A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

CAMPO DOS CURROS - Alberto Landi

 



CAMPO DOS CURROS

Alberto Landi

 

Campo dos Curros, atual Praça da República, era uma praça de corridas de touros e cavalos, onde os paulistanos se divertiam com os rodeios e touradas no século XIX.

Aos domingos nessa grande praça, as pessoas lotavam a arena.  Era um povo alegre, querendo se divertir assistindo as touradas vendo sangue!

Havia o famoso “Bailarino” que era um ativo ajudante na estação do Brás. Mercadorias, vindas do porto de Santos, eram descarregados pelos trens nessa estação.  As carroças eram o único meio de transporte nessa época, levavam esses produtos para restaurantes e lojas espalhados na província de SP.

Ele era muito divertido e talentoso, fazia acrobacias e alguns passos de ballet, daí o seu apelido.

As pessoas que frequentavam a arena, gostavam de ver suas maluquices e se esborrachavam de tanto rir.

Havia o touro Twist, as pessoas gostavam muito de vê-lo perseguindo com seus chifres impiedosos e afiados ferir os toureiros.

Ele era considerado herói pelos frequentadores.  Ele cada vez foi ficando mais bravo, os olhos de raiva, de um vermelho escuro que parecia mais uma brasa, raspando os cascos no chão e trotando em busca do toureiro.

Todos gritavam:

Twist,  pega ele!

O bailarino por sua vez queria desviar a sua atenção para ele, fazendo piruetas.

Os frequentadores falavam e discutiam a politica do governo da província de São Paulo, além de assistirem a barbárie das touradas.

Bailarino era também um visionário, o povo se reunia em torno dele, só para ouvir suas profecias. Enfatizava que num futuro não muito longínquo o homem iria pisar na lua. Ressaltava também a existência de objetos voadores e seres extraterrestres que visitavam a província.

As discussões eram as mais variadas possíveis, alguns diziam que isso seria impossível, porque a lua se tratava de uma bola de luz, que a Terra era plana, outros apoiavam a ideia de homens na lua.

Como o Bailarino poderia vislumbrar naquele tempo tão distante do atual, que muitos anos  após isso se concretizaria e se tornariam realidades suas palavras?

Ele era com certeza um visionário.

Nunca devemos duvidar desses “devaneios” porque nesse universo onde um magnânimo Senhor foi o criador, nada é impossível.

 

DIREÇÃO ERRADA - Hirtis Lazarin




DIREÇÃO ERRADA

Hirtis Lazarin

 

A noite estava escura. Nem a lua nem as estrelas para clarear a estrada estreita e esburacada.  Apenas uma brisa irrequieta ciscando a relva esbranquiçada e miúda que se estendia a perder de vista. Árvores, muito poucas.

Depois de quilômetros e quilômetros rodados num carro velho e perdido no rumo, aparece uma placa indicando um restaurante de estrada.

Estaciono e observo detalhadamente tudo à minha volta. Nenhuma luz acesa, nenhuma voz. Parecia abandonado.

Senti medo, mas desci. Minhas pernas inchadas e cansadas doíam. Muito tempo na mesma posição tensa de gente que está perdida e não sabe onde vai parar. A garganta seca exigia água. Impossível não encontrar uma única torneira.

A recepção estava vazia. Sobre uma escrivaninha de verniz rabiscado, uma máquina Olivetti e numa folha de papel branco e intacto encaixada nela, uma palavra que não foi concluída.

Da janela envidraçada, coberta de gordura e pó, era impossível ver o que acontecia do outro lado. Uma porta que já foi pintada de branco está com a maçaneta quebrada.

Empurro-a cuidadosamente para não chamar a atenção, mas de velhice ela reclama. Nem vozes, nem barulho do outro lado, apenas a minha respiração ofegante. Um cheiro azedo de comida estragada.

Meus olhos, aos poucos, vão se acostumando com o escuro: uma cadeira caída, cacos do que já foi louça, roupas esparramadas e muitas moscas rodeando alimentos apodrecidos. O maior susto foi quando vi sobre a cama uma moça seminua, amordaçada, presa à cama, pés e mãos amarrados. Os olhos arregalados suplicam, pois acredita ela que chegou o seu fim.

Aproximo-me de um jeito cordial e transmito-lhe confiança. “Não se assuste. Vou ajudá-la. Sou alguém alheio a tudo que está acontecendo”.

Com dificuldade, liberto-a das amarras. Seus pulsos e tornozelos estão feridos, sangram.  Peço que não fale nada. “Temos que abandonar esse lugar o mais rápido possível, antes que apareça alguém”.

