A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

TENTAÇÃO - Hirtis Lazarin

 


TENTAÇÃO

Hirtis Lazarin


Duas viaturas, sirenes ligadas, estacionaram em frente à pequena igreja “Nossa Senhora das Dores”, no centro de Curió.  Quatro policiais desceram armados.  O sacristão aguardava-os na calçada, gesticulando feito doido.  Andava de um lado pro outro.  As palavras saiam enroladas, difícil entender o que estava acontecendo.

Honório trabalhava meio período num posto de combustível.  Depois do almoço, dedicava seu tempo a cuidar da igreja.  Trocava as flores murchas dos vasos, brilhava o chão de ladrilhos azul e bege, espanava o pó onde se acumulava.  Deixava tudo em ordem até às dezesseis horas.  Pontualmente, abria a porta de madeira bem pesada. O rangido das dobradiças enferrujadas era tão forte que se tornou referência de hora pra quem não tinha relógio.

O som alto e prolongado das sirenes atraiu gente de todo canto.  Crianças pararam de brincar, donas de casa abandonaram a panela de feijão no fogo, o pintor de parede caiu da escada...  Em minutos o quarteirão estava apinhado de gente.

A vida no vilarejo de Curió parecia presa a sua espantosa monotonia.  Os dias e a vida eram desenhados para seguirem sempre um roteiro definido e sem surpresas.  A quebra da rotina naquele dia e a curiosidade maior que o medo, careciam da presença de público.

Os cinco homens entraram na igreja e fecharam a porta. Tudo revirado...  Imagens de santos em pedaços atirados ao chão, flores pisoteadas, o cofre na sacristia com o dinheiro do dízimo saqueado, o altar revirado, hóstias espalhadas.  O cálice de ouro maciço usado na distribuição da comunhão jamais foi encontrado.

A porta que dava acesso aos aposentos do padre estava arrombada. Cobertas e lençóis no chão, gavetas abertas e vazias. Na parede, apenas o contorno empoeirado do espaço ocupado pelo crucifixo de bronze.   No guarda-roupa, cabides solitários.

A todas as perguntas que se fazia, a resposta era uma só:  “A igreja foi saqueada e o padre sequestrado”.

 

Faziam apenas oito meses que o padre Walter assumira a paróquia.

Homem enérgico e assertivo nos sermões, cobrava, excessivamente, as obrigações dos cristãos e todo dia repetia: “Os tementes e fiéis a Deus devem se confessar semanalmente.   Não estamos livres de cometer pecados entre uma semana e outra.  Ai daquele que morre em pecado”.

Os fiéis, gente humilde e carente de opinião, obedeciam-no religiosamente.  O medo de ir pro inferno atormentava-os desde que aprendiam a ler e estudar o catecismo.

Zezinha era a mais fervorosa de todos.  Sempre de vestido azul, nos mais diferentes tons, véu branco de renda na cabeça, caminhava todos os dias, a passos largos, em direção à igreja. Eram momentos sagrados e dedicados à reza do terço e comunhão.  Nunca esquecia uma flor pra Nossa Senhora.

Todos se conheciam na cidade e logo perceberam que a moça não era mais a mesma.  Antes, de sorriso gratuito e sempre graciosa com os cabelos cacheados e amarrados com fitas de cetim coloridas, encismara-se de vez.  Até se afastou dos poucos amigos que tinha.  A devoção e o tempo que ficava ajoelhada no confessionário contando pecados só aumentavam.

O padre não tinha essa paciência com os demais cristãos.  Cinco minutos bastavam para contar os pecados, rezar o ato de constrição e ouvir a penitência equivalente ao tamanho do pecado.

Após a confissão, Zezinha ajoelhava-se aos pés de Nossa Senhora, terço nas mãos e se punha a rezar.  Só ia embora quando o sacristão apagava as luzes e fechava as portas.

As investigações policiais duraram poucos meses.  Bispos vieram e se foram.  A falta de recursos e nenhuma prova concreta fizeram o delegado encerrar o caso. 

A igreja foi fechada e o povo ansioso aguardava a chegada do novo pároco. 

