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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

O FOTÓGRAFO - Alberto Landi

 




Vinicius, o fotografo

Alberto Landi

 

Vinicius desde criança gostava de andar de bicicleta e apreciar fotos da natureza.

Tudo começou na juventude com a oferta feita por um de seus amigos para trocar a bicicleta por uma câmera.

A partir desse momento passou a registrar não apenas amigos e familiares, mas também a cidade de São Paulo que era o alvo principal de sua lente. A experiência transformou-o num dos melhores profissionais a evidenciar os principais acontecimentos da cidade

Entusiasmado com o seu trabalho, a prefeitura oferece a ele um estágio de retratista documentarista, até então inexistente.

Com o tempo foi efetivado e a sua função era registrar a execução e inauguração de obras, documentar logradouros, estabelecimentos ligados ao município, prédios históricos, flagrantes cotidianos. Passou a ser fotografo oficial.

A prefeitura então enfatizou a importância de se ter um departamento de laboratório fotográfico.

Esse cargo propiciou uma oportunidade de entrar em contato com pessoas importantes.

Abriu também um estúdio, recebendo muitos convites de particulares para registrar festas, casamentos, batizados, acontecimentos em geral.

Chegou a ceder a jornais e revistas da época como O Cruzeiro, Realidade, Grande Hotel, imagens de acontecimentos importantes.

Ao longo dos anos produziu muitos registros, mas pelas sucessivas administrações municipais e a pouca valorização, se perderam.

O que sobreviveu ao tempo ficou em diversas instituições de memória da cidade, podendo ser encontrados no Arquivo Geral da cidade, no Museu de Imagem e som.

Na década de 60, havia muitas reformas urbanísticas, ele assumiu o projeto das elites cujas imagens, ajudaram a construir a vitrine de uma importante cidade do Brasil.

Ele sempre dizia:

— Um momento nunca é apenas um momento, sempre existe algo além da imagem, que podemos ver, que enxergamos e passamos a sentir.

Após muitos anos na sua profissão, chegou o momento da aposentadoria. Quis imortalizar a essência da natureza registrando imagens, como áreas naturais e parques.

Sempre dizia:

— A fotografia de uma paisagem tirada na luz dourada do sol da tarde, mostra um ponto de vista da natureza que pessoas raramente observam a olho nu, riquezas de cenários, cores. Em qualquer lugar se consegue ótimos temas para protagonizar imagens. Algumas delas podem ser tiradas junto à vida selvagem, mas isso requer um abrigo seguro, um posto de observação, muito tempo e outras providências necessárias.

Agora como amador, escolheu como lazer visitar os cemitérios da cidade.

Percorria as infindáveis alamedas, fotografava esculturas, monumentos e jazigos que ele julgava ser belo, interessante ou curioso.

Ele dizia sempre que esses lugares eram museus ao ar livre, pois podia se encontrar esculturas de artistas renomados, túmulos de personalidades notáveis, uma verdadeira riqueza arquitetônica e belíssimas obras de arte.

Ressaltava que a cruz era um dos símbolos mais destacados, em seus tamanhos, texturas e estilos, atraíam atenção e tocavam as pessoas de algum modo, independente de religião ou credo.

Enquanto a cultura gótica era representada por sofrimento, dor ou angústia, na de Roma antiga servia para punir condenados à morte por crucificação.

Os mausoléus mais sofisticados indicavam o poder aquisitivo da família na época. Muitos deles pertenciam à elite do século passado, onde seus antigos casarões já foram demolidos, sobrando hoje apenas o tumulo para lembrança de uma época em que a ferrovia e o café dominavam a economia da cidade. Quem ganhava eram os visitantes, pois havia até disputas para se ter o jazigo mais belo.

Dizia sempre que seria ótimo desmistificar a ideia de que é apenas tristeza e de desconforto, de dor e luto, mas sim um espaço de contemplação, meditação, de preces pela memória daqueles que já se foram, de reverenciar a lembrança e saudade.

