A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Casa de Banhos - Helio Salema

 



Casa de Banhos

Helio Salema

 

Alguns amigos costumavam se reunir na casa de banhos. Combinavam para assim poderem continuar as conversas iniciadas dias antes. Cada um tinha um assunto preferido, negócios, política, família etc.

Inocêncio gostava de fazer comentários sobre outras famílias que não as dos amigos presentes. Falava como se aquelas não prestassem, não possuíam nenhuma qualidade. Parecia que às vezes ele exagerava ou até colocava defeitos. Aproveitava para exaltar a sua própria família. O que num certo momento um dos presentes cochichou no ouvido de alguém.

“E o porco falando do toucinho”

Granaildo colocava seus múltiplos negócios à frente de qualquer outro assunto. Dizia dos realizados, todos com sucesso, e os que pretendia realizar, obviamente com cem por cento de êxito garantido. Só não comentava sobre prejuízos, que ocorreram no passado, dele e os que ele causou aos outros.

Preventino pouco falava, mas ouvia tudo, atentamente. Um dia, por estar muito compenetrado, chamou atenção de todos, que se calaram e queriam saber o que ele pensava.

Diante do terrível silêncio e depois de muito meditar, resolveu atender aos amigos.

— Perto de onde moro, estão construindo uma enorme casa. Meu irmão ficou sabendo que um dos cômodos estava sendo reservado para a Casa de Banhos da família.

Todos acharam um absurdo. Preventino  completou:

— O mundo está mudando tanto que um dia o homem chegará na lua.

Todos riram e ao saírem alguém disse:

— Você já está lá.

Preventino ficou só.

Por um triz - Helio Salema

 



POR UM TRIZ

Helio Salema

 

Saí de casa caminhando até o supermercado, como faço, quase diariamente,

Além de comprar algumas coisas, nem todas necessárias. Também é o lugar onde encontro amigos. Dar pastos às vistas. Saber das novidades da cidade, das fofocas, ouvir e contar piadas. Fiz tudo isso sem pressa alguma.

Ao chegar na fila do caixa, uma senhora que aparentava pouco mais de vinte anos, bem vestida e bonita, mas em contraste, tinha o semblante fechado, quase hostil.  Mais parecia uma bruxa raivosa, preparando a poção da maldade.

Retirava os objetos do carrinho de maneira muito brusca.  Demonstrava um nervosismo exagerado.  Pegava do carrinho de qualquer maneira, acabava misturando alimentos com produtos de limpeza, uns sobre os outros na esteira, sem o menor cuidado. Como se fossem coisas sem importância alguma.

Um homem chegou bem perto dela, falou alguma coisa. Ela virou-se e respondeu gesticulando muito. Ele saiu e ela voltou a esvaziar o carrinho. Agora, mais apressada. Pouco antes de terminar, começou a discutir com a moça do caixa, que respondeu bem baixinho e calmamente, conseguindo convencê-la. Não sei exatamente o motivo da discussão, mas não devia ser importante, pois logo, pediu desculpas, continuou retirando as coisas do carrinho, apressadamente.

Fiquei pensando na amargura dessa mulher, no azedume que ela espalha por anda passa, e me senti até feliz em não a conhecer. Já a tinha visto fazendo as compras, e ela estava com a filha bem pequena, uns 4 anos. Mas, o fato de pouco se dedicar à criança, chamou minha atenção.

Durante todo este tempo, ela nem sequer se lembrou da criança, que brincava com as cestinhas do supermercado ao chão, muito compenetrada, e distante do caixa.  Arrumava-as de uma maneira, parava, e colocando as mãos na cintura dizendo alguma coisa, que eu não entendia. Gesticulava com as mãos e movimentava a cabeça, depois mudava as posições das cestinhas. Assim ia se repetindo. Como se ali só existisse ela, as cestas e o infinito. Interessante perceber a diferença de estado de espírito entre mãe e filha.

Ao terminar de esvaziar o carrinho, dona nervosilda, só então mostrou-se buscando com os olhos, a filha pequena. Sem perceber que ali estava não apenas uma criança, mas um ser, sem culpa alguma, do que aconteceu horas antes, no mundo louco e desgovernado dos adultos.