 Zezinha não saía mais de casa, comia feito um passarinho, falava pouquíssimo e quando falava, mal dava pra entender.  Exames médicos não acusavam doença alguma.  Os pais já não sabiam mais o que fazer.  Só restava orar e orar.

E, lá fora, os boatos corriam soltos: “A pobre moça apaixonou-se pelo padre.  Ela sofre de amor e pra isso não tem remédio.  Pobrezinha!  Só pode ser isso”.

Hoje Curió amanheceu com chuva fina e vento fresco.

Um punhado de gente triste carrega um caixão branco.

Zezinha parou de sofrer.

PADRE MIGUEL - ADELAIDE DITTMERS

 


Padre Miguel

Adelaide Dittmers

 

A pequena igreja da cidadezinha estava lotada. As beatas com véus, que lhes cobriam os cabelos, mas não impediam que a maledicência escorresse por suas línguas, tagarelavam em voz baixa, com olhos argutos, que voavam pelas pessoas como águias em busca da presa.

Acompanhado por dois coroinhas, o sacerdote subiu ao altar.  Era um homem de uns quarenta anos, bem-apessoado e com ar humilde.

As luzes acenderam-se iluminando os anjos e santos barrocos distribuídos por pequenos altares e o altar, onde reinava a padroeira da cidade.

O silêncio apagou as conversas.  A expectativa era sentida em cada rosto.  Naquele domingo, um novo padre assumiria a paróquia.

As pessoas levantaram-se para recebê-lo.  As beatas cochichavam agitadas pela beleza do padre.  A curiosidade varria o lugar.  Como seria o novo padre? O anterior era muito severo.  O que esperar deste?

Com um sorriso simpático e um gesto, ele indicou para todos sentarem e apresentou-se, dizendo que estava muito feliz de ser o condutor espiritual da cidade.

As orações, os hinos e os rituais da missa sucederam-se suavemente.  No momento do sermão, ele subiu ao púlpito e encantou os fiéis com uma prédica envolvente, em que palavras de conforto e exortação ao amor e respeito ao próximo foram derramadas pela igreja.

Terminada a missa, os frequentadores saíram para a praça e formaram pequenos grupos, comentando o que acharam do novo pároco. Os elogios daquela boa gente elevaram-se pelo ar fresco da manhã.

As beatas combinaram que precisavam se confessar para assim se tornarem mais próximas dele.  Elas consideravam os sacerdotes seres quase divinos, mas dentro delas algo mais terreno as sacudia.

O tempo foi passando e o padre Miguel foi conquistando o coração e a confiança de todos. Era amável, compreensivo e tolerante.  Nos sermões sempre exaltava a importância de os fiéis confessarem todas as semanas para aliviarem suas almas dos desgostos, problemas e remorsos, que a vida trazia.

O povo simples e crédulo cumpria esse pedido com devoção.  Abriam o coração, confessando os medos, os males feitos, as desavenças e os desafetos, na esperança de serem perdoados por Deus.

Padre Miguel tornou-se muito respeitado e ninguém mais movia um dedo sem consultá-lo. Muito inteligente, ele absorvia todas as informações.  Assim, o manto tênue do homem perfeito cobriu a cidade com seu poder de convicção.  De maneira sutil, levava os mais poderosos a confessar suas desonestidades, convencendo-os de que o perdão divino viria se fossem generosos com a igreja.  Aos mais pobres dizia que se dessem o dízimo, milagres aconteceriam.

Em uma tarde de outono, de ar fresco e vento suave, que levantava as folhas secas, que caiam mansamente das árvores, um trem apitou na curva da via férrea aproximando-se da velha estação, bufando seu cansaço e fazendo as rodas gemerem ao estacarem nos trilhos.

Vários passageiros desceram e, dentre eles, um casal de cabelos grisalhos, puxando pesadas malas. O homem olhou em volta, como que tentando reconhecer o lugar.  Quase nada mudara desde que ele fora embora, aos dezenove anos, para ir morar na metrópole em busca de maiores oportunidades. 

— Não é simpática esta estação? Você vai gostar daqui.  É um lugar calmo e o povo é pacífico.  Disse com a voz embargada pela emoção.

