A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 24 de junho de 2021

O dejejum - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 



O dejejum 

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

   O dia despertava em mim o viço da juventude, apesar de meu bico e garras já tão desgastadas. Sobrevoava uma trilha estreita com vários ruídos de animais, alguns me assombravam, e outros despertavam meu apetite, pois procurava meu dejejum. Por um momento pensei estar só, sem o bicho homem por perto, mas avistei um minúsculo casebre sinalizando tê-lo por ali.      

   Interrompendo meus pensamentos apareceu lá embaixo, um coelho assustado que corria devido um som, que de onde eu estava parecia um rosnado ofegante e por certo o perseguia, então vi surgir um animal bem maior, um lobo. Um apito ecoou por entre as árvores frondosas, tratava-se do guarda florestal afugentando a fera que havia invadido a reserva. Pousei no telhado do casebre para apreciar o desfecho, quem sabe a sorte me favorecesse e eu, ao invés do lobo, capturasse a lebre. Sem ser convidada a chuva apareceu umedecendo minhas penas, deixando-as pesadas,  um obstáculo a mais a ser vencido, pois isso dificultaria o voo rasante que pretendia dar.

    Com visão privilegiada, pude conferir que o coelho conseguiu escapar do ataque com ajuda do guarda, que vitorioso expulsou o lobo dali.

   Mais alguns instantes me separavam de saciar minha fome, um desavisado esquilo arriscou-se na trilha e eu não o poupei. Tinha pele macia, daí minhas unhas penetraram a carne facilmente e pude saboreá-lo, me lambuzando de prazer. 


segunda-feira, 21 de junho de 2021

Curon - Adelaide Dittmers

 


Curon

Adelaide Dittmers

Flocos de neve caiam do céu cinzento.  Agasalhados e indiferentes ao frio, brincávamos pelas ruas, jogando pequenas bolas de neve uns nos outros.  A algazarra ecoava por toda a vila.  O sino da velha igreja bateu por doze vezes.  Todos sabíamos que era hora de almoçar.  Como pássaros alvoroçados, corremos para casa.  A refeição quente e convidativa já estava na mesa.

Meu pai sentou-se à mesa com um semblante grave.  Comeu em silêncio, sob o olhar preocupado de minha mãe.  Quando o almoço terminou, pediu a mim e meu irmão que fossemos para o nosso quarto.

Curiosos, ficamos escondidos para ouvir o que ele tinha a dizer.  As crianças sempre tinham que sair quando os adultos tinham algo a dizer que elas não deveriam ouvir.

Assustados e sem entender nada, ficamos sabendo que iam cobrir a cidade com água.  Ouvimos o choro de nossa mãe e, num impulso maior que nós, irrompemos pela sala, perguntando se era verdade aquilo.

Meu pai, zangado, disse que não era bonito ficar atrás das portas, ouvindo a conversa dos outros, mas nos acolheu e nos acalmou, explicando que iriam construir uma usina para gerar eletricidade. Cada detalhe nos foi dado pacientemente para que entendêssemos o que seria a tal usina.

À tarde, quando saímos para brincar com nossos amigos, a notícia já se tinha espalhado como rastilho de pólvora e as crianças não falavam de outra coisa.  As brincadeiras foram esquecidas e todos queriam falar ao mesmo tempo.

Naquela época, Curon era uma pequena vila cercada por plantações.   Meu pai tinha um pequeno pedaço de terra, onde cultivava videiras, cujas uvas se transformavam no bom vinho italiano.  Muitos habitantes eram agricultores e viviam do que plantavam.

A vida, naquele lugar, corria mansa e lenta.  Aos domingos, todos iam à missa e ao sair da igreja, reuniam-se em grupos, em que as conversas e mexericos corriam soltos. Era muito difícil se manter algum segredo naquela aldeia.  No entanto, todos eram amigos e se ajudavam quando era preciso. Naquele domingo, a notícia caiu como uma bomba sobre eles e com intensa gesticulação, uma característica bem típica dos italianos ao se comunicarem, expressavam sua revolta de terem de abandonar suas casas e a história de suas vidas, construída na pequena vila, onde também viveram seus pais e avós.

Foi uma época muito angustiante para todos.  Nós, crianças, no alvorecer da existência, além do assombro de ver nosso mundo desaparecer sob as águas, estávamos mais curiosos do que infelizes pelo destino de nossa terra natal.

No domingo, antes de nossa retirada, foi celebrada a última missa na velha igreja e ouviu-se o badalar dos sinos pela vez derradeira. Os habitantes compareceram em peso, muitos tiveram que ficar de fora para assistir ao culto.  Os olhares de todos voltavam-se para as belas pinturas nas paredes e teto do santuário e se detinham nas antigas imagens, que se distribuíam pelo seu interior, numa despedida dolorida daquele templo, onde tantas vezes rogaram pela proteção divina e que tanto representava para eles. Batizados e casamentos haviam sido celebrados ali e mesmo mortos foram ali chorados.

Depois desse dia, cada um seguiu seu caminho. Minha família, depois de um ano, emigrou para o Brasil, onde construiu uma nova vida.  O Brasil, para mim, é minha segunda pátria, terra dos meus filhos e netos.

