ICAL
FUNDADO EM JUNHO DE 2009
EM PLENAS ATIVIDADES
LITERÁRIAS, CULTURAIS E SOCIAIS.
São tantas histórias,
tantos festejos,
tantas publicações,
tanta alegria,
que as fotos podem ajudar a contar:
ICAL
FUNDADO EM JUNHO DE 2009
EM PLENAS ATIVIDADES
LITERÁRIAS, CULTURAIS E SOCIAIS.
São tantas histórias,
tantos festejos,
tantas publicações,
tanta alegria,
que as fotos podem ajudar a contar:
Ele
nunca soube.
Hirtis Lazarin
Ele só tinha dez anos quando o cavalo selvagem chegou no sítio do seu pai. Não dormiu direito nos cinco dias que antecederam à chegada do animal. Levantava, à noite, na ponta dos pés, não sei quantas vezes, só pra olhar as horas. O único relógio da casa ficava na sala, bem longe do quarto. O menino perdeu a fome e teve até dor de barriga, tanta era a sua ansiedade.
Nunca havia visto um animal selvagem, mas essa palavra “selvagem” ele já conhecia bem e ouvia sempre. Foi seu tio Pedro quem disse, pela primeira vez, a famosa frase — “Esse seu filho, Antonio, é um selvagem” — O tio tinha toda razão. Essa palavra era a definição exata do pequeno Mingo.
O cavalo chegou na carroceria de um caminhão vindo de Minas Gerais. Com todo cuidado, foram tiradas suas amarras e solto no pasto que a gente perdia de vista. Sacudiu o corpo, relinchou bravo e, num instante, desapareceu galopando. A mensagem estava dada: “Sou filho livre do chão, sou um cavalo selvagem e meu mundo é a imensidão”.
— Filho, fique longe desse CAVALO! — Aconselhou o pai com rispidez. Conhecia muito bem o filho que tinha.
Se você olhasse, naquele momento, para o menino Mingo, sentiria dó, tamanha era sua decepção. Nem pode alisar os pelos macios e encarar o bicho “olho no olho” como costumava fazer com outros animais. Segurou o choro porque era menino-homem e saiu correndo. Mas, com certeza, isso não ficaria assim. Sua cabecinha estava pronta pra arquitetar planos.
Todos os dias, ele levantava cedinho junto dos outros irmãos em idade escolar. A escolinha rural acolhia todas as crianças que moravam na região. Descalço, ele e os pés eram livres, corria na frente, era o primeiro a chegar, sempre com um sorriso aberto e uma flor para a professora. Toda sexta-feira o vaso já estava colorido com cinco flores diferentes. Sentia-se um herói.
Ficar muito tempo sentado na carteira ouvindo o “a-e-i-o-u” da alfabetização causava-lhe sonolência e ele dormia. Dormia profundamente. Ou então, saía despercebido, escondia-se no mato até a aula terminar. Ninguém percebia que ele perdia o interesse porque os ensinamentos da professora causavam-lhe confusão mental. Na hora de juntar sílabas e formar palavrinhas, inventava o que lhe vinha à mente. Ninguém ria porque Mingo era forte e ninguém queria levar um soco na cara.
Saiu da escola semianalfabeto. Sabia escrever seu nome completo e outras sílabas que a vida foi lhe apresentando.
Mas na matemática, ele dava um nó. Dono de uma mente aguçada e lógica, enxergava o mundo através de números e padrões. Eu abri várias vezes uma caderneta sua, onde, já adulto e pai de família, anotava a contabilidade dos seus negócios prósperos. Tornou-se um grande empreendedor. Já os escritos que acompanhavam os números, pra mim, eram indecifráveis. Só ele entendia o rabisco das suas letras.
E o cavalo? Mingo esqueceu-se dele? Jamais. Sempre que tinha uma folga e se via livre do controle dos adultos, percorria o pasto à procura do animal. Era um segredo que não contava nem pra Maurílio, seu irmão mais velho e melhor amigo. Maurílio era ajuizado e, com certeza, temendo pela segurança do menino, não esconderia do pai essas maluquices.
Já fazia quase dois meses que Mingo se encontrava com o cavalo. Começou o enfeitiçamento oferecendo-lhe “milho” à distância, até que chegou o dia em que o animal se aproximou e comeu em suas próprias mãos. Alisou os pelos, oferecendo-lhe carinho. A confiança foi se fortalecendo até a amizade se concretizar. Veio, então, a escolha do nome — “Ele é imprevisível e rápido, parece uma ventania. Isso mesmo! Ventania, Ventania é o seu nome”.
Naquele tempo, internet, celular, televisão não existiam e as crianças ganhavam pouquíssimos brinquedos. Então, a criatividade entrava em ação e os pequenos criavam seus próprios brinquedos.
