A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 24 de junho de 2020

O MUNDO FANTÁSTICO DE RONAR II - Henrique Schnaider





O MUNDO FANTÁSTICO DE RONAR II
Henrique Schnaider



À medida que os reptilianos foram se aproximando, o sonho se tornava realidade, derretiam-se todos, era um regalo, a terra prometida, em Ronar, explodia o peito de tanta emoção, finalmente a aspiração virou realidade, saíram do inferno para o paraíso, apressaram-se, queriam fazer parte daquela pintura em forma de terra.

Seguindo o rei, acharam uma região, onde iriam estabelecer-se, Ronar tomou a decisão, seria ali numa planície verde, a qual o rei denominou Romelândia, seus fiéis seguidores, os lêmures, logo arrumaram as tocas.

Tinham que construir os abrigos, primeiro do rei, depois, os deles, a felicidade transbordava nos corações dos reptilianos.  

Passaram vários anos de duzentos e cinquenta dias cada,  o tempo deixava a terra fascinante, mas não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe, certa ocasião, vindos de não sei onde, chegaram estranhos  armados, com evidente má intenção “um povo muito feio para os padrões dos súditos de Ronar, que os chamaram de cobróides” , uma mistura de cobras com humanoides.

Foram facilmente dominados pela rainha Amanba Negra e seus guerreiros, os reptilianos além de serem dóceis, não tinham armas para se defender, ficaram cativos e escravizados, tiveram que servir aos cobróides, a vida ficou triste e sofrida, aquele povo cruel, impiedoso, e sua rainha, a pior deles, ficava deliciada ao ver o sofrimento alheio.

Ronar, triste ao sentir na pele o que ele e os súditos passavam, o coração endureceu, pedra ficou, conheceu o ódio, a raiva, alimentava a vingança, com alguns aliados, começou a arquitetar um plano, para livrar os reptilianos daqueles que os massacravam.

Ronar não tinha noção do poder que possuía nas mãos, tomou conhecimento por acaso, quando ficou raivoso, expeliu raios terríveis, capazes de destruir aquilo que atingissem, atacou os cobróides que caiam às dezenas, aqueles que restaram, juntamente com Amanba Negra, fugiram pra bem longe de Romelândia.

A paz reinou para sempre, para Ronar e os súditos, quem quiser que acredite no que acabei de contar, mas é a mais pura verdade, eu estava lá, nasci há cinco milhões de anos.



terça-feira, 23 de junho de 2020

Os Anclópdes e a raça Lemúrica - Ana Catarina Sant’Anna Maués




Os Anclópdes e a raça Lemúrica
Ana Catarina Sant’Anna Maués



Uma pequena equipe de Anclópdes conseguiu partir antes da destruição do planeta onde habitavam. Foram cinco os tripulantes, que escaparam da tragédia e perceberam-se com o desafio de buscar uma nova terra para conservar a civilização ora extinta pelo choque de um meteoro, cuja chegada não pôde ser prevista e apenas, o fatídico choque identificado, momentos antes. Foi por um acaso que se salvaram, na verdade já estavam na plataforma de lançamento, para mais uma viagem de estudo do buraco de minhoca recém descoberto pela equipe de pesquisa avançada do cosmo Anclópde. Buraco de minhoca é um caminho de dimensão fantástica, que conecta locais distantes no universo, uma espécie de atalho através do espaço-tempo. O pequeno grupo, desolado, assiste do visor da pequena nave a gigantesca explosão que iluminou por segundos o universo de Anclo, lar desta civilização por milênios.     

   Na estreita nave que corria em altíssima velocidade sem rota definida, em direção a outro universo, absolutamente desconhecido, o pequeno grupo convivia improvisando. Não poderiam ficar por tempo indeterminado ali, devido insuficiência de recursos. O gás usado como alimento, armazenado em cilindros de alta pressão, logo acabaria. Precisavam encontrar um planeta para pousar, que tivesse atmosfera semelhante a Anclo, densa, como névoa ígnea, parecida ao período Éon Hadeano do planeta, vizinho deles, Terra. A crosta precisava estar iniciando a solidez, para habitarem essa parte mais firme, porém ainda com uma grande área em fusão, de forte ebulição, pois eram desses gases que se alimentavam e também o que faziam reproduzir-se. Os anclópdes não passavam pela fase infantil ou adolescente em seu desenvolvimento como era comum nos demais astros por eles já estudados. Eles tinham um sistema assexuado de reprodução. Viviam vinte anos e após este tempo inchavam-se de gases e expeliam como que clones de si próprios. Do anclópde originário, aquele que produziu o clone, restava uma grossa casca oca, como pele morta, semelhante ao processo de perda da pele nas cobras e serpentes do planeta, ao qual para estudo sempre se comparavam, Terra.