Certo dia veio a notícia de que, ao reparar a usina, tiveram que esvaziar a represa e a torre da igreja emergiu das águas.  Tomada por recordações perdidas no tempo, acendeu-se em mim um desejo intenso de voltar à Itália para ver o que sobrou de minha pequena cidade natal.

Quando lá cheguei, uma forte emoção apoderou-se de mim ao ver a torre da igreja secular apontada para o céu e rodeada das ruínas do que outrora fora o vilarejo.

Naquele momento, pensei na mudança drástica por que todos daquela vila tínhamos passado. A vila tinha morrido, mas a vida, que correu nela, continuou em outros lugares e, como a torre, que se erguia desafiadora, novos horizontes foram alcançados, novos vôos e descobertas foram realizados por aqueles que a deixaram com um destino incerto num passado distante.

terça-feira, 15 de junho de 2021

CINQUENTA ANOS DEPOIS - Hirtis Lazarin

 



CINQUENTA ANOS DEPOIS

Hirtis Lazarin

 

As dores nas costas eram bem maiores que a vontade de dormir.  Com dificuldade, acendi a luz fraca do abajur e vi que já era depois de uma hora da manhã.

Liguei a televisão e fiz um “tour” com o controle remoto.  Poucas opções.  Bem, notícias são sempre bem-vindas, mesmo que repetidas.

“O vilarejo de Curon, ao norte da Itália, acaba de emergir, após o esvaziamento das águas da represa para conserto de equipamentos da hidroelétrica”,

Levei um choque e, até agora, momento em que estou escrevendo este texto, não me restabeleci.

Escombros do que foram paredes, muros, risos, preces, degraus, parabéns à você, cômodos, sonhos estavam ali misturados feito barro.  Ainda gritando...

Foi então que, sem querer, destampei o frasco como o de um perfume, e liberei lembranças guardadas por cinquenta anos. Cinquenta anos!  Acreditava que a passagem do tempo já as tivesse descolorido.  Que nada!  Saltaram vivas e multiplicadas.

Pés descalços, cabelo desgrenhado, mãos abanando para a felicidade e sorriso atravessado de poesia.  Era assim que nossa turminha, cheia de pensamentos longe de compreender a vida, virava e revirava os cantos do vilarejo de Curon.

Algumas de nossas tantas alegrias eram: correr atrás das cabras até se perderem no descampado, saltar muros, pular cercas em busca de manga verde apanhada no pé, colher matinho e flores pra enfeitar o altar da padroeira, Santa Catherina, aquela à quem os adultos tanto rezavam e faziam pedidos.

O padre Piero tinha o rosto cheio de preguinhas e ensinava-nos o catecismo toda sexta-feira. A gente nunca faltava porque ele nos servia suco de groselha e pão com queijo fresco.  Podíamos comer quantas vezes quiséssemos. 

Obrigava-nos a rezar dez ave-marias e dez padre-nossos quando ficava bravo com nossas sapequices.  Descobrimos que a moradora que não se casou e ia rezar todos os dias era quem nos dedurava.  De bronca, a gente batia na porta da sua casa e saía correndo.

A torre da igreja era tão alta que cutucava as nuvens.  O sino, não sei como, avisava que já eram seis horas da tarde.  Ai de nós se não estivéssemos de banho tomado e prontos pro jantar, comida quentinha e cheirosa na mesa preparada por Mamãe  Rosina.  Lembro-me que todo dia, papai repetia: “Ela não é uma artista?  Mas comer que é bom ... só depois de cinco minutos de oração.

 Nosso maior sonho era poder subir a escadaria que levava ao pico da torre.  Eram mais de mil degraus.  O padre, muito cuidadoso, pendurava no pescoço a chave da porta que dava acesso às escadas.  Era de ferro, bem pesada e maior que duas mãos juntas.  Ele só permitia chegar ao primeiro degrau.  Era ali que esticávamos tanto o pescoço e nossa fantasia brotava como grama no pasto.  A torre escura e gelada deixava os pelinhos do corpo arrepiados.  Lá no alto, com certeza, moravam fantasmas.  Podiam-se ouvir sussurros e gemidos.  Acho que as pessoas que morriam viravam fantasmas.

A maravilha de tudo era que, para nós, tudo era maravilha.

Até que um dia, três homens desconhecidos, vestidos de terno escuro e gravata vermelha, chegaram a nossa vila, num carro Ford.  Nunca me esqueci desse nome “FORD”.

A notícia era de que, no prazo de trinta dias, deixaríamos as casas e seríamos transferidos pra outras aldeias. Era uma ordem e não opção.  Curon seria inundada para a construção de usina hidroelétrica.

Foi a primeira vez na vida que vi tanta gente junta agarrada a uma dor tão intensa e tão igual.

 Era sofrimento de alma.

 

CURON - Henrique Schnaider

 


CURON

Henrique Schnaider

 

Eu tinha 7 anos de idade quando começaram as obras para criação do lago da cidade. Acompanhava caminhões fazendo centenas de viagens para fazer o aterro enorme onde iriam criar o lago.

Este tempo ficou marcado para mim, pois as coisas caminhavam muito bem, eram tempos felizes. Meu pai tinha um sítio próximo da cidade de Curon onde morávamos numa casa boa, com muito conforto. Meu pai cuidava para que não faltasse nada, pois uma boa parte do que era consumido,  vinha de tudo que cultivava.

