A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

DESTINO ALTERADO - M.Luiza de C.Malina


DESTINO ALTERADO 
M.Luiza de C.Malina

- É evidente que é no meu, e continue a me chamar por senhora.

- Por que evidente, e por que  “senhora”?

- Porque já percebi que o senhor é um tanto entrão.

- Eu? Não, não. É a senhora.

- Ora! Vamos dizer que somos nós dois.

- É vamos dar a mão à palmatória. Afinal somos dois ratos de lixo alheio.
- E quanto ao lixo: no meu ou no seu?

- No seu, estaremos na sua cozinha. Sabe... A senhora não é boa observadora.
- Como assim?

- A senhora se apega a detalhes, não ao essencial.

- Então... Diga-me onde falhei.

- Aprecio bons vinhos. A garrafa sempre está no lixo. Nunca a rolha.
- E o que tem a ver a rolha com o lixo?

- Nada. Nada mesmo. Está vendo como a senhora não sabe nada sobre mim!
- E daí? Por um acaso, pinta seus bigodes com ela?

- Ah! O seu senso de humor... hahaha! A senhora perceberia através da falta da rolha, que sou um colecionador.

- Colecionador... Garanto que enche a casa de tranqueiras.

- Ah! este senso de humor...

- Como assim?

- O lixo é tão descartável quanto a senhora.

- Explica.

- Fácil. O que vai pro lixo é descartável.  Acho que é melhor não tirarmos conclusões com o lixo alheio. Passe bem!

Por coincidência, nunca mais colocaram o lixo em seus andares.


(Trabalho criado sobre a crônica O Lixo - de Luís Fernando Veríssmo)

A MAGIA DENTRO DO ESPELHO! - Dinah Ribeiro de Amorim



A MAGIA DENTRO DO ESPELHO!
Dinah Ribeiro de Amorim

  Carlinhos começou a olhar fixamente para o espelho do armário. Estava na adolescência, idade crítica, quando se observa qualquer espinha ou sinal novo que aparece no rosto.

  Sua imagem refletida, mostra também, objetos pessoais, livros colocados em uma estante, sua cama, alguns cartazes de shows e esportes radicais.

  Tanto olhou que, de repente, as coisas começaram a se mexer, dentro do espelho. Os objetos voavam e circulavam a sua cabeça, a cama arriou, os cartazes caíram ao chão como se tivessem sido arrancados e, seus livros prediletos, ah! Seus queridos livros, se abriram, saltando deles personagens assustadores.

  Homens usando armaduras e capacetes, com espadas na mão, gladiavam-se. Feras bravias, raivosas, famintas, ameaçavam avançar sobre ele. De um livro, um vampiro, horroroso, maquiavélico, olhava-o gulosamente, desejoso de sugar seu sangue. Morcegos barulhentos o acompanhavam, abrindo suas asas escuras e brilhantes, escurecendo o dia. Com dentes aguçados, lotaram o quarto.

  O menino, desesperado, não conseguia fugir nem desviar seus olhos. Estava paralisado, aguardando coisas piores ou o seu fim. Queria gritar, chamar seus pais, mas não conseguia.

  Alguns livros ainda não tinham sido abertos e, Carlinhos, antevendo o que haveria, conhecedor dos conteúdos, acreditou que sua hora chegara!

  “Por que comprara esses livros!” Pensa ele, arrependido.

  Realmente, de outro livro, surge uma mulher diabólica, meio bruxa meio fera, de olhar faiscante, cabelos vermelhos semelhante a fogo, soltando baforadas de fumaça, apontando uma varinha em sua direção, firme, com garras no lugar de mãos, ameaçando-o transformá-lo num sapo com gargalhadas estridentes.
  De repente, para seu espanto, abriu-se um livro da infância “A Casa Sonolenta”, esquecido no meio daqueles outros. De dentro dele saíram a vovó de vassoura na mão, expulsando os gladiadores e a bruxa, com um grito. O cachorro amigo, com seus latidos, expulsa os morcegos invasores e o vampiro. As feras raivosas se encolhem medrosas com o gato e o rato, fugindo para dentro do livro. A pulguinha, graciosa e saltitante, que acordara todos eles para auxiliá-lo, dá-lhe uma coceirinha no pescoço, libertando-o daquela alucinação.