Grande conforto, sentiram, quando o radar detectou nas proximidades, um gás conhecido por eles. Os controles da nave foram então ajustados e com a precisão no cálculo, a nave saiu do caminho de minhoca e avançou em direção ao corpo celeste que exala o dito gás.

Após atravessarem a película protetora do planeta encontrado, aterrissaram, mas desconheciam a denominação do astro, pois ainda não estava catalogado no mapa galáctico que possuíam.

O solo com erupções ardentes era tudo o que eles precisavam. Saíram da nave sem proteção facial, sentiam-se em casa. Porém olhos curiosos os espreitavam. O atual planeta era habitado por seres translúcidos, sem massa corpórea. Estavam assustados com aquela aparição, eles não entendiam a matéria.

Já haviam se passado algumas horas, em contagem terrena, porém permaneciam os cinco tripulantes desconhecendo que o planeta era habitado.  Os donos da casa esse tempo todo, não se atreviam buscar uma aproximação. Esperavam a decisão do conselho a que eram submetidos. O conselho encontrava-se a quilômetros de distância do local do pouso da nave. Os cinco julgando-se sozinhos aproveitavam para realizar pesquisa e conhecer mais a terra recém descoberta. Até que certo momento um deles sugou para a cápsula de coleta um habitante e colocando no B13116, aparelho sofisticado de escaneamento e aí pode detectar que aquilo tinha vida. Os outros seres que presenciaram o aprisionamento do colega, ficaram revoltados, mas sob o comando de um outro, frearam a cólera e aguardaram as instruções, pois o conselho acabara de chegar. Neste mesmo momento um dos cinco completou o tempo de vida e foi repousar próximo a um lago fumegante de gases, ali próximo, para encher-se de argônio, hélio, neônio entre outros, para que desse vida ao seu clone, o que aconteceu numa questão de segundos. O clone surgiu, a casca que lhe deu origem ficou exposta, tudo isso sob o olhar perplexo dos membros do conselho e do líder. Este, sem entender, mas curioso do que acabara de ver, entrou na casca e tomou a forma do morto.
  
Dentro da nave o tripulante tenta contato com a vida que descobriu. Corre ao banco de dialetos intergalácticos buscando identificar as palavras pronunciadas pelo ser. O clima de descoberta reinava tanto dentro quanto fora da nave.

 O líder agora com a casca feita de corpo, tenta um contato.

Foi uma surpresa impactante tanto dos habitantes, quanto dos cinco tripulantes essa dupla descoberta. Depois de escutar sobre a destruição de Anclo e sobre o modo como se alimentavam e se reproduziam, eles pediram que pudessem usar a carcaça abandonada, quando fossem dar surgimento a um clone e assim os dois povos, resolveram conviver. Os Lemúricos finalmente teriam um corpo e em contrapartida eles permitiriam que os anclópdes se alimentassem dos gases do planeta.



Missão avassaladora - Hirtis Lazarin




Missão avassaladora
Hirtis Lazarin


Num ponto estratégico e inóspito do Oceano Pacífico, após uma tempestade que durou uma sequência ininterrupta de dias e um ajuste de placas tectônicas jamais imaginado, emergiu uma pequena ilha.  A atmosfera que a envolvia era tão densa e pesada que a impressão era que um enorme bolo de casamento flutuava.  Mas o calor abrasante do sol tão logo a dissipou e o que se viu foi um pequeno terreno coberto por  crosta dura e sólida.  Era notória a inexistência de qualquer ser vivo.  Uma fortaleza de rochas gigantes e robustas rodeavam a ilha protegendo-a dos ventos impetuosos que incentivaram o mar bravio a atacá-la.

