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segunda-feira, 21 de junho de 2021

Curon - Adelaide Dittmers

 


Curon

Adelaide Dittmers

Flocos de neve caiam do céu cinzento.  Agasalhados e indiferentes ao frio, brincávamos pelas ruas, jogando pequenas bolas de neve uns nos outros.  A algazarra ecoava por toda a vila.  O sino da velha igreja bateu por doze vezes.  Todos sabíamos que era hora de almoçar.  Como pássaros alvoroçados, corremos para casa.  A refeição quente e convidativa já estava na mesa.

Meu pai sentou-se à mesa com um semblante grave.  Comeu em silêncio, sob o olhar preocupado de minha mãe.  Quando o almoço terminou, pediu a mim e meu irmão que fossemos para o nosso quarto.

Curiosos, ficamos escondidos para ouvir o que ele tinha a dizer.  As crianças sempre tinham que sair quando os adultos tinham algo a dizer que elas não deveriam ouvir.

Assustados e sem entender nada, ficamos sabendo que iam cobrir a cidade com água.  Ouvimos o choro de nossa mãe e, num impulso maior que nós, irrompemos pela sala, perguntando se era verdade aquilo.

Meu pai, zangado, disse que não era bonito ficar atrás das portas, ouvindo a conversa dos outros, mas nos acolheu e nos acalmou, explicando que iriam construir uma usina para gerar eletricidade. Cada detalhe nos foi dado pacientemente para que entendêssemos o que seria a tal usina.

À tarde, quando saímos para brincar com nossos amigos, a notícia já se tinha espalhado como rastilho de pólvora e as crianças não falavam de outra coisa.  As brincadeiras foram esquecidas e todos queriam falar ao mesmo tempo.

Naquela época, Curon era uma pequena vila cercada por plantações.   Meu pai tinha um pequeno pedaço de terra, onde cultivava videiras, cujas uvas se transformavam no bom vinho italiano.  Muitos habitantes eram agricultores e viviam do que plantavam.

A vida, naquele lugar, corria mansa e lenta.  Aos domingos, todos iam à missa e ao sair da igreja, reuniam-se em grupos, em que as conversas e mexericos corriam soltos. Era muito difícil se manter algum segredo naquela aldeia.  No entanto, todos eram amigos e se ajudavam quando era preciso. Naquele domingo, a notícia caiu como uma bomba sobre eles e com intensa gesticulação, uma característica bem típica dos italianos ao se comunicarem, expressavam sua revolta de terem de abandonar suas casas e a história de suas vidas, construída na pequena vila, onde também viveram seus pais e avós.

Foi uma época muito angustiante para todos.  Nós, crianças, no alvorecer da existência, além do assombro de ver nosso mundo desaparecer sob as águas, estávamos mais curiosos do que infelizes pelo destino de nossa terra natal.

No domingo, antes de nossa retirada, foi celebrada a última missa na velha igreja e ouviu-se o badalar dos sinos pela vez derradeira. Os habitantes compareceram em peso, muitos tiveram que ficar de fora para assistir ao culto.  Os olhares de todos voltavam-se para as belas pinturas nas paredes e teto do santuário e se detinham nas antigas imagens, que se distribuíam pelo seu interior, numa despedida dolorida daquele templo, onde tantas vezes rogaram pela proteção divina e que tanto representava para eles. Batizados e casamentos haviam sido celebrados ali e mesmo mortos foram ali chorados.

Depois desse dia, cada um seguiu seu caminho. Minha família, depois de um ano, emigrou para o Brasil, onde construiu uma nova vida.  O Brasil, para mim, é minha segunda pátria, terra dos meus filhos e netos.

Certo dia veio a notícia de que, ao reparar a usina, tiveram que esvaziar a represa e a torre da igreja emergiu das águas.  Tomada por recordações perdidas no tempo, acendeu-se em mim um desejo intenso de voltar à Itália para ver o que sobrou de minha pequena cidade natal.

Quando lá cheguei, uma forte emoção apoderou-se de mim ao ver a torre da igreja secular apontada para o céu e rodeada das ruínas do que outrora fora o vilarejo.

Naquele momento, pensei na mudança drástica por que todos daquela vila tínhamos passado. A vila tinha morrido, mas a vida, que correu nela, continuou em outros lugares e, como a torre, que se erguia desafiadora, novos horizontes foram alcançados, novos vôos e descobertas foram realizados por aqueles que a deixaram com um destino incerto num passado distante.

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