustiante.

E nesse drama meu avô tentava acalmá-lo, mostrava que tudo terminaria. Precisariam de paciência, resignação, fé pessoal e muita em Deus.

Arlindo procurava não participar e vivia se escondendo atrás das atividades dos outros, de forma que não fosse surpreendido pelo sargento, porque poderia ser punido. Os amigos até procuravam protegê-lo porque sabiam dos motivos daquelas atitudes.

A única coisa que amenizava um pouco era receber notícias dos parentes através das cartas que demoravam para chegar, mas, que eram um bálsamo de um outro mundo que parecia que nunca alcançariam outra vez.

Apesar de gostar de recebê-las, Arlindo parecia se preocupar mais e ficava taciturno mantendo um silêncio que incomodava até os companheiros.

Os dias se sucediam naquela rotina cruel, sangrenta e cansativa.

Num dia de confronto violento, ele não aguentou e saiu tresloucado da trincheira, partiu correndo para a frente. Chegou ao extremo de sua depressão e preferiu se entregar e sacrificar sua vida do que permanecer fazendo o que não permitia sua consciência.

Ouviu-se um tremor muito grande. Uma bomba havia explodido próximo à trincheira em que estavam.

Meu avô e mais dois companheiros correram e viram o Arlindo caído, muito ferido, ainda vivo. Puxaram-no imediatamente e pelo rádio, chamaram o socorro médico que ficava na retaguarda.

Foi levado às pressas para o hospital de campanha.

Nesse instante, meu avô olhava para mim que estava com os olhos esbugalhados e aflitos, e aumentava o suspense:

— Será que o Arlindo se salvou?

Continuava:

— Bem...ele foi operado porque tinha ferimentos. Eu quando podia acompanhava sua recuperação e após algum tempo já podíamos conversar um pouco.

O tempo passou e as tropas regressavam a Portugal. A guerra finalmente acabava.

Mas...vovô:

— Afinal, o que aconteceu com seu amigo Arlindo?

— Meu neto, ele se recuperou e como acompanhou o pessoal da saúde no dia a dia, assim que se sentiu melhor procurou o sargento, que foi aos superiores e conseguiu permitir que ele ficasse junto aos atendentes no hospital de campanha trabalhando.

Era tudo que o meu amigo queria. Não atuar matando inimigos, mas, ajudando a salvar vidas. Assim, preservaria seus conceitos, não sofrendo contra o que não concordava.

Sorrindo acrescentava que em seu regresso à pátria, começou a estudar medicina e se formou em cirurgia.

Nesse instante, vovô se levantou, foi até uma estante em sua sala, apanhou uns envelopes e um álbum de fotos, e voltou.

Mostrou as cartas que recebia de seu amigo depois que havia emigrado de Portugal para o Brasil. Amizade de mais de quarenta anos.

E no álbum com fotos daquela época, também apareciam algumas recentes que Arlindo enviava para ele. E numa delas, num recorte de notícia de jornal entre mais três pessoas destacava: Dr. Arlindo Pereira Sampaio, renomado cirurgião português recebe comenda da ONU por suas contribuições e estudos na área de cirurgia vascular.

Vovô para pensativo e dirigindo-se a mim como era seu costume quando queria me aconselhar:

— Ele foi um exemplo e serve para nos lembrar que o caráter, uma consciência limpa, bons princípios e persistência num ideal alcançam sucesso e realização.

Eu tinha treze anos e sempre lembro da história do soldado que não queria matar.

 

 

 

LOGLINE DESTA HISTÓRIA

 

Rapaz convocado para a guerra sofre angústia por não concordar em matar.

Após quase morrer, consegue outra atividade atendendo feridos e, no final do conflito se dedica e atinge o sucesso e realização pessoal numa profissão nobre.

O HOMEM NA ESSÊNCIA DE ANIMAL - Henrique Schnaider

 





O HOMEM NA ESSÊNCIA DE ANIMAL

Henrique Schnaider

PREMISSA:

E se um personagem habitasse solitariamente uma ilha inventada?