Estava voltando depois de tantos anos para desfrutar da aposentadoria no lugar tranquilo em que nascera. 

Sairam da estação e Luisa observava tudo com curiosidade.  As ruas estreitas de paralelepípedos, onde as casas desfilavam com pequenos jardins. Outras construídas diretamente junto às calçadas, em que mulheres se debruçavam nas janelas para ver a vida passar.

Arrastando a bagagem, chegaram à uma velha casa com um grande jardim, onde reinavam jabuticabeiras, limoeiros, mamoeiros e outras tantas árvores, que dançavam suavemente ao sabor da aragem.

Entraram, e velhas mobílias os esperavam.  Abriram as janelas para deixar a luz do sol entrar. Cada canto trazia uma lembrança a Tomé.  A casa estava fechada há muito tempo, precisaria de algumas reformas, mas era confortável e ampla. E voltar para ela, era voltar ao antigo ninho.

Aos poucos foram se habituando à nova vida.  Tomé aproximou-se de velhos amigos e Luisa foi fazendo novas amizades.  Católicos fervorosos começaram a frequentar a igreja.  Aos domingos iam à missa, e como todos, foram capturados pela doçura do carismático padre.  Apesar de suas profissões terem exigido muito deles, ele fora um exímio investigador de polícia e ela, professora, sempre gostaram de participar das tarefas paroquiais.  Ensinavam catecismo às crianças, promoviam encontro de casais e ajudavam em outras programações da igreja.

Certo dia, ao entrar na sacristia, encontrou uma mulher de vestes simples, que se dirigiu a ele:

— Sr. Tomé, vim entregar o dízimo, mas o padre não está.  Posso entregar para o senhor?

Dízimo? Ele pensou, não sabia que o dízimo era cobrado.   E, quando viu a quantia, surpreendeu-se ainda mais.  Era muito dinheiro para aquela pobre mulher.

— Não é muito o que a senhora está oferecendo?  Perguntou.

— Preciso de um milagre e o padre disse que se eu desse o dízimo, o Senhor me ajudaria.

Aquilo não lhe saiu da cabeça e seu instinto de investigador acendeu-se como uma labareda dentro de sua cabeça. Começou então a observar com mais atenção o que acontecia na sacristia.  Passava os olhos pela escrivaninha de Miguel e notou também o movimento de beatas, que entravam e saiam, todas arrumadas como se fossem a um encontro.  Uma tarde, viu um cheque meio escondido na escrivaninha e com cautela verificou a quantia e de quem era a assinatura.  Arregalou os olhos: era uma alta soma de dinheiro de um rico fazendeiro da região.

Desses dias em diante, quando o sacerdote estava ausente remexia nos papéis da sacristia e revolvia gavetas à procura de dinheiro.  Descobriu que altas somas eram dadas regularmente à paróquia, que não apareciam na contabilidade e nem eram empregadas para consertos ou obras assistenciais.

Com habilidade começou a investigar os documentos do padre e descobriu que eram falsos.

Como todos tinham sido enganados? Como tudo isso fora possível? Resolveu se comunicar com o bispo da arquidiocese mais próxima e relatar o que estava acontecendo.  A notícia caiu como um raio no bispado, porque informaram a Tomé, que tinham enviado um sacerdote para aquela paróquia.  Padre João tinha partido para o novo ofício há mais de dezoito meses.  A situação era mais grave do que Tomé supusera.  O que poderia ter acontecido com o padre, que não chegara ao seu destino.

Uma detalhada investigação os levou ao trajeto do padre João e descobriram que ele desapareceu durante o caminho.  O delegado de uma das cidades por onde ele passara informou que tempos atrás, foi encontrado o corpo de um homem boiando no rio, com uma facada na barriga.  Estava quase nu e até aquele momento não tinham conseguido identificá-lo.  Fotografias do cadáver foram enviadas para os investigadores, que constataram que era o pobre padre João.  Um arrepio passou pelo corpo de todos.  Seria Miguel o assassino? Ao juntar as peças do acontecido, cada vez mais a suposição os levava para o falso padre.