A aroma dos doces e pães que minha avó e minha mãe faziam, enfeitavam de delícias nossa casa. Meu avô se sentava na cadeira de preguiça e me contava histórias na língua italiana macarrônica. Eu ouvia com toda atenção e sonhava juntamente com ele participando das aventuras da sua juventude.

Aos domingos todos os moradores da cidade participavam da missa rezada pelo Padre Jousepe. No final da missa havia uma confraternização e cada família trazia comida típica. Macarronada, Polpetone, brachola, pernil de porco e deliciosas sobremesas e doces variados.

Conforme fui crescendo, passando pela juventude, devido ao lago, a igreja foi reconstruída em um novo lugar, mas eu não esquecia da antiga e da sua torre e da missa e das reuniões dominicais, doces momentos guardados para sempre na lembrança.

Foi na antiga igreja que conheci Lina. Enquanto nossas famílias conversavam e trocavam guloseimas e fofocas quentinhas, nós dois brincávamos de corre-corre, pega-pega. Corríamos um do outro num  esconde-esconde que mexia com nossos pequenos corações.

Foi com Lina que me casei, numa cerimônia inesquecível ainda na antiga igreja antiga e celebrado pelo ancião, Padre Jousepe. Depois da cerimônia do casamento, a festa ficou na lembrança de todos. A alegria e a felicidade tomaram conta dos moradores de Curon, presentes naquele que foi o dia mais feliz da nossa vida.

Eu e Lina formamos uma família dos sonhos, 3 filhos encantadores,  2 meninos e uma menina. O tempo se encarregou de fazer a sua parte e meus avós e meus pais partiram, e os da Lina se foram, da mesma forma.

Passei a cuidar da pequena lavoura que meu pai me deixou e continuei com os mesmos costumes que meus pais me deixaram, e que eu e Lina passamos aos nossos filhos.

Estes dias a prefeitura da cidade iniciou pela primeira vez desde a criação do lago, a drenagem e limpeza do mesmo e à medida que a água baixou, começou a aparecer a torre da Igreja e da mesma forma vieram à minha mente as doces lembranças da minha infância e juventude e dos melhores momentos que vivi na minha querida Curon.

Emoções memoráveis. - Dinah Choichit

 



Emoções memoráveis.

Dinah Choichit

 

Que emoção! Quantas histórias já ouvi de minha vó sobre minha terra natal! E, a última trouxe-me inquietação. Agora a cidade estaria emergindo.  A primeira coisa que apareceu foi justo a igreja. Fiquei tão feliz que resolvi convidar toda a família, incluindo os familiares dos países de fora, para ver aquele milagre.

Todos chegaram cedo, com seus filhos, para conhecerem a história das origens da vovó.

Fomos ver também os escombros das casas do lago, havia algumas que estavam completamente danificadas e outras ainda mantinham sua fachada completa com seus detalhes e desenhos. Decidimos tirar algumas fotos e principalmente da casa de minha avó que era uma bela mansão

O passeio foi muito agradável, principalmente por reunir a família novamente. Depois, procuramos um Restaurante ali perto, e encontramos, era um dos que eu frequentava quando pequena. Conversamos bastante e fiquei conhecendo os sobrinhos que nasceram quando eu estive fora.

Resolvi entrar na casa de minha avó, antes de partir.  Fiz muitas fotos para mostrar aos familiares, algumas fotos de utensílios que pertenceram à igreja do lago. E, e encontrei a foto da vovó na porta da igreja.

Em seguida nos despedimos e todos estavam muito emocionados com as histórias desse lindo lago.

Em tempos de pandemia - Alberto Landi

 



Em tempos de pandemia

Alberto Landi

 

 

Isa levava uma vida simples e tranquila. Morava num pequeno vilarejo ao pé de uma das montanhas mais altas da Serra da Estrela, em Portugal, mas ela não sabia que essa tranquilidade estava prestes a acabar.

Isa, uma menina meiga, não queria mais amar ninguém, pois seu coração havia sido ferido várias vezes. Mas, tudo mudou!

O mundo entrou em pandemia, milhares de pessoas não se viram mais, isolamento quase total das famílias.

Isa tinha casa, mas não tinha família junto de si.

Os dias iam passando e ela reencontrou um amigo de infância. Tudo estava bem até que um dia ele fez uma revelação, confessando o quanto a admirava e o quanto gostaria de estar com ela.

Isa se emocionou diante da confissão e pensou que, sempre em algum lugar existe alguém que se ama em segredo. Ela acreditou que seu amigo estava sendo sincero, e talvez estava sendo mesmo. Mas os dois eram como água e óleo, estavam na mesma fase da vida, mas não se misturavam. O coração até queria, mas a razão prevaleceu, não daria certo essa mistura.

Uma amiga de Isa, a convidou para participar de um grupo nas redes sociais, objetivando conhecer novas pessoas e assim afastando sua tristeza.

Prontamente aceitou, afinal o que fazer em uma quarentena sem família junto de si, sem trabalho e sem um amor para curtir.

Começou a se interessar pela informática, para afastar uma possível depressão de estar só.

A quarentena foi péssima para alguns, mas para ela foi o melhor que pode acontecer.

Num dos grupos que participava havia pessoas que se tornaram interessantes. Havia um que chamou sua atenção, por terem muitas coisas em comum, era o Marcos, formado em Ciências Econômicas.