A luz e o calor solares somados às chuvas contínuas foram transformando aquele pedacinho de mundo.  Brotinhos de relvas curiosas, escondidas entre blocos de pedras, espiavam o que havia aqui, no lado de fora.  Arbustos rasteiros espalhavam-se e o verde "dégradé" coloriu a paisagem cinzenta.  A vida brotava ali.

E foi numa noite chuvosa e escura que duas naves espaciais aterrissaram na ilha, trazendo um punhado de seres estranhos.  Seres alongados e de cor acinzentada; rostos finos e triangulares ressaltavam  olhos negros que nunca se desligavam, dois faróis que escondiam mistérios em sua profundeza intrigante.  A testa larga protegia cérebro inteligente de raciocínio rápido.

O pouso na ilha não aconteceu por acaso.  Era um plano bem elaborado e uma missão a cumprir sob o comando de Wolok, grande pesquisador geneticista que já desenvolveu, com êxito, muitos experimentos.

Wolok estudou o planeta TERRA e concluiu que enfrentaríamos problemas gravíssimos num futuro bastante próximo.  E não sobraria pedra sobre pedra.  Os que nos comandam escondem-se atrás de uma cegueira proposital.

O desmatamento descontrolado, a poluição dos rios e mares, o acúmulo de resíduos não degradáveis, o aquecimento global, a extinção de animais e espécies vegetais; tudo isso somado ao crescimento desenfreado da população, cidades superpopulosas, o idoso vivendo cada vez mais e produzindo cada vez menos e o cultivo e preparo de alimentos insuficientes para abastecer a população mundial.  Um planeta sem conserto.  Um delírio sem volta.

Sob orientações precisas de Wolok instalou-se na ilha um centro de pesquisa trans-humanista.  A missão era disseminar no planeta, por contágio aéreo, um vírus-vetor já criado em laboratório.   O objetivo era atingir dois alvos: o maior número possível de mulheres e torná-las estéreis; e levar a óbito os idosos com enfermidades pré-existentes.

O vírus sobreviveria dez anos, tempo suficiente pra que a Terra  solucionasse seus maiores problemas e oferecesse  vida digna aos  seus habitantes..

E, foi numa noite de lua cheia de beleza que um pequeno objeto voador, deixou o interior da nave espacial,  sobrevoou o planeta Terra e espalhou o vírus por todos os cantos. 

Horas depois, duas naves deixam a ilha.  Missão cumprida.


terça-feira, 16 de junho de 2020

Leméria - o planeta - Hirtis Lazarin




Leméria - o planeta
Hirtis Lazarin


Leméria é o menor planeta da galáxia Andrômeda, iluminada pela estrela Syrius, de um brilho azulado e exuberante.  É habitada por seres pequenos e de coloração verde.  Nos rostos magros e afilados, chama atenção a presença de dois faróis negros, olhos protuberantes e desconfiados.  A testa larga protege um cérebro inteligente e de raciocínio rápido.

Era um dia comum quando se percebeu que os ponteiros dos relógios dispararam fazendo o tempo correr.  Os dias somados às noites reduziram-se a apenas cinco horas.   A temperatura, sempre amena, aumentava gradativamente.  Telescópios gigantes e de máxima precisão mostravam que a estrela Syrius deslocava-se no espaço, aproximando-se cada vez mais do planeta.  O calor insuportável levantava ondas de vapor dos rios e mares, formando densa névoa acinzentada misturada a uma poeira agridoce sufocante.  Era um fenômeno que abrangia todos os cantos.  Não havia onde se esconder.  Animais definhavam e desistiam da fuga.  Esparramados pelo chão, inauguravam verdadeiros velórios negros atacados e consumidos por bando de urubus esfomeados.

Mares recuados das orlas ofertavam o lixo engolido.  Eram destroços de satélites, naves, peças de experimentos que fizeram parte de explorações espaciais.

O céu azul escondia a chuva e a crosta da terra, antes fértil e produtiva, tornava-se mais dura e sólida.  As plantas desmaiavam ressequidas.

No alto das montanhas, o interior do planeta abria-se, gritando por "LIBERDADE".  Vulcões já extintos ou adormecidos ejetavam, furiosamente, magna, gases, partículas ferventes.  Um tsunami em ebulição engolia e destruía tudo que aparecia à sua frente.  Corpos desfalecidos transformavam-se em bolas de fogo que se desfaziam em nuvens de cinzas...

