FOI POR UM TRIZ
Hirtis
Lazarin
Foi
por um triz, apenas dois minutos de atraso no táxi e ela não conseguiu embarcar
no trem.  Até abandonou parte da bagagem
no porta-malas do carro.   Naquela hora
decisiva, perder parte das roupas era o que menos importava.  Pode, ainda, ver o último vagão acenando-lhe
adeus e desaparecer no túnel que atravessava a montanha de vegetação castigada
pelo inverno rigoroso.
Estava
inconsolável.  Um plano estudado em todos
os detalhes; um projeto fracassado. 
Ajudada por um funcionário que se comoveu com o desespero daquela mulher
chorando e gemendo, Florence deixou-se cair num dos bancos de madeira puída e
desbotada no corredor da plataforma.
Era
a viagem tantas vezes adiada.   A dúvida,
o medo de trocar o certo infeliz pelo incerto cheio de esperança.  A possibilidade de libertar-se de um
casamento sufocante que já durava oito anos. 
Ronald adiava sempre a paternidade. 
Um filho, um empecilho aos negócios naquele momento tão produtivo no
“seu” mundo empresarial.   A vida do
casal era viajar e viajar...  Hotéis e
hotéis...
O
marido passava o dia em reuniões, congressos, assembleias, e Florence vagava
solitária pelos hotéis à espera dele que tinha hora pra sair e nunca pra
voltar.  Não raras vezes, adormeceu com
fome na mesa do jantar.
“A
pior coisa não é ficar sozinha, é ficar sozinha ao lado de alguém” – pensamento
que começou a ficar recorrente na mente de Florence. 
Fingia
que se acostumara à situação.  Não tinha
porque reclamar, pois, aos olhos de todos, casara-se com um príncipe.  Homem poderoso, jovem e cavalheiro.  Aquele que presenteia flores, abre
delicadamente a porta às mulheres e nunca se esquece das datas importantes. 
A
casa mais moderna e requintada, o reconhecimento das maiores autoridades, o
paparico da alta sociedade, luxo e a inveja das moças casadoiras.   Quanta ilusão!
Florence
levou um susto quando o segurança a acordou. 
A estação ferroviária estava deserta e escura, prestes a fechar.  Lá fora, a neve caía em flocos, suficientes
para amedrontar até aqueles que sempre conviveram com ela.
Florence
saiu à procura de táxi.  Não seria nada
fácil àquela hora da noite e com aquele tempo frio.  Esgueirando-se por entre toldos das lojas,
cuidando-se para não escorregar na camada de gelo que ia se formando nas ruas e
calçadas, viu uma única luz acesa perto da esquina mais próxima.  
Era
o “Sweet Café”. Ela espalmou o casaco expulsando floquinhos de neve e
entrou.  Uma única cliente sentada
próxima ao balcão, papeando com o garçom. 
Roupas apertadas e provocantes. 
Espartilho apertadíssimo pressionava os seios volumosos que se viam
obrigados a saltar aos olhos dos maliciosos.
Florence
sentou-se afastada dele.   Um chocolate
bem quente era o que mais queria naquele momento incerto e difícil.  Esquentar o corpo trêmulo de frio e esfriar a
cabeça quente de medo.  Como voltar pra
casa e enfrentar o marido?  Como contar a
verdade?
Há
mais de um ano, ela conheceu Will, um jornalista hospedado no mesmo hotel onde
o casal estava.  Encontraram-se por
acaso, duas vezes, no restaurante.  Uma
conversa amistosa de pessoas inteligentes, amantes de um bom livro e um bom
filme os aproximaram.  Depois, um café da
manhã juntos, uma volta pelas cercanias, um passeio de barco, a proximidade
cada vez mais próxima, a tentação e o encanto do proibido.  Um beijo de língua.  Paixão ardente incontrolável.  Outros encontros em outras cidades e em
outros hotéis.
Will
aguardava Florence naquele trem.  Depois
de superadas tantas dúvidas e desafios, acertos e desacertos, finalmente se
encontrariam naquele trem e juntos chegariam a Londres, com destino a Nova
York.
Era
o fim de um pesadelo e o começo de uma grande aventura de amor.
