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quarta-feira, 4 de março de 2020

A resposta é sua - Hirtis Lazarin




A resposta é sua
Hirtis Lazarin


Ela acordou assustada com os gritos do despertador.  Acendeu a luz tênue do abajur e constatou que o relógio estava certo.  Marcava exatamente cinco horas, vinte e sete minutos.  A impressão dela era de ter acabado de se deitar. "Não é possível! Acho que os ponteiros apostaram corrida durante a noite e o maior, mais esperto e poderoso, venceu o desafio.  Saltou do quatro para o cinco e lá se foi uma hora engolida da madrugada.

Com a dificuldade de um corpo vivido, Helena sentou-se na cama, orou para Nossa Senhora das Causas Impossíveis, calçou os chinelos tão velhos quanto ela, e arrastou-se até a cozinha.

Nenhuma fruta, apenas um pãozinho amanhecido e requentado e uma caneca de café aguado.  O pó de café não podia dar-se ao luxo de ser esbanjado no coador.  Depois de um cigarro apreciado até o último suspiro, ela espia o tempo lá fora. Nublado e frio.  Não importa, nada a esmorece.  Ainda tem um sonho e sabe que sem ele a vida tornar-se-ia vazia, sem gosto e nem valeria mais a pena viver.  Sabe também que todo sonho exige esforço e o esforço nos conduz ao prêmio.  E o prêmio terá o tamanho da nossa persistência.

Veste o único casaco de lã sobre a roupa que dormiu, calça a bota de borracha que alcança seus joelhos e está pronta para mais um dia de busca.

O ônibus da linha verde, sempre pontual, atrasa.  Mais de trinta minutos já se passaram.  O frio castiga-lhe o rosto enrugado e, em cada ruga mais profunda, esconde-se um capítulo de sofrimento.  As pernas doem, mas não a fazem desistir de seu propósito.  É o que a mantém viva depois que seu companheiro se foi.

Cinquenta anos de esperança.

Cinquenta anos de busca;

Cinquenta anos de saudade.

Alegrias e tristezas são constantes em nossa vida.  Sabedoria é saber lidar com elas.

Cada manhã, a velha senhora desce próxima a uma estação de metrô e ali passa o dia.  Carrega um cartaz plastificado com o nome de sua irmã, seis anos mais nova.  As duas foram deixadas e esquecidas num orfanato.  Aos dezoito anos, Helena foi apresentada à vida e encaminhada a uma família para trabalhar como doméstica.  Alguns anos depois, já casada, voltou ao orfanato para resgatar a irmã, não mais a encontrou.  Perderam-se para sempre. 
Era pouco mais de meio-dia quando a chuva apertou.  Foi no bar do português que ela conseguiu abrigo.  Consultou a carteira e tinha o suficiente para um lanche e coca cola.

Uma jovem sentada numa mesa próxima, observava como aquela senhora humilde saboreava o sanduíche.  Era com tanto gosto que parecia estar diante de uma ceia de Natal.  Aquela fisionomia atraia e intrigava-a.   Por mais que tentasse, não decifrava o quê, nem o porquê.   Aqueles olhos... Aquele sorriso tristonho... Pensou em se aproximar, mas o tempo era curto e o compromisso inadiável.

Inquieta, Gisele se foi, mas aquele semblante povoou seus sonhos por noites seguidas.  Voltou àquele bar várias vezes, caminhou pelas ruas próximas e nada...  As tentativas de busca foram muito mais do que se possa imaginar.  Mas ela mesma nem sabia porque se atormentava tanto.  Até que, graças ao tempo e às orações, aquele pensamento esporadicamente retornava, sem sofrimento, apenas lembranças.

Mas coisas nos acontecem independentemente da nossa vontade e cada um  arruma explicações de acordo com suas convicções.

E foi numa tarde ensolarada que o milagre aconteceu:  Gisele encontrou Helena, sentada nas escadarias do Teatro Municipal, tentando se proteger do calor.  Aproximou-se e, em pouco tempo, as duas tagarelavam como antigas conhecidas.  Gisele, com sutileza e jeitinho, foi colhendo informações sobre a vida daquela senhora, tão estranha e tão familiar.  A cada detalhe revelado, a cada nome mencionado...E quando apareceu o nome do orfanato, o mistério se revelou.  Foi choro, foi abraço, foi o melhor momento da vida de Helena.   A avó de Gisele era a irmã que ela sempre acreditou estar viva.  A busca incansável terminou.

Caro leitor, vale a reflexão:  Tudo acontece por acaso?  Ou Deus teve piedade do sofrimento de uma senhora tão fervorosa e concedeu-lhe uma graça?  Ou já nascemos trazendo uma malinha que aprisiona nosso destino?


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