A glamourização, o fascínio pela tecnologia, pelas conquistas espaciais levaram o povo " lemeriano" a uma cegueira crônica. 

Roubaram-lhes os sentimentos que brotam do coração.  

Tornaram-se obcecados por viagens pelo espaço, pelas descobertas, pelas conquistas e pela supremacia sobre novos povos.  Enquanto isso, milhões de problemas, tão perto e tão simples, padeciam sem solução.   A falta de consciência isentava-os da culpa. 

Mas não havia volta. Não cabia arrependimento... Restou destruição.

Uma raça foi extinta, e o planeta "Leméria" desfez-se na imensidão do cosmo.

A TERRA DOS SONHOS - Henrique Schnaider




Família de Lêmures.jpg

A TERRA DOS SONHOS
Henrique Schnaider



Lemúrica antigo Continente, cujo nome, vem dos animaizinhos, lêmures que proliferavam naquela época, cujos possuíam enorme capacidade de locomoção; e dos humanoides reptilianos, dotados de inteligência avançada, capacidade física avantajada, eram doces, e para eles o mal não existia. Juntos com os bichinhos, percorriam longas distâncias, numa caminhada infinita, mas nunca atravessavam os oceanos.

Nossa história, se passa nesta época do Continente em formação, explosões gigantescas, magma fervente, placas tectônicas em constante formação e movimento, sobrevivência nestas circunstâncias, seria, para poucos super-heróis.

No meio deste inferno de Dante, existia uma raça de reptilianos, meio répteis e meio humanos, possuíam quatro braços e três olhos, dois na frente e um na nuca e como todo ser anfíbio, eram bons, tanto na água como na terra, para se manterem vivos, estavam em constante marcha, pois em lugar nenhum, havia segurança, ora um mar de lavas, explosões e movimento das placas, bastava um deslize, seriam engolidos por um turbilhão em rodamoinho.

O rei dos reptilianos Ronar, conduzia seu povo com maestria, sempre os livrando, das tragédias constantes, seguiam em frente, acompanhando, confiando no seu líder, que os levaria para a terra prometida, nos sonhos de Ronar, lugar dourado um paraíso, um mar de calmaria.

Determinado dia o rei sentiu, o coração no meio de uma nebulosa névoa de maus pressentimentos, deu ordens de partirem imediatamente, o sonho virou realidade, rochas enormes, rolando como pequenas bolinhas, água fervente, temperatura insuportável, partiram com rapidez, mestres da velocidade, escaparam por um fio de cabelo.

Chegaram a um lugar que aparentava um pouco de tranquilidade, acamparam para descansar da pesada jornada. Ronar foi tomado por profundos pensamentos e temores, será que a terra prometida era apenas um sonho?

Não queria desistir, não aceitava a derrota, descansaram o suficiente, foram em frente, os reptilianos e seus amiguinhos lêmures, numa jornada que desta vez durou por dez dias ininterruptos, avistaram um lugar distante, suas esperanças renasceram, será que finalmente estariam chegando a terra dos sonhos?
  


quinta-feira, 11 de junho de 2020

Pernas, pernas para que te quero altas? - Ana Catarina S. Maués



Hamburgensien, Estátuas, Escultura

Pernas, pernas para que te quero altas?
Ana Catarina S. Maués



          Os irmãos Pimpolho e Cipó eram muito caçoados na cidade em que moravam por serem mais que baixinhos, eram anões.

           Todas às vezes que precisavam sair até uma padaria ou ao comércio escutavam risadinhas e tinha aqueles, mais atrevidos, que chegavam perto para constrangê-los com palavras ofensivas.

           Um dia os irmãos se revoltaram e foram para trás da montanha que circundava a cidade, pensar numa solução ao problema.

           Ao mesmo tempo tiveram a ideia de construir pernas postiças.

           Iniciaram então a grande obra. Começaram a subir de tamanho, mas não entravam em acordo qual tamanho era o ideal, e assim eles cada dia colocavam um degrau na perna de pau, até que ficaram mais altos que a montanha. Estavam tão altos que olharam a cidade como se fosse de brinquedo.

