A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

MULTIDÃO NO VIADUTO - Helio Fernando Salema

 




MULTIDÃO NO VIADUTO

Helio Fernando Salema

 

Um colega de trabalho vai até a janela…. Espantado exclama:

— Nossa! Quanta gente no viaduto.

 

Eu concentrado numa tarefa prazerosa imaginando o que relatar na carta para uma amiga da minha cidade, mas sem ter qualquer assunto importante, surpreso fiquei ao olhar naquela direção e avistar várias pessoas sobre viaduto Santa Efigênia. Apesar da distância, era possível ver que algumas ao passar, paravam e olhavam para baixo.  

 

Um outro colega que também se aproximou da janela, pouco depois fez um comentário:

— É mais um desesperado que pulou do viaduto para outro mundo.

 

Algo que era bastante comum naquela época, porém, resolvi levantar-me e cheguei até a janela. Não consegui avistar a rua que passava por baixo do viaduto e fiquei na dúvida. Outros colegas concordaram com a possibilidade de suicídio. Até um que acrescentou que era o segundo naquela semana.

 

Voltei para minha mesa tentando concentrar-me na minha proposta inicial de escrever a tão desejada e adiada carta. Com dificuldades de encontrar assunto, decidi falar sobre o acontecimento. Expliquei em detalhes sobre aquilo que meus colegas concluíram a respeito da multidão que estava no viaduto há vários minutos.

 

Quando escrevia sobre a saudade, não só da minha cidade, mas também da amiga, uma inspiração bastante curiosa pegou-me de supetão.

 

LONGE DE TI SÓ PENSO EM DESCER

NUM TREMENDO EMBALO,

DO SANTA EFIGÊNIA AO CHÃO,

MAS PELAS ESCADAS…. É CLARO.

 

Assim com a carta concluída, dobrei-a de uma maneira diferente do usual, como aliás sempre faço, e logo após a inseri no envelope já preenchido. Fui correndo colocá-la nos correios. Ao chegar próximo ao prédio, avistei um grande número de pessoas aglomeradas na praça dos correios. Olhei para o viaduto e lá ainda estavam vários curiosos olhando para baixo.

 

Vislumbrado fiquei ao ouvir um som contagiante e ao aproximar-me fui tomado por uma alegria que me contagiou, ao ver que era um grupo de capoeira se apresentando.

 

 


Quando tudo desaba - Adelaide Dittmers

 




Quando tudo desaba

Adelaide Dittmers

 

O apito estridente e um estrondo ensurdecedor acordaram o casal na madrugada sem estrelas. Como autômatos levantaram da cama, cambaleando no escuro. Do outro quarto, um choro aterrorizado invadiu o silêncio.  Tropeçando, a jovem mãe foi até a cama da criança, que, agarrada a uma boneca, abraçou-a e pulou para o seu colo.  Shirley tentou acalmá-la, enquanto rapidamente a embrulhou no cobertor.  O marido veio ajudá-la, pegando a menina. O pavor transparecia nos rostos dos dois.  A urgência os impeliu para fora do apartamento.  Descalços e com roupas de dormir, começaram a descer as escadas no meio dos outros moradores.  A correria os esquentara, apesar do frio intenso do inverno londrino.  Um casal de idosos tentava se equilibrar na corrida escada abaixo.  O homem tropeçou e foi amparado por um dos moradores.  Duas crianças, chorando perguntavam sem cessar, por que estavam saindo de casa.  A mãe apenas respondia que precisavam sair e depois explicaria o porquê.

O semblante de cada um era carregado pelo medo e o instinto de salvar a vida.  Os bombardeios na grande cidade eram uma constante fonte de preocupação e desalento, porém era primeira vez, que aquela região estava sendo bombardeada.

Na rua, onde o vento gelado varria o chão com sua força, eles dispararam em direção a um abrigo antiaéreo, que ficava a uns cem metros de distância.  Corriam e olhavam para o céu aterrorizados ao perceber que as bombas caiam cada vez mais perto.

Cansados e sem fôlego, alcançaram o abrigo e se amontoaram no lugar.  Um forte estrondo abalou o lugar e muitos gritos foram ouvidos.  O horror da situação estava estampado em cada um.  Alguns murmuravam orações.  Outros choravam baixinho.   Aquela bomba com certeza atingira suas casas, pensavam angustiados. Muitas crianças pararam de chorar, emudecidas pelo medo que o forte estouro causou em suas tenras vidas.

Shirley e John tentavam disfarçar o terror, que lhes enchia por inteiro e lutavam para acalmar a menina, que se agarrava a eles.

A proximidade uns com os outros abrandava o frio, mas o cheiro do medo empesteava o ambiente.  A cada bomba que caia, agarravam-se mais uns aos outros, como se unidos, pudessem vencer a tragédia que lhes estava acontecendo.