Era domingo, logo depois do almoço, os adultos foram tirar uma soneca. As crianças e adolescentes brincavam afastados das casas pra que a gritaria não os incomodasse. Era a lei.
Eis que lá do alto do morro vêm galopando um menino montado a pelo no cavalo. A mão direita segura com força a crina e a mão esquerda se apoia no flanco do animal. Postura ereta e equilibrada.
Mingo e Ventania saltam a cerca do terreno, deixando pra trás muita poeira, olhos ardidos e gritos estridentes de medo e pavor.
Mingo
nunca soube porque eu nunca lhe falei e hoje, com muito orgulho e amor, a
frase sai e “desentala” minha garganta. “Pai, você é meu herói”.
Um menino ótimo em matemática pode ser descrito como alguém com uma
mente aguçada e lógica, que enxerga o mundo através de números e padrões. Ele
pode ter uma expressão concentrada quando enfrenta problemas complexos,
resolvendo-os com uma calma que contrasta com a complexidade da equação.
Cardápio
do dia.
Hirtis
Lazarin
Ela vestia um terninho de linho na cor cinza-chumbo. Corte impecável! Um colar e um anel de pérolas miudinhas eram o ornamento naquele visual tão discreto.
Lídia levantou-se bem cedo no horário de sempre e seu primeiro compromisso do dia era o banho. Um ritual que durava mais de uma hora. Nunca aceitou ser interrompida porque, naquele momento, nada era mais importante. Se o telefone tocasse, fingia não ouvir.
Antes de deixar o banheiro, aproximou o rosto do espelho e arrancou alguns fios brancos que se destacavam nos cabelos castanho-escuros. Um sorrisinho amargo denunciou sua insatisfação.
Desceu vagarosamente os degraus da escada com os sapatos de salto alto nas mãos. Era um cuidado necessário, pois temia um desequilíbrio e uma queda.
A
mesa do café estava arrumada e farta, do jeito que ela gostava. Naquele dia, em
pé, tomou apenas uma xícara de café. Janice ficou esperando o “Bom Dia”
habitual, mas não aconteceu.
A sala da casa respirava uma elegância discreta, um
murmúrio da história. Cortinas pesadas filtravam a luz do sol dourado. Era
verão. O ambiente acolhedor e intimista era herança de Dona Leontina, a dama
filantrópica de São Lourenço, cidade ao sul de Minas.
Lídia sentou-se numa das poltronas de veludo e
afastou as almofadas, arrumando espaço para sua bolsa. Na parede à sua frente,
destaca-se uma pintura original de Anita Malfatti. O item mais colorido daquele
ambiente sóbrio.
O gato siamês aproxima-se de seus pés e aguarda o
cafuné de todos os dias, mas, infelizmente, o bichano não cabia naquele
olhar vazio e distante. Afasta-se em silêncio, ao entender que não era
bem-vindo.
Quarenta minutos já se passaram e a moça continua
no mesmo lugar. O único som que se ouvia era o estalar do plástico-bolha que
suas mãos irrequietas manuseiam.
A campainha toca. A jovem consulta o relógio. Eram
dez horas e doze minutos. “São pontuais”.
Janice, de avental e touca branca, corre e abre a
porta. Lá estavam dois homens altos e fortes, vestindo roupas iguais.
Ignoram a moça e entram. Na sua simplicidade, ela acredita que a farda dá
a eles esse direito.
— Bom dia, Dona Lídia.
— Bom dia, respondeu ela sem abaixar a cabeça.
— Preparada?
Lídia levantou-se fingindo estar calma, ajeitou a
roupa e, sem perder a linha, acompanha-os. Os três entram num carro
grande e preto.
Janice acompanha-os com os olhos até o carro dobrar
a primeira esquina.
Desconfiada, franze a testa e resmunga baixinho:
“Não entendi nada e nem quero. Sabe, moça, sua obrigação é cuidar bem da casa e
é melhor não ficar “caraminholando”.
Apanha o jornal do chão e entra. Fecha a porta e
coloca o jornal sobre a mesa. Lê a manchete e se interessa pela notícia que
fala sobre o INSS. Sabe que o INSS é aposentadoria. Lê uma, duas
vezes e não entende. A linguagem é muito complicada e desiste da
leitura. Lembra-se, então, das panelas abertas e vazias que a esperam
sobre o fogão. Pega o plástico-bolha esquecido sobre o sofá e corre pra
cozinha.
Cantarolando, abre a geladeira e retira um pernil
congelado. “Salada, carne assada e uma farofa, simples, tudo gostoso e fácil de
fazer”.
O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...