A polícia invadiu a igreja e prendeu Miguel com a acusação de ter usado falsa identidade, tirado grandes quantias de dinheiro dos fiéis e o por ser o principal suspeito do assassinato do verdadeiro padre.

A notícia da prisão do falso padre tumultuou a cidade. O choque paralisou os habitantes e alastrou-se como pólvora.  A revolta foi tão grande, que quiseram invadir a delegacia em que o homem estava preso provisoriamente.  Com muito custo, os policiais conseguiram dominar a situação, dispersando a pequena multidão desvairada.

As beatas foram para a igreja rezar e pedir perdão a Deus pelos pecados e por terem sido enganadas pelo belo padre.  Choravam envergonhadas e abriram a boca e esbulharam os olhos quando uma delas confessou, tremendo dos pés à cabeça, que estava grávida de Miguel. Um ¨Deus nos acuda¨ percorreu o lugar.

Pelos interrogatórios e investigações descobriram a verdadeira identidade de Miguel.  Era procurado há muito tempo por golpes e roubos em que usava armas. A única coisa que não conseguiram, foi arrancar dele a confissão de assassinato do verdadeiro padre. Era esperto e liso como sabão.

Tomé foi homenageado por ter livrado a população daquele bandido e tornou-se a pessoa mais respeitada da cidade.

Em uma manhã de sol e céu azul, sentou-se no terraço da casa em companhia de Luisa, admirando o jardim, com suas flores e árvores carregadas de frutas e onde o silêncio só era quebrado pelo cantar dos pássaros, disse sorrindo:

— E eu que vim para cá gozar minha aposentadoria e a tranquilidade da minha cidade...

O PADRE HILÁRIO E O PATO - Henrique Schnaider

 


O PADRE HILÁRIO E O PATO

Henrique Schnaider

 

Hilário sempre foi o tipo do sujeito vigarista. Desde pequeno o danadinho sempre que tinha chance, surrupiava os brinquedos de seus amiguinhos. No jogo de bolinha de gude, ganhava sempre porque usava de artimanhas, malandragens e por isso já possuía um estoque enorme das bolinhas.

Já garoto com sete anos ele era PHD na matéria de enganar as pessoas. Quando entrou na escola não perdia a oportunidade de roubar material escolar dos colegas e até os lanches, os quais ele tinha a pachorra de escolher o mais apetitoso e passava a mão na guloseima do amiguinho. Acabou sendo expulso da Escola.

Hilário tanto fez, já que dava até nó em pingo d’agua, ao entrar na adolescência foi parar numa Instituição para menores infratores onde se tornou um líder. Impressionou os garotos pela capacidade de passar para trás qualquer um que o enfrentasse. Ficou retido por mais de três anos e quando foi solto, foi morar nas ruas já que seus pais desistiram dele.

A vida desregrada e sem ninguém para lhe dar uma educação decente e nem valores para seguir, Hilário entrou ladeira abaixo e ficou muito mal. O vigarista tanto fez e tanto aprontou que acabou preso e condenado. Acabou puxando cinco anos de cadeia. Quando ficou no presídio ao lado de delinquentes perdidos na vida se perdeu de vez. Acabou se tornando” Dr. Honoris causa” em matéria de aplicar golpes na praça.

Finalmente solto, Hilário resolveu ir embora da Capital Goiânia e partiu de trem para o sertão de Goiás. Mas antes já pensando no próximo golpe que iria dar, comprou roupas de Padre, enquanto viajava. Foi lendo num livreto tipo Wikipédia, olhando qual cidade seria interessante para continuar aquela vida de estelionatário.

Na sua busca acabou achando a cidade de Abadiânia onde outro vigarista tarado contumaz “João de Deus”, tinha sua sede, e recebia os incautos. Hilário chegou naquela cidadezinha acanhada, mas cheia de pessoas crédulas, o local ideal para se estabelecer.

Apeou do trem com suas duas malas uma delas cheia de roupas e apetrechos que um Padre carrega. Ali no corredor da pequena estação parou para puxar um dedo de prosa com um matuto local e sondar a respeito da Igrejinha da cidade. Achou um caipira, um daqueles personagens que só existem nas piadas. Era o João de cima pois ele morava lá em cima do morro. E não é que existia o João de baixo, amigão do de Cima. Hilário tirou tudo o que precisava de informações, inclusive que o Padre Adelino, já avançado na idade havia morrido fazia um mês e a cidade aguardava a vinda de um novo Padre.