De repente a mãe foi até a criança e puxou-a pelos cabelos, depois lhe puxou as orelhas, numa atitude covarde e sem nexo.  Em seguida ela colocou à frente, segurou de modo brusco pelas mãos e saiu apressada atrás do rapaz que levava as compras.

Aquela atitude violenta da mãe buscou dentro de mim o que sempre tento esconder que existe, além de repúdio, a ira. Queria ter defendido a criança, ter pelo menos me mostrado contrário àquilo.

Por um triz não lhe disse um monte de besteiras, e chamei a polícia.

Mas não o fiz para não melindrar a menininha.

Fiquei por alguns minutos meditando naquela mãe tão grosseira e sem amor, Deus dá mesmo a carga certa para alguns carregarem?

Muitas mulheres grávidas pedem a Deus uma criança normal com saúde. Aquela mãe tinha uma filha perfeita, mas não tinha sensibilidade para usufruir daquele momento sublime.

Talvez, neste caso, a carga certa para carregar, Deus não tenha dado para a mãe, e sim para a criança.


JOÃO LOROTA - Henrique Schnaider

 


JOÃO LOROTA

Henrique Schnaider

 

Na grande praça de touros, idos de 1800 e nada, atual Praça da República. Era um dia com plateia cheia. Bem lá no meio do povão agitado, querendo ver sangue na arena, estava o João Lorota. Levava a fama de grande mentiroso. Devido a isso o apelido.

Ele era totalmente desacreditado, pois só contava histórias do arco da velha. As pessoas queriam ouvir o que ele tinha para contar, apenas para se esborrachar de rir.

O pessoal queria mais é ver o Touro Tan Tan enfiar aqueles chifres afiados no ventre do pobre toureiro. “Puxa, algo injusto”. Até parece que o touro era o herói, e o toureiro o vilão daquela batalha. O povo gritava, pega ele Tan Tan, pega ele Tan Tan. O João na concorrência, tentando arranjar plateia, falava, falava e falava, um papagaio.

Ele nem se interessava pelo que acontecia na arena onde a tourada pegava fogo. O que será que o João falava? Para ele quem ganhasse aquela luta não era nem herói nem vilão, situação sem interesse. O povo torcia e o João distorcia.

O touro Miúra muito bravo.  Foi ficando cada vez mais furioso. Raspava sem parar os cascos no chão cheio de pedriscos que pulavam para todos os lados. Rap, rap, rap. Os olhos eram de puro ódio, vermelho ardente. Verdadeiras centelhas de fogo do diabo.

O que deixava o Tan Tan cada vez mais irado soltando fogo pelas ventas, era o pano vermelho sangue, nas mãos do toureiro balançando para todos os lados, vamp, vamp, vamp. O povo, pega ele Tan Tan e o João aos gritos pedindo para o povo ouvir suas histórias absurdas.

João Lorota olhava para todos ali, esperando, esperando, esperando até alguém se dispor a prestar atenção. Paciente, apesar da gritaria, João um professor, queria dar a sua aula, afirmando com convicção e conhecimento:

– Este homem que tudo consegue, um guerreiro alado, este homem vai longe. Este homem vai chegar à Lua com certeza. Irá até lá numa nave que terá foguetes poderosos para levá-lo e depois trazer de volta.

Estará vestido com uma roupa especial para poder respirar e protegê-lo daquele lugar sem vida da Lua. Com certeza irá nos mostrar do que ela é feita. Voltará nas asas do seu foguete para contar tudo que viu lá e trazendo pedaços do satélite.  Vontade de ferro, vencerá todos os obstáculos.

Este homem estará lá no futuro. Ele ainda vai nascer daqui a muitos anos e muitos anos, filho de um casal de cientistas. Ele será chamado de astronauta. Será capaz de muitas coisas e de muitas coisas será capaz. Nós não poderemos presenciar esta façanha pois ainda vivemos em tempos muito atrasados.

Quem quiser acreditar pode acreditar, pois quem me ouvir verá a verdade. Não duvidem e nem riam de mim. Apenas eu vejo tudo com os olhos do futuro. Não sou um mentiroso, apenas eu tenho um pressentimento, que me deixa enxergar aquilo que vocês desconhecem.