Com as trocas de mensagens escritas e as vezes por viva voz, Marcos confessou a Isa que a voz dela era muito sensual. Isso fez com que ela se sentisse lisonjeada.

Os dias se passaram, as conversas aumentaram. Após um período ela resolveu se afastar, as trocas de mensagens cessaram, e o medo tomou conta.

Alguns meses se passaram e a quarentena continuava. Isa resolveu se reaproximar. Aprendeu que a coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. A pessoa corajosa não é aquela que não sente medo, mas o que conquista esse medo. Não importa quantas vezes você caia, mas o mais importante é como você se levanta.

Pensou: hoje estou renascendo. Nessa pandemia estava se reencontrando, percebendo suas fraquezas, mas também seus pontos positivos.

As nossas vidas são como um ímã que atraem ao seu lado as pessoas certas, no momento certo, e você precisa estar consciente e reconhecer.

Uma coisa é certa a pandemia estava lhe favorecendo.

Na semana que antecedia o dia dos namorados, Isa resolveu fazer uma surpresa a Marcos, e para isso estava consultando o site de compras em seu computador.

Começaram a descobrir algo muito além de uma amizade, mostrando mesmo que em tempos de pandemia, a felicidade pode ser encontrada....

E assim a vontade de viver voltou para Isa.....  

O bom deputado - Dinah Choichit

 


O bom deputado

Dinah Choichit

 

Alberto era um deputado estadual muito querido, pois o que ele fazia era se preocupar com a educação da sua cidade. Tudo que ele prometia, ele colocava em prática. Alberto procurava andar com amigos que tinham a mesma preocupação, assim ele conseguia apoio aos projetos, e dava andamento às ações. Com todo esse apoio ele conseguiu colocar mais quatro deputados que defendiam a mesma causa dentro da Assembleia.

Durante o seu mandato Alberto conseguiu abrir muitas escolas, e todas com professoras competentes que possuíam ricos currículos. Porém, havia uma escola que era da preferência dele, e que ele não saia de perto, mas ninguém sabia o porquê. Apenas eu. Eu descobri o seu segredo bem rápido! Ele estava apaixonado pela professora Camila, uma das mais queridas da cidade.

Depois que cumpriu com tudo que prometeu, no fim do ano, pediu Camila em casamento. Ela aceitou e a cidade se maravilhou.

 

Surpresa na festa - Helio F Salema

 



Surpresa na festa

Helio F. Salema

 

Numa pequena cidade as crianças estão indo para o primeiro dia de aula. Duas chegam quase ao mesmo tempo. O suficiente para olharem uma nos olhos da outra. Assim começou uma amizade duradoura entre Jane e Jessica. Até completarem o segundo grau, todo ano na mesma escola, mesma sala e em encontros em casa. Em alguns passeios estavam juntas.

No último ano, do segundo grau, a família de Jane  resolveu que mudariam, no ano seguinte, para outra cidade onde havia faculdades. Jessica que já estava com casamento marcado para depois da formatura permaneceu na sua cidade natal.

Apesar da distância , a comunicação entre elas permaneceu constante, e-mails e telefonemas.

No casamento de Jessica, Jane  voltou para ser madrinha da amiga. Conversaram por longas horas na véspera do casamento. Após a cerimônia , uma enorme alegria para ambas, muitas fotos juntas e a promessa de continuar se comunicando.

 

No dia seguinte Jane retornou, pois tinha que trabalhar no escritório de advocacia de uma amiga do seu pai. Trabalhou neste emprego enquanto durou o curso de Direito.

Embora não tivesse acontecido nenhum contato pessoalmente com Jessica, durante este período, mantiveram telefonemas e e-mails. Jessica mencionava  pouco sobre o casamento e quando dizia era para lamentar o relacionamento.

Após se formar, Jane  passou num concurso,  mudou-se para a Capital e foi morar sozinha. Sempre em contato com amiga, falava  de sua nova vida agitada, porém proveitosa.

Nos últimos meses, Jessica várias vezes reclamou do relacionamento com o marido. Ciúmes era uma das principais queixas. Jane sempre dava a maior força para a amiga.

Até que um dia Jessica informa à amiga que estava se separando.

Depois de uma longa conversa Jane sugeriu que viesse morar junto com ela.

Jessica ficou contente, mas disse que já tinha aceitado convite de seus tios e padrinhos, para morar com eles. Eles viviam em outra cidade numa casa grande, mas sozinhos, pois não tinham filhos. Ela iria trabalhar na loja com eles.

A partir daí a comunicação entre elas retornou intensa como antigamente. Cada uma falando do seu dia e planos, ouvindo da outra, histórias, totalmente, diferentes.

Numa noite, Jane chega em casa toda eufórica. Pelo celular percebe que sua amiga está online e decide não esperar o dia seguinte para contar a novidade.

- Oi, Jessica, tudo bem?

- Olá, tudo certo.

- Acabei de chegar e não consegui esperar até amanhã para lhe dar uma notícia. Lembra daquele médico que conheci quando fui ao hospital visitar uma amiga?

- Sim, estou lembrando.

- Fui no aniversário de uma colega de trabalho. Quando cheguei vi vários casais. Eu era a única sem par, o que me deixou um pouco aflita. Apesar da minha colega e o namorado conversarem comigo.