Ela está confusa e fraca. Não consegue dar um passo à frente. Carrego-a no colo e chegamos ao carro sem sermos incomodados. Reviro os bolsos da calça, do casaco e não encontro as chaves. Deito-a na grama quase desfalecida.

A noite está agora mais escura. Nuvens acinzentadas prometem chuva a qualquer momento.  ”Ótimo para assentar a poeira que levanta do chão seco e ataca minha rinite crônica”.

Olho o relógio e são vinte e duas horas e dez minutos. Já se passaram mais de duas horas desde que cheguei ali.

“Preciso voltar àquela casa e procurar as chaves. Corremos o risco de sermos surpreendidos a todo minuto perdido”.

Dou alguns passos rápidos e paro.

Ouço o trotar de cavalos que chegam cada vez mais perto...


Viagem a Paris - Adelaide Dittmers

 



Viagem a Paris

Adelaide Dittmers

 

Muito comunicativo e espirituoso, Xavier conquistava todos por seu bom humor, mas tinha um lado peculiar; era um gozador nato e adorava pregar peças nas pessoas à sua volta.

Certa noite, ao chegar em casa, depois de um dia de trabalho, escancarou um sorriso para a mulher e disse:

— Tenho uma surpresa especial para você.  E estendeu dois pequenos papéis.

— O que é isto? Perguntou ela com um ar desconfiado.

— Veja você mesma!

— Não acredito!  Duas passagens para Paris.

Helena abraçou o marido.  Sempre sonhara em conhecer a cidade luz, mas tinha muito medo de viajar de avião.  Apesar da situação financeira deles permitir, só viajavam de carro.  Conhecia quase todo o país e já tinha ido à Argentina e Uruguai.

De repente afastou-o e perguntou:

— Isso não é mais uma das suas brincadeiras? Não é?

— Não.  O único problema é seu medo de voar.

— Tenho que enfrentar isso.  Por Paris, vou enfrentá-lo.  Além do mais, minhas amigas, que não gostam de voar, costumam tomar comprimidos para acalmar e dormir.

— Então tudo bem, porque me lembro daquela viagem, que fizemos ao Rio pela ponte aérea, em que você apertou minha mão a viagem toda.  Para Paris são onze horas de voo e não quarenta e cinco minutos.

— Estou tão feliz, que prometo que vou me comportar bem.

Uma semana depois, estavam os dois no aeroporto para iniciar a viagem dos sonhos de Helena.  Ansiosa, procurava esconder o nervosismo ao entrar no avião.  Logo ao se sentar no lugar, que lhes foi reservado, engoliu o comprimido para diminuir o temor.

A grande aeronave decolou suavemente e ganhou altura em um céu sem nuvens.  Era uma bonita noite de outono.  Poucas horas depois, o jantar foi servido e Helena distraiu-se em ver o que iria comer.  Após terem jantado, Xavier lhe disse:

— Vou tirar um cochilo.  Quando a aeromoça recolher as bandejas, peça a conta, por favor, e fechando os olhos, virou a cabeça para o lado com um sorriso zombeteiro.

Depois de alguns minutos, a comissária veio retirar as bandejas e Helena educadamente lhe pediu:

— Pode me dar a conta, por favor.

— Como senhora?

— A conta do jantar.

A moça arregalou os olhos e disfarçando o constrangimento respondeu:

— Não há conta a pagar.  O jantar está incluso na passagem.

Sem graça, Helena pediu-lhe desculpas e, quando a jovem se afastou, deu um safanão em Xavier.

— Como você me fez uma coisa dessas?  Não gostei nem um pouco dessa brincadeira.

E ele rindo, exclamou:

— É muito divertido, que até hoje você caia em minhas armadilhas.

Helena recordou-se, então, do dia em que ele a deixou em um restaurante e saiu para a rua só para vê-la toda atrapalhada sem saber como iria pagar a conta, e de tantas outras em que sempre procurou aceitar com bom humor. No entanto, ultimamente, começou a cansar-se do humor negro do marido. Zangada, ligou a tela à frente para não discutir com ele.

Mais tarde, as luzes do avião foram apagadas e os passageiros ajeitaram-se como podiam para dormir.  Helena logo adormeceu embalada pelo comprimido. 

O grande pássaro começou a sobrevoar o vasto oceano, negro e misterioso, àquela hora da noite.

De repente, Helena foi sacudida por Xavier.  Tonta de sono, olhou a expressão de medo do marido.

— Acorda e coloca o cinto!  O avião entrou em pane.  Estamos em uma emergência.

Realmente, uma forte turbulência sacudia o avião.  A mulher entrou em pânico.  O terror tomou a forma de uma grande garra, que apertava sua garganta e descontrolada começou a gritar.

— Socorro!  Não quero morrer!

