A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quarta-feira, 13 de março de 2019

MISTÉRIO - Hirtis Lazarin



Imagem relacionada


MISTÉRIO
Hirtis Lazarin


     Jerônimo é o nome do delegado de Matinhos, cidadezinha sergipana.

     Dois metros de altura e músculos avantajados, impõem respeito.  Os traços faciais mal delineados e grosseiros é confundido com a braveza de um touro nervoso aprisionado.

     A cidade conta com poucos habitantes e muita tranquilidade.  Exige pouca ação dos representantes da lei.

     É a briga no boteco, garrafas quebradas e gente ferida.  É o marido que chega bêbado, chuta tudo que vê pela frente: móveis, mulher e até filhos.  É a cachorrinha fujona que foi parar numa cratera aberta pelas águas de março.  É o galo poderoso que faz um escândalo na intimidade da noite, acorda vizinhos e o dono das galinhas avisando-o que larápios invadiram o galinheiro.

     No momento, Jerônimo está com um caso complicado pra investigar: é o Seu Jonatas, pai de dois meninos, que saiu pra trabalhar e há oito dias não volta pra casa.

     O delegado, sentado displicentemente em sua poltrona pesada e macia, pernas esticadas sobre a mesa, botas de couro com brilho de espelho, perdido em pensamento, arquiteta um roteiro de investigação.

     Era o meio da tarde.  Ele sente um cheiro ruim, mal-estar e náuseas.  Um frio gelado arrepiou todos os pelos que tinha no corpo.  Levantou os olhos e ficou assustado.  À sua frente estava um homem estranho.  Entrou sem ruído.  O rosto pálido, num amarelo-esverdeado, os olhos tristes e chorosos causavam dó.  Entregou-lhe um envelope cinza-chumbo bem amassado.  Saiu calado, apressado. 

      Jerônimo tem nome comprido, mas curto é o seu pavio.  Deu um pulo e com poucas passadas chegou à porta da delegacia.  O homem já havia desaparecido.  Lá fora, nem sinal...  A recepcionista, que controla entrada e saída das pessoas, jurou que esse homem não passou por ali.

     Lá fora de tão azul o céu ardia os olhos e o sol espirrava tantas cores e tanto calor que até derretia o piche do asfalto.

     Cabreiro o delegado voltou à sua sala, juntou o envelope, sem remetente nem destinatário, a outros papéis empilhados na mesa.  Tinha trabalho urgente a sua frente.

     Inesperadamente uma rajada de vento forte escancarou a janela maior da sua sala, sacudiu as cortinas e caminhou em direção à mesa.  Remexeu os papéis todos e apenas um deles voou.  Voou e parou no colo de Jerônimo que acompanhava tudo sem reação.  A ventania cumpriu sua missão e saiu por onde entrou.  "Como, se lá fora o céu continuava sem uma nuvem sequer?

     O homem apavorado e supersticioso tirou o terço da gaveta e se pôs a orar.  Fechou a porta da sala.  Não queria que ninguém o visse naquela situação.  Depois que recitou todas as orações que aprendeu no catecismo e ainda sabia de cor, sentiu-se aliviado e com coragem pra abrir o envelope.  Um bilhete:

Praia Pirambu
Casa amarela
Quadro na parede/ revólver
"SOCORRO!"

     Leu e releu as anotações, nem sei quantas vezes.  Decifrar não conseguiu, mas naquela mesma tarde, acompanhado de outros policiais, partiram pra Pirambu, a oitenta quilômetros de Matinhos.

     Já era noitinha quando chegaram.  Andando de lá pra cá, encontraram duas casas amarelas: uma iluminada e habitada.  A outra, abandonada.  Pintura desgastada, paredes com rachaduras de onde brotavam ervas daninhas.  Um empurrão mais forte abriu a porta.  A dobradiça enferrujada gemeu.  Lanternas nas mãos clarearam o interior da casa.  Muitas tralhas espalhadas pelo chão.  Na parede lateral o quadro.  Uma pintura surreal, assustadora, figuras enigmáticas e indecifráveis, domínio do absurdo, da imaginação fantasmagórica.  Era de arrepiar.

     Num puxão o quadro despencou desmontado.  No verso, outro envelope e outro bilhete.

Rua 7, número 177
Aracaju
Comunidade das Pedras

     Faltava o revólver.  Vasculharam cada canto e encontraram-no dentro de um saco de pão.

     Uma brincadeira de gato e rato?  Não importava.  Obstinado Jerônimo desvendaria aquele mistério.

     Na manhã seguinte, bem cedinho, deslocaram-se pra Aracaju.  Achar a comunidade foi fácil, difícil foi achar a rua 7.  Eram vielas e mais vielas, compridas e sinuosas.  Um labirinto.  Um rapaz sentado na soleira da porta, fumando maconha, orientou a equipe.  Era um barraco, quase não parava em pé.  A porta apenas encostada.  Tudo vazio, apenas um gato magricelo abriu os olhos com o barulho e voltou a dormir.  Num pedacinho de terra, uma imitação de quintal, uma bananeira morria às mínguas e um cheiro insuportável vinha de um poço fechado com tábuas pregadas.  Uma nuvem de moscas rodeava-o.

     Ali dentro apodrecia o corpo de um homem.  Junto dele uma caixa.  Dentro da caixa a foto embaçada de um casal e outro bilhete
                                                           

Jonatas

Meu amor era grande demais
Minha sede de vingança maior
Você mentiu, você me iludiu
Envenenou-me de amor
Como outro, jamais
Uma arma, um tiro, uma dor
Um choro sufocado, consolador.

Soninha


     Jonatas era o homem desaparecido há oito dias.  Morto pela amante Soninha.  A prisão da assassina foi questão de dias.

     Jerônimo, na paz do dever cumprido, estica as pernas sobre a mesa, acende um cigarro e pega o jornal semanal.  Primeira página, manchete:  "A morte de Jonatas e a prisão da amante"

     O delegado olha bem a foto do morto.  Não pode ser... Esfrega os olhos.  Põe e tira os óculos.  Troca de óculos.  Não havia dúvidas.   Jonatas era o homem que lhe entregou o envelope cinza-chumbo.  O envelope com as dicas pra que não só o seu corpo fosse encontrado, como também denunciar a assassina.

     Hoje Jerônimo tem dois grandes medos: ratos e fantasmas.  Tem certeza que existem.


O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

    O cãozinho aventureiro Alberto Landi                                       Era uma vez um cãozinho da raça Shih Tzu, quando ele chegou p...