A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Janela, janelinha - Pedro Henrique

 

 


    Janela, janelinha, me diga o que tens para mim. Revele-me teu corpo, teus olhos, tuas cicatrizes.
     Janela, janelinha, ouvi dizer que já pegaste muitas chuvas. Ouvi falar que contra ti pedras foram lançadas.
     Diga-me, janelinha: dói ser tão desprezada?
     Escutei teu grito ontem à noite e me perguntei o porquê de não fugires dessa casa? O porquê não te vai embora?
     Então, lembrei-me de que desde seu nascimento está presa a isso tudo.
     Lembrei-me de que há no mistério da vida um vasto oceano com todos os teus segredos…
     Inerme, foi-te destruída pelas mãos dos homens e, hoje, ouço seu choro na fria madrugada.
     A tristeza tem família grande e sei que dizer que “tudo vai passar” é um ato de crueldade contra ti.
     Portanto, minha cara janelinha, dou-te apenas minhas condolências.
     Rezo para que se cure e uma nova casa encontres.
     Siga em frente, meu doce lírio-do-vale, siga em frente.

 

“Elefante de Rodinhas” - Hirtis Lazarin

 



“Elefante de Rodinhas”

Hirtis Lazarin

 

“Elefante de Rodinhas” foi  o apelido que Juju deu ao aspirador de pó da vovó Cidinha.

                        Potente e funcional

                        Como engolidor era o tal.

                        Tudo ia pra sua barriga:

                         poeira, insetos e até cacos de cristal.

 

Um dia deparou-se com uma barata atrevida,

que se esforçou pra encontrar uma saída.

 

                         Fez o aspirador de bobalhão.

                         Corria pra cá

                         voava pra lá.

                         Entrava e saía do buraco

                         e gargalhava de montão.

                         

                        O aspirador transformou-se num lobo.

                         — “ Ah! Ela não sabe o que virá”!    

 

Deu trabalho…Muito trabalho.

Mas não desistiu.

Suou a camisa,

tropeçou no fio e

esborrachou-se no chão.

Mas bastou um descuido só

Abocanhou a barata

sem piedade nem dó.

 

O aspirador não sabia o tamanho do azar que a barata lhe traria.

 

Num belo dia ensolarado

O aspirador amanheceu todo inchado

espirrando sem parar.

O corpo todo empelolado

não saía do lugar.

 

                         Foi desmontado e montado

                         num punhado de pecinhas.

                          O técnico resolveu contar

                          a verdade pra Dona Cidinha.

 

                                                    “Está velho, ultrapassado

                                                      já fez muito, esse coitado!

                                                      Ele merece todo respeito e cortesia,

                                                     Concede-lhe a aposentadoria”.

 

Dona Cidinha não teve outra saída.

E concordou  toda dolorida…

 

                                                  Desfazer-me do amigo nem pensar

                                                  Seu valor é sentimental.

                                                  Ficará sempre comigo

                                                  num lugar todo especial.

                   

Aspirador que espirra 

não é boato nem história.

Ocupará pra sempre

                              da Dona Cidinha

                              um cantinho na memória.

 

O VELHO TREM! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



O VELHO TREM!

Dinah Ribeiro de Amorim

 


É um velho trem, ou uma carcaça de vagões, encostado num campo aberto da cidade, fora dos trilhos.

Pelo modelo, foi útil e ligeiro muitos anos atrás.  Bastante longo. Através de suas janelas, algumas ainda em bom estado, observa-se que foi uma locomoção muito usada e elegante.

De longe, é triste, solitário e abandonado. De perto, aparenta um resto de vida e contentamento.

Crianças aparecem para brincar e entram nele. Readquire, então, vontade de voltar ao que foi, lembra-se de viagens passadas e dá um meio sorriso.

Facilita como pode a correria delas, por entre seus corredores e bancos.

Já foi um trem muito utilizado pelo pessoal mais antigo. Pessoas ilustres se locomoviam, através dele, pelas estradas de ferro do nosso estado.

Ouvindo os gritos alegres da meninada, recorda-se das senhoras elegantes que traziam seus bebês gorduchos e risonhos ao colo. Adormeciam logo, assim que iniciava seu trajeto de barulho rápido e ritmado, ondulado e único, sem sair dos trilhos. Amava vê-los. Parecia-lhe uma comunicação com o futuro que já ameaçava chegar, cheio de inovações.

Antigamente, os transatlânticos lideravam as viagens internacionais. As terrestres, somente os trens, iguais a ele, imperavam entre os viajantes.

Eram chiques, bem acolchoados, forneciam estabilidade e conforto aos que os utilizavam. Até refeições ofereciam.

Em pouco tempo, tudo mudou. O chamado progresso, desenvolvimento das cidades, aumento de população, transformou nosso domínio. Surgiram os ônibus para transportes, as viações, acabaram conosco. Fomos deixando, aos poucos, de funcionar.

O aumento dos automóveis particulares, as facilidades das compras também contribuíram para que ninguém mais usasse os trens. Ficamos sem nada, ou melhor, a ver e ouvir também aviões.

Com tanta inovação, acabamos sendo utilizados como ferro-velho, um ou outro, como museu, exibido como antiguidade. Ainda alguns tiveram essa sorte.

“Ah! Que pena, a criançada vai embora! Adeus, crianças, esperem, quero abraçá-los. Voltem sempre para eu me alegrar um pouco.”

Uma mãe vem buscá-los e ainda grita:

_Cuidado, crianças, não corram aí dentro. Podem se machucar com algum prego solto ou ponta de ferro.

O coração do velho trem se fecha, endurece, não deve sentir o presente. Ficou no passado, mas pequena lágrima rola do teto e escorre pelo vagão do maquinista.

O passado, difícil de esquecer totalmente…

 

 

 

 

O Tempo que nos Resta - Hirtis Lazarin

  O Tempo que nos Resta Hirtis Lazarin   Joaquim não se levantou para o café da manhã como fazia religiosamente todos os dias, às seis...