Surpreendentemente, quem chega?

Justamente ele. Cumprimentou a todos e veio se sentar onde nós estávamos.

Você imagina como fiquei. Pouco depois minha colega e o namorado saíram e ficamos a sós.

Lembrou que tínhamos estado no hospital e perguntou pela minha amiga. Estávamos numa conversa muito agradável, quando o celular dele tocou. Pediu licença e ali mesmo atendeu.

Em seguida pediu desculpa,  pois tinha que atender uma urgência. Perguntou se poderia me ligar outra hora para continuarmos a conversa, eu disse que sim, pediu meu telefone, anotou no celular e saiu.

Amiga, agora penso, imagino e desejo uma mudança enorme na minha vida.

 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Samantha - Alberto Landi

 

Samantha

Alberto Landi

 

Desde os tempos de ginásio conhecia Samantha. Uma menina vaidosa, comunicativa, bonita, inteligente, muito querida pelos colegas e admirada por todos que a conheciam.

Ela estava sempre presente nos bailinhos que eu frequentava e era muito requisitada por conta de sua beleza.

Eu lembro perfeitamente que em um dos bailes que fomos, uma formatura como tantas outras que estava acostumado a frequentar, eu de terno básico e ela em um vestido preto, longo, “tomara que caia”, linda! Seu vestido resplandecia na luz negra.

Sorvi um gole de cuba libre para dar coragem e, finalmente, me dirigi aquela bela e estonteante mulher.

Os minutos... as horas se passavam, a música tocava e rodopiávamos pelo salão. Eu estava inebriado pelo seu perfume de lavanda.

A princípio notei certo ar de tristeza nela, perguntei o motivo e tive a resposta; simplesmente ela estava só e sua amiga teve um problema familiar.

Depois de algum tempo, seus olhos começaram a brilhar de alegria. Após algumas danças e trocas de olhares sentamos em uma mesa reservada.

Era muito euforia. Infelizmente depois daquele momento inesquecível, o nosso relacionamento não prosperou.

O tempo passou, e após o ginásio tomamos rumos diferentes na vida, não a vi mais. Mas, a doce lembrança continuou na minha memória, até que resolvi procurá-la.

Felizmente, encontrei-a cursando Direito na Universidade São Francisco.  Voltamos a nos ver com frequência.

Ela continuava elegante, conversadora, linda, os óculos escuros que usava, escondiam aqueles olhos verdes lindos mas davam-lhe um aspecto soberbo e inteligente.

Sentimos muita emoção, pareceu que o tempo não havia passado.

Nunca pude imaginar reencontrar uma amiga tão querida. Algo estava para acontecer. Não foi, no entanto, apenas a emoção de sua presença física, mas também acho que nos perdemos no tempo, pós ginásio.

Na minha memória ela continuava igual ao que era naquele tempo. Tudo isso agora veio à tona. Passamos momentos agradáveis, estávamos livres em um passado com muitas lembranças.

Nos bailes promovidos pela faculdade ela sempre se mostrava alegre, aceitando meus convites para dançar. Vestia-se sempre adequadamente com uma roupa que se moldava naquele belo corpo sensual.

O nosso relacionamento de amizade florescia a cada dia, até tornar-se um grande e verdadeiro amor.

Acho que até esse momento, não acreditava em destino.

Acredito que o Universo tenha conspirado para isso....

JANE A MULHER MARAVILHA - Henrique Schnaider

 


JANE A MULHER MARAVILHA

Henrique Schnaider

 

Jane desde pequena foi muito esperta, garota precoce, já queria namorar os amiguinhos. Na escola se sobressaía, ganhava todos os prêmios, era sempre a primeira da classe.

Seu pai era um rico empresário, porém muito ambicioso, não se contentava com o patrimônio que possuía, guloso queria sempre mais. Jane filha única, recebia todos os mimos.

Seu pai saiu fora dos trilhos e começou a entrar em negócios de ganho fácil e quando viu, estava enterrado até o pescoço. As dívidas cresceram e o dinheiro encurtou. Daí à ruína foi um pequeno passo.

A vida de luxo e riqueza para a família terminou. Veio a miséria e os problemas para Jane e seus pais. Precisaram da ajuda de uma tia rica para não passarem fome.

Jane nessa situação de penúria, teve que trabalhar cedo para ajudar a família e continuar os estudos. Como sempre foi uma menina desembaraçada, a jovem aos 15 anos conseguiu emprego rapidamente, e foi sucesso na Empresa, sendo logo promovida de cargo. E, aos 25 anos já ocupava a gerência com um bom salário.

Ela continuou os estudos e formou-se em Administração de Empresas. Mas, continuava aquela mulher agitada e muito esperta, moderna e bonita.

Namoradeira, trocava de namorado como quem troca de roupa. Por estes motivos já caiu na boca dos fofoqueiros de plantão. Apesar disso, suas amigas a invejavam pelo fato de conseguir se sobressair.

Mas, algo surpreendente aconteceu. Fiquei sabendo por uma amiga íntima dela e minha, já que trabalhamos na mesma empresa, que ela um dia ao telefone confessou que apesar de namorar muitos homens, ainda não tinha amado nenhum deles.