            Os habitantes reconheceram os irmãos e ficaram apavorados pensando que tivessem se transformado em gigantes e pediram clemência, que não destruíssem a cidade. Eles então disseram que nenhum mal fariam se parassem de caçoar deles.

             E foi assim que eles voltaram para casa, não foram mais desrespeitados, porém vez por outra, iam até a montanha, subiam nas pernas de pau e davam uma voltinha, por trás da grande colina, escondendo o truque, só para que todos na cidade lembrassem da promessa.


quarta-feira, 10 de junho de 2020

A BRAVURA DE JANJÃO - Do Carmo



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A BRAVURA DE JANJÃO
Do Carmo



Estamos vivendo um período de imenso isolamento em reclusão, o que me aborrece deveras. Gosto de conviver com meus amores e amigos, tomar cafezinho às tardes, como nosso hábito entre as amigas do prédio, cada dia em um apartamento, com acompanhamentos bem leves, ou seja, bolos recheados, bolachinhas com patês ou geleias e assim por diante.

Com essa apatia diária, comecei a bisbilhotar pela varandinha, os movimentos dos apartamentos vizinhos e da rua.

Fiquei conhecendo um homem andarilho, que apesar de sua aparência peculiar ao seu estilo, mostra-se educado com os poucos transeuntes, carinhoso com os cãezinhos que passeiam com seus donos, e sorrindo sempre, caminha vagarosamente amparado com uma muleta, pois tem uma improvisada perna de pau.

Hoje por volta das onze horas, como ultimamente tenho feito, depois do café da manhã, debruço-me no parapeito da varandinha e já espero ver o cadenciado andar do Janjão, como o apelidei.

Esperei como sempre até que ele desaparecesse do alcance do meu olhar, e fui cuidar de meus afazeres.

Qual foi minha surpresa ao ouvir gritos vindos da rua, onde se misturavam vozes de jovens e de adulto, e como fundo, uma de criança.

Rapidamente, voltei à varanda e com espanto vi o Janjão segurando um menino pelo braço amparando-o, querendo salvá-lo dos murros e pontapés de dois garotos, muito maiores do que ele.

A indignação do andarilho era comovente, pois advertia em voz alta, com propriedade e sabedoria, porém de nada adiantava. O que fez os malvados se acovardarem foi quando, num impulso de defesa, Janjão curvou-se, puxou sua perna de pau e como espada a empunhou em direção aos agressores, que dispararam em retirada.

Sentados na calçada, acarinhava o pequeno agredido e por alguns minutos, ainda fiquei vendo essa cena comovente.

Quando me refiz da emoção e voltei à varanda, já não estavam mais lá.



Barba Ruiva - Hirtis Lazarin




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Barba  Ruiva
Hirtis Lazarin



Suspeito e poderoso navio
Singra veloz o furioso mar
Enfrenta qualquer desafio
Quando a ordem é atacar.


Marinheiros a postos
Disparam canhões
Desfiguram-se rostos
Perdidos em explosões.


O alvo desatento
Rende-se ao ataque
Ao inimigo sedento
É hora do ataque.


A turba enfurecida
Carrega muito ouro
Após idas e vindas
Acumula um tesouro.


Ratos famintos, predadores
Matam, queimam, destroem
Epidemia de horrores.


Barba Ruiva
Capitão pirata
Lenda viva
Não é bravata.


"Eu sou o pirata da perna-de-pau
Dos olhos de vidro
Da cara de mau."


O PERNA DE PAU - Henrique Schnaider




O PERNA DE PAU   
Henrique Schnaider



João nasceu anão, a vida não foi fácil para ele desde pequeno, seus pais também eram, lutavam com muita dificuldade, para conseguir trabalho, sempre iam parar, em algum circo ou viviam de bicos.

Tinham que morar numa casa adaptada, casinha de bonecas. Até os seus primeiros passos, João custou a aprender com aquelas pernas curtinhas, pelo menos o tombo era perto do chão.

Arrumar amigos era problema para o pobre do João, com seu tamanhinho, as crianças vizinhas tinham o pé atrás com ele, já que era mais motivo de piadas, do que de amizade, “tampinha de garrafa, anão de jardim, amostra grátis, chaveirinho, cotoco”. Mas com o tempo, alguns garotos acabaram se afeiçoando a ele, tornaram-se amigos.