LOGLINE:

Um homem, vítima de um naufrágio quando garoto, se tornou primitivo por viver solitariamente numa ilha, tendo que disputar alimentos com animais ferozes, até que precisou ser violento como eles para se impor diante dos bichos e ser respeitado.

 

 O HOMEM NA ESSÊNCIA DE ANIMAL

 

Edwin participava do jantar de gala, no salão principal do navio, acompanhado por seus pais. Todos vestidos para uma noite especial. O menino tinha apenas 12 anos e olhava encantado para tudo ao seu redor, como se estivesse num mundo de realismo fantástico.

O salão era deslumbrante e magico, era demais para os seus olhinhos infantis. Estava admirado e boquiaberto, diante da figura do Capitão do navio, vestido numa farda que impressionava. Enfeitada com ornamentos dourados. Como se fosse um Almirante de Esquadra.

Sentado à mesa principal, decorada com uma Mise en Place, digna dos monarcas franceses, o Capitão era só gentilezas com todos os passageiros. A mesa dos pais de Edwin e de todos convidados estavam muito bem arrumadas.

A comida que foi servida, deixou o menino de olhos escancarados. Nunca havia experimentado pratos tão saborosas. Edwin foi dormir admirado de tantas experiências novas que vivenciou.

Na madrugada o silêncio dominava todo o navio. De repente um tranco enorme balançou a embarcação, de popa a proa. Havia batido em um enorme rochedo submerso.  

O pânico tomou conta de todos os passageiros. O estrago tinha sido grande e o navio submergia rapidamente. As pessoas corriam desorientadas. Edwin, infelizmente, perdeu-se de seus pais. E, dos sonhos dourados e passou a um pesadelo horrível. Com muita sorte, agarrou-se em uma boia e foi levado pelas ondas.

Adormeceu de cansaço e pavor. Acordou com ondas suaves da maré baixa na praia, naquilo que imaginou ser uma ilha. Estava sozinho e abandonado em um lugar que para ele, pareceu no fim do mundo.

Uma nova e dura vida teve início para Edwin. Seu estômago roncava de fome e por instinto de sobrevivência, saiu em busca de algo para comer. Achou umas frutas silvestres e saboreou-as com sofreguidão.

Procurou algum lugar para se abrigar e dormir. E assim os dias foram passando e o menino tentando sobreviver e se adaptar à vida selvagem. Meses depois, anos mais tarde, Edwin já se tornou um rapaz forte e curtido pelo sol da ilha. Aprendeu a pescar, caçar e, milagrosamente, sobreviveu.

Perdeu todas as características, tanto de educação como valores aprendidos em na sociedade. Tornou-se um ser primitivo, cujo único objetivo era a sobrevivência. Disputava com os animais a comida e o poder do mais forte e astuto.

Brigava com os ursos na disputa pelo mel produzido nas colmeias. Passou a ser temido, tornou-se o todo poderoso. Todos naquela ilha do fim do mundo o temiam. Aprendeu a fazer fogo. Fabricou armas com as quais caçava.

Domesticou alguns animais, como ursos e macacos que se afeiçoaram a ele e o acompanhavam em todas caçadas e caminhadas pela ilha. Dormiam juntos no abrigo que Edwin construiu. Assim acontecia uma espécie de acordo mútuo de proteção.

Já adulto depois de tantos anos passados nesta vida primitiva, quando um navio surgiu no horizonte e se aproximou, pois, os marujos tinham avistado fogo e fumaça e sabiam que a ilha era desabitada.

Lançaram um bote ao mar e se aproximaram da praia. Avistaram Edwin, acenaram e chegaram próximos a ele. Viram a dificuldade que tinha de falar e se relacionar, pois parecia que emitia sons como de animais.

Finalmente o convenceram e o levaram embora da ilha. Aquele ser primitivo, abandonou seus amigos animais, pois havia conhecido pessoas iguais a ele. Teria que aprender de novo a viver em sociedade. A falar direito e ser um homem com educação, princípios e valores.  

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

    O cãozinho aventureiro Alberto Landi                                       Era uma vez um cãozinho da raça Shih Tzu, quando ele chegou p...