Jane continuou a namorar muito e nunca me olhou ou demonstrou interesse por mim. Eu antes mesmo de saber que ela ainda não havia amado ninguém, não tirava os olhos dela, pois ela era muito bonita, elegante e com um corpo esbelto. Além de todas estas virtudes era culta, tudo que um homem deseja em uma mulher.

Jane alcançou cargo máximo na empresa, ficando abaixo só do presidente, dono de todo aquele complexo financeiro.

Eu consegui um cargo Administrativo alto e os meus contatos com Jane foram cada vez maiores, pois as reuniões se tornaram constantes.

O meu amor por ela só crescia pela sua competência, e por se manter atraente. Finalmente, Jane começou a me notar com um certo interesse, além da troca de informações para melhoria da empresa. Até que um dia estávamos num papo descontraído, criei coragem e a convidei para jantar, e para minha surpresa ela aceitou.

Os jantares foram acontecendo de forma constante e, finalmente, o amor aconteceu. O meu amor por Jane é genuíno e ela, finalmente, declarou que eu sou o homem da vida dela e que me ama muito.

Nos casamos, tivemos 3 filhos e formamos uma bela família. Os pais de Jane faleceram e os meus também, todos bem idosos. Nos negócios estamos crescendo, pois, o Empresário, nosso patrão, resolveu se aposentar e nós compramos a Empresa,  e estamos nos expandindo para vários tipos de negócios, mas com muita cautela.

Somos felizes e temos tudo que queremos. Nossos filhos já todos formados, participam da nossa Empresa se preparando para nos suceder.

Presente pra toda gente - Helio F. Salema

 

 


Presente pra toda gente

Helio F. Salema

 

Claudinha adorava receber e dar presentes.  Quando ia à rua sempre parava em alguma loja. Observava, minuciosamente, cada objeto, e chegando em casa anotava num pequeno caderno os detalhes. Nas conversas com as amigas prestava muita atenção no que elas diziam sobre o que ganharam. Analisava cada informação que, posteriormente, seria incluída no caderno.

Quando necessitava presentear, a escolha era, cuidadosamente, depois de muito consultar suas anotações. Com toda certeza o presente agradaria.  Normalmente, provocava uma reação espantosa a quem recebia,  e às outras pessoas também.

Um dia uma grande amiga lhe perguntou como que ela conseguia escolher tão bem, já que para muitos, era uma tarefa difícil. Depois de hesitar bastante, resolveu revelar aquilo que na realidade nunca pensou em guardar como segredo. À medida que amiga folheava o caderno ficava mais admirada pelo que via.  Claudinha explicou como conseguiu reunir tudo aquilo, então a amiga pensou e resolveu perguntar se ela daria sugestões às outras pessoas. Novamente, hesitou um pouco, mas concordou.  Assim as outras amigas sempre que precisavam comprar presente primeiro a procuravam.  Algumas queriam saber outras informações, onde encontrar, e melhor preço, e isso fez aumentar os itens a serem pesquisados, o que tornou o pequeno caderno insuficiente

Numa das lojas, na qual pesquisava com frequência, uma vendedora lhe perguntou se era para trabalho da escola. Ela disse que não,  e explicou a finalidade. Enquanto fazia sua pesquisa a vendedora conversou com a dona da loja. A comerciante com larga experiência vislumbrou uma oportunidade. Foi até onde estava a menina, elogiou a disposição dela em ajudar as amigas, fez várias perguntas, principalmente, como era o contato entre elas.

Depois de ouvir atentamente, se colocou à disposição para entregar farto material sobre o que era pesquisado, concluiu dizendo daria desconto para quem ela indicasse. E uma comissão para ela.

Claudinha saiu da loja contentíssima e ao encontrar alguém logo revelava a novidade. Com isso, passou a receber, diariamente, várias pessoas interessadas.

Num dia, em que atendeu muita gente, estava em sua casa, Dona Helena, amiga antiga de sua mãe. Vendo todo o trabalho que dava para folhear, agora um grande caderno, pegar os panfletos e encontrar outras informações solicitadas, esperou ficar a sós com Claudinha, para perguntar por que não usava computador, onde teria tudo de maneira mais fácil e rápido. A mãe logo se apressou para dizer que já havia pensado nisso, mas o que ela recebia de pensão, como viúva, não sobrava o suficiente para tal gasto. Dona Helena, olhando para Claudinha, disse que tinha comprado um novo computador e que o antigo ainda estava funcionando. Ofereceu para que ela o experimentasse. Claudinha olhando para sua mãe e sorrindo, acenou com a cabeça. A emoção foi tanta que lhe faltaram palavras. D. Helena a convidou para ir até a casa dela para conhecer o velho computador.

Muito emocionada foi entrando, com o coração disparando e suando muito, louca para ver o presente que ela tanto desejava sem jamais ter revelado.

D. Helena o colocou numa mesa, ligou e pediu que ela sentasse na cadeira em frente. À medida que a tela do computador ia se alternando mais e mais emoção. Cada explicação era absorvida com facilidade, como se na imaginação das meninas, a muito aquilo lhe era familiar.

No mesmo dia estava o computador funcionando na casa da Claudinha. Poucas vezes ela precisou da ajuda de Dona Helena, que embora estivesse sempre à disposição, no entanto, as necessidades da Claudinha estavam aquém da capacidade de Dona Helena.