Hilário não perdeu tempo e disse ao João de Cima que era o novo Pároco que eles estavam esperando e pediu para ser levado até a Igreja. João ficou abismado com aquela surpresa e prontamente se ofereceu para levar o “falso” Padre Hilário até a Igreja dos necessitados.

A notícia se espalhou que nem rastilho de pólvora e todos os fiéis acorreram até a Igreja para saber das novidades e conhecer o novo Padre. Para celebrar a missa ele não se preocupou pois quando criança apesar de sapeca havia sido coroinha.

A vida seguiu seu caminho e Hilário passado um mês da chegada, e vida entrando na rotina, começou uma campanha de arrecadação de fundos para a reforma da Igreja e aí é que pretendia dar o golpe. Arrecadar o máximo possível e pegar a estrada e dar no pé, pois corria o risco da chegada do novo Padre.

Mas sempre tem um “mas” !!!, o vigarista não contava com o aparecimento do Tonho das Galinhas. Até que um dia a Maria das Galinhas mãe do Tonho pediu para ele ir vender um pato.

Enquanto isso Hilário malandro dos bons se engraçou com a Dona Chiquinha morena das boas, esposa não muito fiel do Coronel Bento. Ele não perdeu tempo e foi fazer uma visita paroquial à ela.

O Tonho com o pato nas mãos viu a porta entreaberta da casa do Coronel Bento. Sem cerimônia entrou, sem sequer bater. Foi olhando em todos os cômodos da casa até que chegou no quarto do casal. Para seu espanto estavam na cama Dona Chiquinha e o “Padre Hilário” fazendo coisas que o Tonho achava que só o Coronel Bento podia fazer.

Hilário sem saber o que fazer, perguntou ao Tonho o que ele estava fazendo ali. O matuto respondeu:

— Quero vender o pato.

Hilário perguntou:

— Quanto você quer pelo pato?

— Quero 100 reais pelo pato.

Hilário reagiu.

— Mas que ladrão!

Hilário não estava em condições de negociar preço e pagou os 100,00 reais pedidos.

Nisso Dona Chiquinha ouve o barulho de um carro chegando e falou desesperada.

— É o meu marido!

E foi um alvoroço. Lá se foram a esposa adúltera o “Padre”, o Tonho das Galinhas e o pato, todos para dentro do guarda-roupa. Um sufoco, todo mundo suando frio, menos o pato. E não é que depois de algum tempo esperando o Bento sair de novo, vira o Tonho e fala para o “Padre”:

— Agora “Padre”, eu quero comprar o pato. - Disse o Tonho falando baixo para o Bento não ouvir. Pensou o Hilário e disse:

— Ah seu ladrão, quanto quer pagar pelo pato?

O Tonho respondeu na maior cara de pau:

— Eu pago 10,00 reais.

Hilário espumou de raiva. Vendeu o pato.

Finalmente o Coronel Bento foi de novo para rua jogar tranca. Todos saíram do guarda-roupa. Hilário e Tonho e o pato saíram voando da casa e partiram em direção da Igreja. E não é que no caminho, lá vem o Tonho de novo.

— “Padre” agora eu quero vender o pato.

O coitado do Hilário saiu correndo e o Tonho atrás gritando.

— Eu quero vender o pato.

O falso “Padre” Hilário comprou e vendeu o pato para o Tonho umas 10 vezes e saiu no maior prejuízo. Perdendo tudo que havia arrecado dos fiéis. Resolveu fazer as malas e dar no pé, antes que o Tonho espalhasse para todo mundo o que havia visto na casa do Coronel Bento e os bons negócios que fez com o “Padre Hilário”. No fim das compras e vendas, o Tonho acabou ficando com o pato, para alegria da Maria das Galinhas.

 

 

 

FÉ DE MAIS OU INGENUIDADE? - Helio Salema

 


FÉ DE MAIS OU INGENUIDADE?