Os passageiros acordaram assustados e uma grande confusão espalhou-se pelo avião.  Logo um comissário veio até ela e perguntou:

— O que está acontecendo, senhora?

— O avião está caindo!  E ainda você me pergunta isso?

— Calma, senhora.  Foi só uma turbulência.  Está tudo bem com o avião.  Fique tranqüila.

Ainda muito assustada e envergonhada, olhou para Xavier e pela expressão dele, percebeu que fora novamente uma de suas brincadeiras e dessa vez de muito mau gosto.

— Você me paga! E seus olhos faiscaram de ódio.

Ignorou-o o resto da viagem e não conseguiu mais pregar os olhos.

Chegaram cedo à bela cidade.  Atordoados pelas horas de vôo passaram pela imigração e começaram a percorrer os intermináveis corredores do grande aeroporto.

Helena, ao ver banheiros, disse ao marido.

— Vou entrar e aproveitar para lavar o rosto e refazer a maquiagem.

— Também vou aproveitar para ir ao banheiro.

Helena entrou, mas saiu logo em seguida e apressou-se a andar pelo longo corredor.  Trazia apenas a mala de mão.  Sentia-se segura diante do desafio de percorrer a grande distância até a saída.  Dominava bem o francês e a qualquer imprevisto, conseguiria se comunicar com alguém. Foi seguindo as indicações e chegou ao saguão do aeroporto, onde parou por um momento e pesquisou hotéis pelo celular.  Ligou para um que lhe agradou e conseguiu uma reserva em um que adorou.  Considerado um dos mais luxuosos de Paris, ficava em um dos pontos mais emblemáticos da cidade.  Chamou um táxi e pediu ao motorista;

— Hotel Du Louvre, s’il vous plait!

Durante o percurso, reservou um almoço no L’Oiseau Blanc, considerado um dos melhores restaurantes parisienses e onde se podia desfrutar uma vista deslumbrante da cidade.

No aeroporto, Xavier saiu do banheiro e postou-se à porta para esperar pela mulher.  Os minutos foram passando e nada de Helena.  Começou a ficar preocupado.  Consultou o relógio e constatou que a estava esperando já há quase trinta minutos.  Pediu, então, a uma senhora da limpeza, que verificasse por que ela estava demorando tanto.  Ela entrou e voltou dizendo que não havia nenhuma Helena no banheiro.

Xavier controlou-se para não se desesperar.  Percorreu quase correndo os longos corredores e chegou ao lugar de resgatar as malas, que pareciam que nunca iam aparecer nas esteiras.  Tenso, apanhou-as e foi para a entrada do aeroporto.  O que poderia fazer agora?  Tinha tentado ligar várias vezes para a mulher sem sucesso.

Enfim o celular tocou.  Era ela.

— Helena, o que aconteceu? Onde você está?

— Não aconteceu nada, querido?  Estou no Hotel Du Louvre.  É um hotel maravilhoso, daqueles que se vê em filmes.

— O que!  Mas não foi esse o hotel que reservei.

— Ah! Mas este é o que sempre sonhei em me hospedar.  Luxuoso e fica em um lugar privilegiado.

— Você enlouqueceu.  Sabe quanto custa uma estada em Paris. Uma fortuna! E um hotel luxuoso é impagável.

— Não adianta reclamar.  Vem pra cá.  Você vai adorar. Respondeu irônica.

Nervoso e furioso, Xavier chamou um táxi.  Ao chegar, quase perdeu o fôlego ao se deparar com o imponente hotel. Na recepção informou-se onde sua mulher estava.  Acompanhado por um funcionário, que lhe levava as malas chegou ao quarto.  Helena abriu a porta, sorridente, com uma taça de champanhe na mão.

— O que está acontecendo com você? Ficou louca? Ele disparou.

— Nunca estive tão lúcida! Respondeu, fechando a porta atrás dele.

— E tem mais! Reservei um almoço no L’Oiseau Blanc. É um dos restaurantes mais tops desta cidade linda.

— Não acredito! Não sou o Bill Gates!  O que te deu?

— Você conhece o ditado: Um dia é da caça, o outro é do caçador.

— É uma vingança por que brinquei com você! Disse, cuspindo as palavras.

Não, não é! Uma vingança é para o mal de alguém. Estar num hotel magnífico e desfrutar das iguarias francesas em um restaurante estrelado é tudo de bom.

Xavier estava pálido.  Sentiu o estômago contorcer-se dentro dele e com uma repentina ânsia correu para o banheiro.

Helena aproximou-se da janela e admirou a romântica cidade, que lânguida se abandonava ao céu ensolarado da primavera.  Levantou a taça com um sorriso vitorioso.

— Santé Paris! Exclamou.

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