  Tudo volta ao normal! Carlinhos acalma-se.


 Que bom ter conservado aquele inocente livro da infância! - Pensa.

CÃES E GATOS - M.Luiza de C.Malina



CÃES E GATOS
M.Luiza de C.Malina

Cães e gatos vizinhos não combinam. Muito menos as vizinhas.

A vizinha, dona do cão de raça Dog Alemão, não suporta os 27 gatos uivando no cio e de sobra, fazendo sujeira no seu jardim, tampouco a gritaria que a mesma faz com os  filhos. A gritaria é tamanha que ao abrir a janela, o cão pula no muro latindo para a mesma. Acredito que o timbre da voz o incomode.
- Eu mato este cachorro, juro que o mato... Julianoooooo! Grita a vizinha chamando o filho.

- Au... Au... Au...

- Julianooooo! Está surdo? Venha aquiiiiii!

- Auauauauauauauauauauuuuuu!

- Ploft (a janela é fechada com toda a força) A conversa continua em tom de briga e o cachorro fica inquieto, sem latir, em posição de atenção. Juliano chora – o cão late e late...

- Eu mato este cão... Grita mais irritada abrindo a janela.

Dali a pouco é hora do almoço.

- Julianooooooooo! E o cão late....  - Eu já estou acreditando que o cão pensa que este é o nome dele.  É muito engraçado, eu fico na minha.

Em seguida:

- Blém... Blémmm... Blémmmmmmm  - batidas no panelão de alumínio chamando os gatos para o almoço que mais cheirava a carniça - MetidA! ExibidA! FeiosA! EspantalhA! FididA!... e os adjetivos seguiam boca à fora em número de 27 por todo o vale. Haja dicionário!

Um a um os gatos foram sumindo.  Juro. Eu não tive culpa no cartório.

Um dia a vizinha sumiu.


Sons ao redor - Jany Patricio



Sons ao redor  
Jany Patricio

Sábado à tarde. Marcia liga o aspirador que sufoca o som da música. Continua dançando no embalo do samba. Cantarolando Maria Rita ela se empolga na faxina.

        Seus ouvidos apurados percebem o barulho de chaves. É Rogério chegando com sacolas de supermercado que ao tocarem no chão revelam o som de garrafas.

        Sempre correndo. Trabalho, pós-graduação, academia, feira, mercado, cuidar de Bob, seu gato, ela não costumava prestar atenção nos sons da vizinhança. Só às vezes, quando latidos de cachorros ou disparos de alarmes atrapalhavam seu sono.

        Porém, num sábado à tarde, após terminar a limpeza da casa, tomar banho, e descansar no sofá, um som de bolero sorrateiramente entrou pelo vão da porta da sala.

        Lembrou-se das aulas de dança que parou de fazer desde que iniciou a pós.

        Desde então começou a observar os sons ao redor. Bolero, tango, samba e outros ritmos tocavam no apartamento vizinho aos sábados.

Na semana, ele saía cedo e ela chegava tarde.

        Numa segunda-feira, após participarem da assembleia do condomínio desceram juntos no elevador comentando sobre os assuntos da reunião. Pararam no mesmo andar. Olharam-se com surpresa.

        - Você mora neste?

        - Sim.

        - Damas primeiro.

        - Obrigada.

        Seus passos seguiram na mesma direção.

        - Somos vizinhos!

        Sorriram.

        - Boa noite, Márcia

        - Boa noite, Rogério

        Na semana seguinte iria ter uma festa na academia de dança do bairro. Convidada por uma amiga, Márcia foi espairecer.

        Quando chegou ao salão tocava um bolero. Avistou Rogério vindo em sua direção.