Helio Salema

 

No início dos anos 50 na pequena cidade de Santa Felicidade chegou o novo padre para o lugar do padre Honório, falecido recentemente.

No primeiro contato com os fiéis ele demonstrou ser muito simpático e não tão rigoroso quanto o seu antecessor. Falava com muita naturalidade sobre o seu passado de dificuldades, a sua fé em Deus e no futuro da humanidade.

Além de padre, era também um amigo para todas as horas e situações. Várias vezes foi chamado para resolver briga de vizinhos ou até mesmo de família. Sua calma, voz suave e paciência para ouvir, muito contribuíram para resolver os conflitos. Assim foi conseguindo a confiança total das pessoas que o procuravam, em momentos difíceis ou até mesmo de desespero.

Aquela situação de salvador de todos o fez, aos poucos, mudar sutilmente seu comportamento. Passou a exigir confissões dos fiéis pelo menos uma vez por semana.

Com bastante habilidade conseguiu estimular até confissões íntimas de alguns.

Algumas pessoas não tiveram nenhuma dificuldade em relatar coisas, que até aquele momento, jamais haviam pensado em revelar. Outras com muito custo e graças à insistência do padre se expuseram a tal ponto de mencionar fatos que antes não tinham sequer coragem de pensar.

Para aquelas que não aceitavam tal exigência, por não terem facilidade em se expressar ou por não verem necessidade, ele alegava ser necessário, sim, para o desenvolvimento espiritual de cada um ou ficaria esse sofrendo junto aos maus espíritos.

Severino que era frequentador antigo e contumaz de igreja, principalmente, depois de ficar viúvo, chegou a duvidar da sinceridade das palavras do novo sacerdote. Mais desconfiado ficou, ao passar certa noite e ver uma senhora saindo apressada da porta lateral da igreja. Porta esta que dava acesso aos aposentos do padre. Assim que ela virou a esquina, Severino correu na esperança de alcançá-la. Quando chegou na esquina viu a rua totalmente deserta, todas as casas às escuras.  Ficou por alguns segundos pensando se era uma pessoa, apenas um vulto, assombração ou alma de outro mundo. Desesperançoso e ofegante voltou para casa. Assim que entrou ajoelhou-se e rezou por um longo tempo.

Por vários dias ficou tentando lembrar-se de detalhes. Altura, tipo de roupas, mas nada de especial que pudesse ajudar na identificação.  Até mesmo a sombrinha era semelhante às outras que ele via na rua. Resolveu então caminhar à noite passando várias vezes pelo mesmo local. Cada dia mais desanimado ficava.

 

Com a chegada da Semana Santa várias famílias retornaram a Santa Felicidade, aproveitando o feriado para rever os familiares e amigos. Foram dias de muita alegria para os moradores daquela pequena e sossegada cidade. Severino pôde rever amigos, saber das novidades da capital e também sentir a falta de outros que desta vez não vieram.

Mas teve a satisfação da presença de Agostinho, sobrinho de sua falecida esposa. Embora estivesse ausente de sua cidade natal por quase duas décadas, o encontro dos dois foi muito festivo. Severino lembrou-se da companhia do Agostinho nas pescarias e este, das aulas do tio nos jogos de dama. A cada momento que eles se recordavam de algum momento especial, riram como duas crianças em dia de Natal. Agostinho, porém, interrompeu a euforia quando perguntou sobre o padre:

— Tio quem é esse padre novato que está querendo “bagunçar” com a fé e a cabeça das pessoas?

— Ehh! Também a minha cabeça anda “sacolejando”. Não sei onde isso vai parar.

— Ainda bem que eu não frequento igreja, mas acho que as pessoas precisam ser respeitadas.

Subitamente, chegam até eles outros amigos do Agostinho. Após um pouco de prosa, eles se despedem de Severino e seguem para se reunirem com outros amigos de infância.

Mesmo a contragosto, Severino decidiu fazer uma comunhão semanal. Aproveitava também para uma longa conversa com o padre, tentar assim ganhar a confiança dele e quem sabe em algum momento ter uma revelação.