Passava várias horas consultando, pela internet, os mais variados artigos de presentes. Cada dia aumentava não só a quantidade como também a qualidade das anotações.

Certo momento, percebeu que seus conhecimentos de informática não eram suficientes para atender as necessidades do seu, agora, projeto comercial. Passou, então, a frequentar cursos de programação, adquirir livros, e se relacionar com pessoas que tinham interesses semelhantes.  Sua vida de menina de colégio foi-se transformando.

Finalmente, depois de muita dedicação conseguiu criar o aplicativo “cadernodepresentesdaclaudinha”

terça-feira, 8 de junho de 2021

A RODA DA VIDA - Claudionor Dias da Costa

 


A RODA DA VIDA

Claudionor Dias da Costa

 

Meu nome é Valentina. Minha mãe me chamava de Tina o que me agrada muito por   lembrar dos profundos olhos negros amorosos e de sua simplicidade. Estas são as poucas lembranças que guardo dela. E a última, quando de mãos dadas com meu irmão Alberto a vi caminhando rapidamente de costas para nós, após nos ter dado um longo abraço na porta daquele orfanato, que seria a escola como ela nos disse.

Mal tivemos tempo de entender o que acontecia, quando ouvimos a voz da senhora que mais tarde saberíamos ser a tia Lola:

Venham crianças, vamos brincar com os amiguinhos!

Nessa época, eu com seis anos e meu irmão Beto com quatro, ainda não nos dávamos conta de que aquele lugar seria nossa casa a partir daquele momento. Aquele cenário e tudo que o envolvia permaneceria um bom tempo conosco.

Hoje, contemplando a foto da brincadeira de roda que alegremente fazíamos com as demais crianças, cantando e pulando bastante não imaginávamos o que seria a nossa vida...

Entre explicações calmas com voz pausada que ouvíamos da tia Lola sobre o porquê de mamãe nos ter deixado naquela “escola”, indo viajar para outro país, pois necessitava trabalhar e demoraria a voltar, começamos a nos entrosar naquele grupo e passamos a entender que seria nossa família, como ela dizia.

Aprendemos a escrever as primeiras palavras e principiamos a ler, entremeados com disciplina firme e na rotina medida entre a grande mesa de refeições e o dormitório conjunto com as demais crianças. Não podemos criticar e lamentar como fomos tratados, porque embora sendo tudo muito simples, o pessoal procurava nos proporcionar educação e amenizava as lembranças de nossos pais. Estas, foram sendo diluídas em imagens remotas. E o tempo foi passando...

Após dois anos, numa manhã ensolarada de verão a algazarra da turma correndo pelo gramado, naquela brincadeira de “pega-pega” no intervalo de nossas atividades, minha atenção se voltou para um casal elegante descer de um carro e caminhar em direção à porta onde estava Dona Estela, a diretora de nossa “escola”.

Toda sorridente conduziu o casal para sua sala.

Após meia hora, já nos encontrávamos preparados para reiniciar nossas aulas quando tia Lola nos chamou:

Tina e Beto,  venham rápido.

Ela nos conduziu à sala da diretora, que se encontrava conversando com o casal que eu havia visto. Prontamente se dirigiu a nós:

Sentem-se crianças. Quero lhes apresentar o Sr. Euclides e Dona Lindaura. Vou deixá-los por alguns instantes, porque eles querem conversar com vocês.

Eles sorriram e começaram a nos perguntar sobre nossas atividades e contavam fatos curiosos sobre a vida deles e como era gostoso o lugar em que viviam. Foi agradável para nós e em pouco tempo já havíamos perdido a timidez.

A diretora voltou e nos disse que eles nos convidaram a passar alguns dias na casa deles. E assim foi.

Nos levaram para aquele bairro arborizado e naquela casa bonita conhecemos também o filho deles, o Alceu. Ficamos por quatro dias. Depois retornamos e Dona Estela, juntamente com a coordenadora que acompanhava nossas atividades nos chamou e passou a nos explicar que o casal havia demonstrado interesse em nos adotar. Nesse momento, lembrei do que nossos amiguinhos comentavam de que um dia esperavam também ser adotados e viver com uma família de verdade. Era tudo que queriam.

Com a nossa pouca idade, não havia escolha. Muito embora, havíamos até simpatizado com a ideia e nos motivamos arrumando nossas pequenas malas e até ansiando morar com eles,  mesmo um tanto apreensivos.

E na despedida com a tia Lola, o restante dos funcionários e nossos amiguinhos caminhamos para o carro deles. Até o Alceu veio nesse dia.

No caminho ainda olhei a foto da brincadeira de roda, que guardo ainda e, ficava imaginando como seria nossa vida a partir dali. Estava um pouco inquieta e ansiosa, mas com curiosidade para descobrir como seria tudo. Beto, apertando minha mão com leve sorriso olhava para mim.

A nossa nova família se esforçava em nos agradar e facilitar nossa adaptação.

Dona Lindaura, doce sorriso, olhos cor de mel, muito carinhosa foi logo nos abraçando e beijando. No princípio ficávamos um pouco retraídos e logo entendi por que as pessoas resumiam seu nome e a tratavam por Linda. Ela era linda mesmo. Tinha um grande coração. Procurava criar empatia rápido, ajudava os outros como podia. Não foi nada difícil gostar dela.