O encontro com as obras na paisagem natural é um convite agradável à reflexão e propicia pensamentos e sentimentos positivos para aqueles que visitam e que levam consigo a magia da arte, e inspiração.

O jazigo de Monteiro Lobato, um bloco de granito negro que lembra a forma de um grande baú, onde se pode imaginar que lá se escondem personagens criados por ele, muito interessante de se apreciar.

Andando pelas longas alamedas pode se chegar ao modernismo, nas esculturas com assinaturas de grandes artistas.

Há também mausoléus de personagens históricos, como o de Washington Luis e Campos Sales

Há obras incríveis: diversos tipos de pedras, granitos belíssimos, mostrando contraste entre a porção serrada e polida das mais diversas cores, muito interessante de se apreciar. Os cantos dos pássaros nos ciprestes e pinheiros, flores sobre túmulos, anjos, por do sol em meio às árvores, refletindo o brilho sobre os belos querubins, tudo embelezando o local.  

É um espaço especial destinado a homenagear a memória daqueles que partiram, onde elementos como vitrais, bancos, imagens religiosas, enriquecem e contribui para aliviar dor do luto.

Uma ocasião, ele presenciou uma senhora chorando, sobre um lindo tumulo de mármore e granito.

Ela estava com os braços cheios de rosas-vermelhas, uma vestimenta que cobria completamente o corpo, que lembrava uma mulher oriental, era bela como uma flor.

Em seu pranto dizia em voz alta:

— Toninho! (Antonio) minha joia preciosa, por que você me deixou tão cedo? A sua ausência me provoca dores, sem você a vida não tem mais sentido, não tenho mais vontade de viver.

Ele observava a certa distância esse lamento.

Ficou comovido e resolveu se aproximar dela com objetivo de oferecer seu amparo, num gesto de carinho e consolo.

Mas, surpreso, viu que na placa sobre o jazigo estava gravado o nome Samir Assad e não “Toninho” que era o objeto do lamento da viúva.

Ele incrédulo se acercou mais ainda, pediu licença e após reverenciá-la fez uma observação;

— Senhora, me emocionou muito o seu lamento e dor, todavia esse tumulo não parece ser do seu marido, pois aqui consta o nome de Samir.

Ela, carinhosamente, ouve Vinicius e diz:

— Meu jovem, um dia sentiremos falta de tudo o que não pudemos viver, das coisas mais belas que deixamos de fazer, das tardes com um horizonte todo tingida de laranja, das noites enluaradas. Somos feitos de retalhos, que a vida nos doa, e no dia a dia, vamos costurando nossa história entre sorrisos e lágrimas. Somos feitos de pedaços que ficam e que vão embora.

— Para uma árvore há esperança; se for cortada, brota de novo e torna a viver, mesmo que suas raízes envelheçam, e o seu toco morra na terra, basta um pouco de água, e ela brota, soltando galhos como uma planta nova, mas isso não acontece com pessoas, que vão e não retornam mais.

— Estou no lugar certo, pois Toninho quando vivo, devido ao fisco do imposto de renda, não colocava nada em seu nome!

— Ele, querendo confortá-la, e muito gentil, argumentou que a morte infelizmente surge a qualquer momento e por vezes leva pessoas que nos sãos especiais. Não chore a beira de seu jazigo, pois ele não está lá!

Procure visualizá-lo no sopro dos ventos, nas chuvas de verão e nos chuviscos da primavera, no brilho das estrelas e no canto dos pássaros. A saudade eterniza a presença de quem se foi... Com o tempo esta dor se aquieta, se transforma em silêncio, que espera pelos braços da vida, um dia Reencontrar!

 Continuou perambulando registrando imagens sabendo que em cada tumulo havia uma história linda, triste ou curiosa para se contar e não somente a beleza que cada imagem mostrava.!‘


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