Ao contrário, foi Severino quem acabou desabafando. Num momento de fraqueza revelou um segredo antigo. Uma tentativa de estrupo. Não concretizado por interferência de familiares da vítima. Para evitar ser agredido teve que sair, imediatamente, daquela localidade e nunca mais voltar.

Na semana seguinte, durante um sermão, o padre falou do terrível pecado do estrupo. Mesmo quando impedido. O fato de haver a insana intenção já era objeto de condenação sumária.

Afirmou que alguém ali presente havia sido autor, em outros tempos, o que não a exime da culpa.

Severino sentiu a punhalada, forte e certeira, no seu coração. Minutos depois saia arrasado e se arrastando, moralmente.

No dia seguinte pela manhã, várias viaturas da polícia da capital entravam em Santa Felicidade.

Alvoroço na praça, no armazém, nos botecos. Toda a cidade assustada com aquela cena jamais vista. Maior surpresa quando estacionaram em frente à igreja.

Os policiais aguardavam a abertura da porta. Minutos passaram e as especulações iam aumentando. Quando vários policiais saíram correndo para o lado da igreja onde o padre vestido como um cidadão comum tentava escapar em direção à mata. Parecia cena de filme.

Não conseguiu ir muito longe. Apanhado, não resistiu. Entrou na viatura de cabeça baixa, sem olhar para os lados.

Com a chegada do Sr. Prefeito, o oficial de justiça o comunicou que alguém na capital havia pedido investigação sobre o padre. Com um retrato tirado quando o padre fazia um batizado foi possível reconhecê-lo. Já foi preso, duas vezes, por aplicar golpes em comerciantes e tentativa frustrada de estrupo.

 

 

Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 


Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

Ao pé de uma serra inóspita, existia uma vila humilde, sem progresso, sem expressão e atrativos turísticos e com pessoas sem ambição, aí mesmo é que o local estagnou. Tinha como único comércio apenas um barracão, onde se podia encontrar poucas mercadorias para venda, além disso, uma praça sem monumentos, desprovida de jardim, bancos ou quiosques, ali próximo uma capela e um único prédio, bem desgastado, que servia à prefeitura.

     Foi neste lugar que certo dia apareceu, vindo tomar posse da igrejinha, um certo padre Estevão. Homem alto, robusto, barriga que lhe escondia o ventre, de feição áspera e ar sisudo, muito por conta da longa barba que exibia e tomava conta de toda a face.

     As celebrações litúrgicas realizadas pelo padre eram inusitadas, bem diferentes das usuais e as missas em nada se assemelhavam às tradicionais.  Padre Estevão era reservado, de poucas falas, difícil vê-lo circulando em frente ao que todos chamavam santuário, mas podia ser encontrado todas as tardes na sala improvisada como sacristia, esperando os fiéis para o sacramento da confissão.   Esta obrigatoriedade foi imposta por ele como primeiro ato de sua gestão.  Instituiu que os habitantes viessem confessar-se pelo menos uma vez por semana e como não eram muitos o controle ficava fácil, deixando todos sempre em estado de graça, dizia repetidamente o padre, que não deixava escapar nenhum paroquiano. Possuía uma lista com o nome de todos, lista que fez logo no primeiro dia que chegou e controlava com rigor. Quando alguém deixava de vir confessar ele logo aparecia na casa do fiel e lá mesmo o escutava dando penitência.

     Isso, com o tempo, passou a incomodar, por demais, o prefeito que tinha lá as suas mazelas com superfaturamento das nenhuma obras, quando recebia as verbas do Estado e gastava bem longe dali em suas mansões no exterior. Foi então o primeiro a se rebelar, não aceitando mais a confissão como cabresto.

     O padre passou então a ser alvo da inquietação do prefeito que não queria ser descoberto em falcatruas, pois sua imagem de homem ilibado era mantida a todo custo e vai que o padre, após uma confissão por parte dessa autoridade, dá com a língua nos dentes. Foi então que resolveu pesquisar, mesmo que a distância e sem recursos de internet, pois a vila não tinha, usando cartas, a vida do tal padre, tentando encontrar algo nefasto para tê-lo nas mãos, caso se visse obrigado a confessar algo que expressasse a face encardida que disfarçava com ações assistencialistas aos nascidos na vila.  