O Sr. Euclides, mais formal e não tão falador nos tratava bem e brincava tentando mostrar que era vigilante com a disciplina, costumava dizer:

Vejam, meu nome começa com “Eu”. Portanto, quem é o comandante aqui?  Nos olhava com cara irônica e fingia seriedade. Alceu, pré-adolescente com doze anos, sacudia a cabeça com suspiro irônico contraindo o canto da boca como querendo mostrar desacordo com o que o pai dizia.

Por insistência e perseverança sincera da Linda, nos habituamos a chamá-los de pai e mãe. Para o Beto foi mais fácil porque passou a ser até mimado como caçula.  Eu demorei um pouco por um retraimento natural até sentir segurança de que era realmente acolhida.

Passamos a frequentar uma escola particular no bairro, a mesma de nosso novo irmão.

Como nos sentimos aceitos naquela família, nossa vida parecia que seria muito feliz.

Contudo, alguns de nossos colegas de escola, sabedores de nossa condição de adotados, começaram a nos ridicularizar exercendo “bullying” sobre isso.

Beto ouvia que seus pais não eram de verdade. Eu, que um dia seria abandonada novamente.

 Alceu que era obrigado a escutar:

− Como vão aqueles “passarinhos” perdidos que moram com vocês.

Procuravam dissimular para que o bedel não ouvisse. Tudo isso, era muito difícil para nós.

Alceu se envolveu em brigas e confusões, tentando nos defender. E por mais de uma vez foi suspenso na escola, mesmo com os argumentos que nossa mãe colocava.

Ele passou a ser um rapaz inconformado com este tipo de situação por gostar muito de nós, seus novos irmãos. Com senso crítico social e, por não concordar com atitudes arrogantes e preconceituosas dos colegas, passou a desenvolver um sentimento de revolta. Seu aproveitamento escolar caiu muito. Trancava -se no quarto e principiou a demonstrar permanente rancor. Não demonstrava muito interesse pelo grupo de amigos. Acabou redundando em expulsão da escola.

Nossos pais,  para evitar maiores problemas, transferiram todos para outra escola num bairro mais distante.

Por um bom período, tudo se acalmou e retomamos a rotina. Parecia que tudo ficaria bem.  Ledo engano.

Já moço passou a fazer novas amizades e com seus dezoito anos, passou a contestar bastante os pais e não deixava de frequentar as festas e “baladas” como se diz, chegando cada vez mais tarde da noite. E, com muito custo foi estudando e, entre altos e baixos,  após cinco anos ingressou numa faculdade.

Quando em casa, fechava-se em seu quarto, pouco conversava, muito embora, por mim e Beto demonstrasse carinho.

E o nosso pai com sua sensata disciplina   vendo que Alceu adotava atitudes que não concordava, passou a chamar sua atenção. Isto, era motivo para discussões que foram se avolumando e deixava mamãe e nós, constrangidos e preocupados.

Por mais de uma vez escutamos nosso pai se dirigir a ele em voz alta:

Alceu, estas amizades estranhas não são boas. Poderão lhe trazer problemas e complicar sua vida e a nossa.

Ele demonstra intransigência e descontentamento.

Novamente passou a ir muito mal na faculdade. Repentinamente, passou a não mais discutir com o pai. Só ouvia. Dormia mais que o normal a ponto de perder aulas. Nas refeições ficava com olhar perdido e não participava das conversas.

Até que naquele dia de junho ele não regressou.

O desespero tomou conta da família.  Entre buscas, telefonemas, idas e vindas à Polícia após três dias descobriu-se que ele estava num hospital no extremo sul de São Paulo.

Nossos pais muito tristes só confirmaram o que vinham desconfiando a tempos: ele se drogava.

Havia sido espancado, encontrado sem documentos e encaminhado ao Pronto Socorro. Se envolveu em briga com outros viciados e foi encontrado desfalecido num beco da favela.

Passou a se recuperar em casa e após melhora nas condições físicas iniciou um tratamento psiquiátrico.

Com todo este drama, e agravado ainda por nosso pai ter sido obrigado a acertar contas com o dono do tráfico que passou a importuná-lo, não passou um mês e ele teve um AVC. Não resistiu. Perdemos como ele se autodenominava o nosso “Comandante”. Muito triste.

Choramos muito. A nossa linda Linda mal teve tempo de ter seu luto passou com muita força e dedicação a cuidar de nós todos. E conseguiu.

Alceu após dois anos parecia outro homem. A morte de nosso pai naquelas circunstâncias foi como uma alavanca a lhe dar responsabilidade e passar a ajudar nossa mãe.

Montou uma empresa no ramo de varejo, com marca própria de roupas e se saiu muito bem.

Eu me formei advogada e Beto engenheiro civil.

Estes momentos chegaram num turbilhão à minha memória e me vejo hoje anos depois com   Beto e Alceu abraçados, olhos marejados, colocando flores no tumulo de nossos pais.

É nossa saudade contida, profundamente agradecidos pela Linda e Euclides, pessoas incríveis e dedicadas que nos deixam orgulhosos como filhos.

Como valeu a pena interromper aquela brincadeira de roda na nossa infância para conhecê-los num tempo que parece perdido...

Refletindo e fazendo um paralelo com essas imagens, não posso deixar de suspirar e reconhecer que eles com muito amor foram fundamentais para movermos a Roda da Vida...

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