Depois de algum tempo, que lhes pareceu uma eternidade, o barulho do bombardeio foi ficando distante e cessou.   Um pesado silêncio invadiu o lugar.  As pessoas ficaram estáticas, paralisadas pelo estupor que as tomara.

Aos poucos, começaram a se movimentar e a se levantar do chão muito devagar, como se estivessem carregando um peso enorme em suas costas. Lentamente, foram saindo do abrigo.  A desesperança e a angústia estampada nos olhares. 

Vários gritos de desespero e choros incontidos chacoalharam aquela pobre gente ao ver a destruição à sua volta.  Diante de seus olhos, parte dos prédios, que não resistiram ao ataque, obstruíram a rua, cheia de restos das construções, que foram seus lares.

Shirley e John se entreolharam.  O frio penetrou neles, não só no corpo, mas na alma.  O que seria deles? O que seria da pequena aninhada entre os dois.  Quase morreram.  Tinham perdido tudo. Não precisaram falar.  Todas essas indagações foram trocadas apenas pelo olhar perdido que trocaram.

Nesse momento, sons de sirenes foram ouvidos.  Ambulâncias chegavam ao local.  Primeiro atenderam idosos e pais com crianças.  O casal e a filha entraram em uma delas e foram levados a um hospital.  Lá foram aquecidos por grossas mantas para evitar uma hipotermia.  Depois de examinados, foram encaminhados para um grande galpão, onde ficariam até que pudessem resolver como tocar a vida.

Dois dias depois, John e Shirley, munidos de muita coragem, foram até o lugar em que viveram.  Metade do prédio jazia mutilada no chão.  Bombeiros trabalhavam para retirar destroços da rua.

John baixou a cabeça, balançando-a de um lado para o outro. Um profundo e trêmulo suspiro irrompeu do mais íntimo do seu ser. Sentiu-se destruído, como a construção à sua frente. Shirley apertou o braço do marido, para lhe dar e receber força e o choro a sacudiu, como o vento sacode as folhas de uma árvore. O marido passou a mão pela cabeça dela, tentando consolá-la e a consolar a si mesmo.

Endireitando o corpo se dirigiu a um bombeiro e lhe perguntou o que fariam com o prédio.

— Temos que demolir. Há perigo de desabamento.

O rapaz franziu a testa e apertou os lábios. Parte da sua vida iria desabar também.  Com a voz embargada pela emoção, perguntou-lhe se poderia subir pelos escombros para pelo menos procurar os documentos da família.  Um sonoro não foi a resposta.  Era perigoso.  O bombeiro, no entanto, percebendo a tristeza e a impotência do casal diante daquela desgraça, compadeceu-se deles e se ofereceu para subir e tentar achar os documentos.

— Vai ser perigoso para você também.  Argumentou John.

— É perigoso, sim, mas somos treinados para enfrentar situações de risco.  Só me diga, onde provavelmente poderei achá-los.  Estão na parte do prédio que resistiu à bomba?

— Sim.  Nosso quarto está de pé. Dá para enxergar daqui.  Os documentos estavam em uma pasta azul, em cima da escrivaninha, no quarto. 

O bombeiro avisou os companheiros e foi subindo pelo que restava das escadas.  Meia hora depois, coberto pelo pó, apareceu no pé da escadaria.  Na mão uma pasta azul, que levantou como um troféu e um sorriso de vitória.

Shirley e John correram em sua direção e o abraçaram agradecidos.  Tinham perdido tudo, mas pelo menos tinham nome e sobrenome no meio da bárbara guerra.

John, então, levou o olhar para a mulher e disse com voz baixa, mas firme.

— Tudo que tínhamos está perdido, mas temos um ao outro e nossa filhinha. Temos que seguir em frente.  Um dia esse pesadelo vai acabar.  Vamos buscar Suzy e sair de Londres.  Seus pais moram no País de Gales. Vamos tentar chegar lá e de lá partiremos para a Irlanda, que é um país neutro.  Sei, por amigos, que há barcos que transportam pessoas que querem sair da Inglaterra.  Vamos conseguir, tenho certeza.

Shirley levantou os olhos tristes para o marido, concordando debilmente com a cabeça;

Buscaram a pequena Suzy, que ficou com uma amiga e foram para a estação.  Tinham conseguido uma quantia em dinheiro, que os ajudaria a fazer a longa viagem.

Na estação muitas pessoas tentavam sair da cidade.  Conseguiram com muita dificuldade, depois de horas de espera, uma passagem para uma cidade fronteiriça ao País de Gales. Lá embarcariam em outro trem para chegar à casa dos pais de Shirley e preparar a saída da Inglaterra.

Da janela do trem viram a cidade ir se distanciando. Parte da vida deles tinha ficado lá sob os destroços.  Eram jovens, poderiam reconstruir uma nova vida.  Foi nesse momento, que com um sorriso desconsertado e com os olhos iluminados por duas lágrimas, Shirley lhe contou que estava grávida.

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