     Seu intento alcançou êxito quando recebeu uma correspondência da Ordem religiosa, à qual padre Estevão dizia pertencer. Foi uma carta esclarecedora, nela dizia que um outro padre Estevão, jovem, recém ordenado, havia sido transferido a outro local, ficando ainda por tempo indeterminado, alguém para administrar a capela da vila.

     O prefeito ficou por demais encafifado com o impostor. Quem seria aquele falso padre que se fazia passar pelo verdadeiro Estevão? Qual a verdadeira razão dele impor confissão semanal à população?   O que realmente estaria por trás desta ação do falso sacerdote? Algo muito suspeito pairava naquela situação. Foi aí que ele teve a ideia de entrar no alojamento que servia de quarto para o padre e vasculhar os pertences enquanto ele estava ocupado, trabalhando a cabeça das pessoas em confissão lá na capelinha.

     Iniciou-se no alojamento um verdadeiro vendaval, o prefeito não era nada cuidadoso e com pressa remetia as poucas coisas que encontrava, deixando tudo fora do lugar. Nesta busca não encontrou nada que desabonasse o até então ilibado padre. Resolveu confessar-se nesta mesma hora e pôr em pratos limpos toda aquela situação. Foi até a capela e esperou impaciente o momento de falar.

     Chegando perto do padre, revelou que sabia da falsidade ideológica que estava vivendo. Estevão empalideceu, sua face carrancuda se fez transparecer em face juvenil, igual criança pega em travessura e gelado como mármore, sem rodeios, revelou que estava ali por causa da jazida de ouro da qual era dono por herança e haviam sido roubadas as pepitas que conseguiu, em muitas garimpadas com esforço sobre-humano, num trabalho árduo e solitário. Tinha como plano fazer o próprio larápio confessar e fazê-lo devolver as pedras, daí inventou esse disfarce quando soube por parentes distantes que o novo padre não viria mais ocupar a capelinha.

     O prefeito, diante dessa confissão, arregalou os olhos e lembrou que tempos atrás, quando saiu a caçar pela mata, encontrou um saco com cinco pepitas de ouro junto a um córrego, parecendo que alguém havia ido banhar-se e ali esqueceu. Avarento que era, percebeu logo um caminho para mais rico ficar. Ofereceu parceria na exploração da jazida em troca de não revelar a verdadeira identidade de Estevão. O falso sacerdote não teve como driblar a proposta e aceitou de pronto ou isso ou a prisão.

     Logo no outro dia, o prefeito foi com Estevão, que se chamava na verdade Adamastor e chegaram cedo na mina. Observou o local e viu que ela era pequena e rapidinho poderia explorá-la com baixo investimento, o que lhe fez de pronto ter outra ideia. Muito egoísta, ofereceu comprar a parte de Adamastor e não revelar a falsidade ideológica do mesmo. Adamastor foi chantageado e aceitou a oferta, tentou convencer-se de não ter mesmo grandes ambições.

     Adamastor pediu que, até que o pagamento da compra da mina fosse concluído, ele pudesse ficar morando no barracão perto dela, uma vez que não poderia mais frequentar o vilarejo. Neste ínterim raspou a barba e passado um tempo já estava bem magro, em nada se parecendo com o personagem que representou.

     Na vila, todos sentiram falta do padre, mas não sabendo o porquê do sumiço, conformaram -se, e a vila ficou novamente sem sacerdote.

     Assim que Adamastor obteve seu novo visual, providenciou na vila um quartinho para alugar, e sem ser reconhecido, todas as manhãs ia garimpar na mina escondido do prefeito, metendo a mão na massa ficando com todas as pepitas que encontrava.

     Enfim, chegou o dia do pagamento total da parte de Adamastor pelo prefeito.

     Adamastor nada tolo, estava bem mais rico do que o prefeito supunha. Rapidinho virou homem rico e agora sim deixou a vila e foi para a cidade grande.

     O prefeito, ficou com sua ganância lá no vilarejo e até hoje se mantém no poder da prefeitura, fazendo o que se acostumou a fazer pelo lugar, nada.

 

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