        - Você frequenta aqui?
                                                      





AS PAREDES FALAM! - Dinah Ribeiro de Amorim


AS PAREDES FALAM!
 Dinah Ribeiro de Amorim

  Quem pensa que vizinhos não escutam ou prestam atenção na vida da gente, engana-se. Principalmente casas geminadas ou apartamentos, quando o som vem de cima, dos lados ou de baixo.

 É o meu caso, pois moro num desses “apertamentos”, sem muito intervalo entre um andar e outro. Não ligo muito para barulhos, mesmo propositais, acho que estou meio surda ou desligada mesmo, mas tem gente que escuta demais! E se incomoda muito!

Acredito muito que “paredes falam”! Tive um amigo que quase adoeceu por causa do barulho de uma vizinha. Até hoje, quando escuta alguma coisa, já bate com a bengala no chão. Fico até meio assustada porque alguns barulhos são naturais, intencionais ou falta de educação mesmo!

  Coitado, sofre muito de insônia, acho que por causa disso.

  Bastava chegar a noite, sua vizinha de cima trazia uns amigos e começava uma batucada infernal, até altas horas, incomodando todo mundo. Não era só ele que se queixava. O prédio inteiro reclamava, pois todo mundo trabalhava cedo, inclusive ele. Além dos amigos e da batucada, havia os gatos, acho que uns oito, miando e correndo pela casa. Foi difícil tirá-la de lá, ninguém conseguia até que se mudou para uma casa, para felicidade de todos.

  Morri de rir numa noite, em seu apartamento, quando, antes de dormir, ao se preparar, pegava em primeiro lugar: panelas, baldes, tampas e martelo, deixando ao lado da cama. Perguntei-lhe para que era aquilo, e ele respondeu: “para a hora em que começar a função.” Tenho a impressão que a moça não dormia. Era sambista, macumbeira, sei lá, adorando quando ele começava a responder. Batucavam mais alto! Só sei que isso o deixou cismado e muito sensível a qualquer tipo de som, reagindo imediatamente.

  Tenho também algumas experiências com barulhos, mas atualmente, quando é demais, coloco música ou fone de ouvido. Bendita tecnologia! Durmo tranquilamente. Quem não dorme são eles! Acabam se acomodando e ficando quietos. Afinal, estou aposentada, Graças a Deus, e eles não. Uma noite de sono faz falta. Envelhece mais cedo!

 Lembro-me, quando menina, de um apartamento pequeno, cheio de gente. Morava com minha mãe e irmão. Como só havia um quarto, ele dormia nele e eu e mamãe, na sala, num sofá cama. Tínhamos quatro vizinhos e, justamente o da direita, era um casal novo, bastante descontrolado. Ela, coitada, moça simples, casou-se com um rapaz grã-fino na época, de família rica, mal acostumado, e mimado. Gostava dela, tiveram até um filho, mas ele não trabalhava, dependia do pai, que de vez em quando aparecia para vê-la. Brigavam todas as noites, que coisa horrível! Ele chegava tarde, ela reclamava, pegava a criança e queria ir embora, mas ele não deixava. Ficava aquele empurra, empurra, até altas horas. Eu, com um copo, muito curiosa, tampava um ouvido e colocava o outro no copo, encostado na parede. Tipo telefone sem fio. Acho que era a novela ou conto da época, pois não tínhamos ainda televisão. Que curiosidade feia! Coisas da infância.

  Minha mãe, sabiamente, a primeira coisa que fazia era abrir a porta e pegar o litro de leite que o leiteiro deixava.  Sua preocupação principal era que o litro não fosse quebrado. Naquela época, havia leiteiro e o leite, vendido em garrafas.


  Foram e são tantos os casos de “paredes que falam,” cada casa uma família, cada família um caso, que se déssemos conta disso, não abriríamos mais a boca!

O caracol e a borboleta. - Hirtis Lazarin

  O caracol e a borboleta. Hirtis Lazarin   O jardim estava festivo e cheirava a flor. Afinal de contas, já era primavera. O carac...