
Princesinha do Oeste
Ana Catarina SantAnna
Maues
      Princesinha do Oeste, era nome nada adequado daquele
vilarejo constituído de vielas e casebres onde barro e lixo faziam parte do
cenário. Em contraste, um único imóvel de imponente construção no alto do
morro, com visão privilegiada de toda aquela miséria. A economia do lugar
girava em torno da casa grande, que era como os habitantes denominavam a mansão
de Dona Santinha, proprietária de tudo por ali, 
e que gostava de ser chamada assim, usando isto como artificio para
camuflar seu caráter frio, que dissimulava com maestria. 
Os homens do vilarejo
trabalhavam com as inúmeras cabeças de gado e também com os cavalos puro sangue
árabe, as mulheres na vasta plantação de arroz, horta e pomar, e as crianças,
mesmo as bem novinhas, na casa grande, fazendo todo o trabalho doméstico,
supervisionado de perto pela própria Dona Santinha.  Todos naquele lugar viam como natural os maus
tratos sofridos pelas crianças. Dona Santinha sabia seduzir pais e avós que silenciavam
em total aprovação aos mais cruéis castigos que aplicava em filhos e netos de
seus empregados. Ninguém ousava argui-la quando 
chegavam em suas casas com marcas de chicote ou queimaduras que pareciam
ser de cigarro. Tratadas com chutes e puxões de cabelo era assim o dia a dia
delas, mesmo com  tarefas bem realizadas.
Quando alcançavam certa idade deixavam a casa e iam para os outros trabalhos,
porém totalmente alquebradas com olhar sem vida, como robotizadas. As idas de
Dona Santinha até o vilarejo só aconteciam, segundo ela, por uma boa
causa,  visitar os mais idosos e os
doentes. Para estes ela levava um chazinho especial, e isto significava muito
para as famílias, era verdadeira glória, receber a visita de Dona Santinha,
pois podiam ouvir as mais doces palavras ficando envoltos numa atmosfera
mística num quase torpor e assim ficavam até sua saída.  Dali a algum tempo os visitados faleciam e
todos  conformavam-se com a partida
deles. 
A rotina da senhora de vida e de morte, 
já perdurava  por décadas, mas
certo dia entrou pela porta principal da casa grande, Martinha, menina  de aspecto franzino e tez pálida que
despertou algo em Dona Santinha, que parecia ter sido contagiada por um
sentimento, diferente dos que nutria. Sem saber definir, aproximou-se da menina
e colocou-a no colo, acariciando seus cabelinhos cor de fogo, naquele instante
decidiu que Martinha iria ser sua sucessora na administração da casa e dos negócios.
E foi assim que todos  passaram  a ver a menina, como continuação de Dona
Santinha. Martinha experimentava o poder a cada dia, e se fortalecia com isto,
tornando-se com o tempo uma pequena tirana. 
Certa noite, conversando com seus botões, chegou a conclusão  de que nada mais havia para aprender com Dona
Santinha, e nesta hora  decidiu  ir  até
o quarto  e   oferecer a ela  o chazinho especial, que a mesma  bebeu placidamente, confiando no sentimento
que acreditava ter a menina  por ela. Com
a morte de Dona Santinha, Martinha adotou o pseudônimo de Princesinha do Oeste,
pois dizia a si mesma e a todos que ela era a cidade. Aquele vilarejo estagnado
recebera por herança, novo período de dominação.