Alguém do lado do João falou com ar de deboche:

– Esta história tem um cheiro de mentira -  e todo mundo riu. Deixando o João Lorota entre um sentimento de constrangimento e ressentimento. Foi embora dali, pois ninguém mais queria ouvir suas histórias.

Mal sabiam todas aquelas pessoas. Nem nós nunca saberemos. Como o João poderia saber, lá naquele passado tão distante, de tanta coisa que, dezenas e dezenas de anos depois, se concretizaria e tornariam verdade a história do João sobre a viagem a lua.  Só podemos dizer que ele era um visionário.

Sempre que ouvirmos alguém prevendo coisas lá no futuro. É bom a gente por um pé atrás antes de duvidar.

FREDDY Alberto Landi

 

FREDDY

Alberto Landi

 

Freddy, é funcionário do Parque Nacional de Redwood, jovem, aos 22 anos. O Parque está situado ao longo da costa norte da Califórnia. Monitora a preservação dos bosques de sequoias e controla a exploração madeireira.

Diariamente ele vai para o Parque. Mas um certo dia, ao passar nas proximidades da orla da mata, surgiu uma harpia, que inesperadamente arrancou o chapéu Panamá da sua cabeça. Foi pousar no galho mais alto de uma enorme e imponente sequoia localizada na ribanceira de um rio, dificultando assim para ele recuperar o chapéu.   

A harpia é considerada a maior águia do mundo pelo seu porte imponente. Ponta de bico afiada. Tendo ao redor do pescoço uma espécie de um colar de penas negras e cabeça adornada com um cocar cinza. Onde surge um conjunto de penas ainda maiores; tem força para levantar um carneiro. Essa, tinha um aspecto matreiro e lúdico. Na base da sequoia havia três galhos que formavam uma espécie de forquilha. Onde foi trançado um espetacular ninho formado por grossos gravetos.  A ave colocou o chapéu virado para cima e bem apoiado nos gravetos.

Toda vez que Freddy ia ao parque. Olhava para o ninho da harpia e constatava que nada poderia fazer, para resgatar o chapéu, tamanhos eram os emaranhados de galhos, e a altura daquela gigantesca árvore das margens dos rios e riachos.

Após algum tempo Freddy encontrou seu velho chapéu, amassado amarelado, e ao lado um filhote de harpia abandonado. Caídos aos pés da grande arvore. Levou a pequenina e quase desfalecida ave para casa e a alimentou com pequenos insetos. Colocou-lhe o nome de ARROW.

Com o tempo, Freddy e Arrow criaram um vínculo forte de amizade. Uma   afeição tão grande que não   conseguiam se afastar do outro.

Era até comovente de se ver: homem e ave sempre juntos monitorando o parque!

Freddy com seu velho chapéu Panamá tendo ao seu lado o mais novo e inseparável amigo. Uma amizade de seres tão diferentes, mas um amor tão visível que emocionava as pessoas que visitavam o Parque.

Mas certo dia, Arrow voltou para seu habitat natural, o bosque de sequoias, separando- se de Freddy. Ele entristeceu-se tanto que dava dó de ver. Seu ânimo para o trabalho e para a vida estremeceu.

Passado muito tempo Arrow resolveu visitar o velho amigo, e trouxe no bico 2 filhotes! Tão grande foi o contentamento de Freddy, ao vê-los no quintal de sua casa que logo pensou:

– O bom amigo a casa torna ainda com 2 filhotes, que alegria.

Freddy voltou a sorrir e levava todos ao trabalho. Era uma alegria que contagiava todos os visitantes do parque. Arrow deixou os filhotes para Freddy cuidar pois sabia que ele era o melhor. Mas algumas vezes retornava, para vigiar os pequenos.

Entretanto Freddy sabia que a qualquer momento os filhotes voltariam para seu habitat natural. Foram crescendo como o pai, lindos e fortes, mas o abandonariam para seguir sua natureza.

Mas desta vez ele veria este abandono como um crescimento, e um sentimento de missão cumprida. Exatamente como um pai se sente quando o filho sai de casa para construir seu novo lar...

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

    O cãozinho aventureiro Alberto Landi                                       Era uma vez um cãozinho da raça Shih Tzu, quando ele chegou p...