João adorava brincar de perna de pau, feitas pelo pai, o menino mostrava uma facilidade incrível com aquelas perninhas, deitava e rolava, os amigos ficavam bobos de ver tamanha habilidade, ganhou o respeito de todos.

Passou pela adolescência, chegou à idade adulta, sem muitas mudanças na vida, cresceu pouco, o mundo continuava grande ao seu redor.

Estudou primeiro e segundo graus, não sentiu ânimo de ir frente nos estudos, quem iria contratar um toquinho de gente?

Incentivou os pais a irem, junto com ele pedir emprego, num circo que passava na cidade de Paripueira, próxima a São Luís do Quitunde, onde moravam, a trezentos quilômetros de Maceió.  

Lá foram eles, falar com o dono do circo, próximos, viram aquela lona vistosa, surpresa, o circo pertencia a sete anões, sentiram-se em casa, o chefe dos sete, era Carlos, o zangado, topou contrata-los, a Companhia era quase só de anões. Os pais iriam trabalhar na coxia, o rapaz deu um show com as pernas de pau, daí o apelido do mesmo nome. Zangado ficou encantado, disse que ia preparar um número de picadeiro só para ele.

Incorporaram a vida ao circo, foram em frente, de cidade em cidade, até chegarem a Maceió, capital do Sergipe. No circo João conheceu Cidinha, anãzinha graciosa, se encantou, adorou o jeitinho faceiro dela, ela por sua vez, se deixou encantar.

Algo imprevisto acontece, eis que chega o inimigo invisível, nada mais nada menos, do que o Corona Vírus, acabaram as apresentações, o circo ficou às moscas, todos os membros do circo ficaram sem trabalho, vivendo de doações. O futuro ficou nebuloso, ninguém sabe qual será.



quinta-feira, 4 de junho de 2020

CAIU DO CÉU Hirtis Lazarin




CAIU DO CÉU
Hirtis Lazarin



Um grito exuberante de dor assustou o dia que amanhecia calmo e preguiçoso.  Depois de uma noite inteirinha de sofrimento, Poty deu a luz a um menino exageradamente comprido e robusto.  Uma gravidez difícil e problemática que fez a parturiente, miúda e atarracada, permanecer em repouso absoluto nos últimos quatro meses, tamanho era o peso que carregava no útero.

Fogo Ligeiro crescia mais rápido e mais forte que outros curumins da aldeia.  As pernas longas tornavam-no veloz feito um alce em fuga desesperada a safar-se da fera faminta. Curioso e observador, descrevia, em detalhes, as cores das penas de cada pássaro que sobrevoava as redondezas e, nas andanças solitárias pela mata, sempre descobria novas espécies de flores.  A cor, o colorido encantava-o.

Atrás dessas habilidades escondia-se um indiozinho medroso.   Desaparecia como rolha de champgne em explosão quando tivesse que participar de caçadas ou pescas. O seu medo amarelava só de ouvir a palavra "piranha".

O pai, índio corajoso, vivia brigando com o menino: não se conformava com esse seu jeito de ser.  Mas a mãe, desde sempre percebia que os olhinhos do filho faiscavam de alegria quando lambuzava as mãozinhas com tintas usadas na pintura dos corpos.  E os dedinhos compridos e buliçosos nunca se aquietavam, sempre riscando e pintando paredes, ou até mesmo o chão de terra batida.

Com o tempo, retas e curvas se aperfeiçoaram, linhas dispersas se encontraram e foram se transformando em desenhos perfeitos; novos traços, novas formas, novas cores foram aparecendo.  Do chão batido, os desenhos saltaram pra pedaços de esteiras de palha tecidas pelas índias. E o menino não mais se assossegava; novas ideias, criatividade fervilhando dentro daquela cabecinha irrequieta.  Fogo Ligeiro não cabia mais no espaço em que vivia.   Seu dom extrapolava tudo que o cercava.  Seus anseios e questionamentos não encontravam respostas.  Vivia insatisfeito e infeliz.

O dia mal começara quando os índios acordaram com um bimotor sobrevoando insistentemente a aldeia.  O avião perdeu altura e o piloto, com destreza e precisão, pousou numa clareira próxima à aldeia Guairirá.  Armados de arco e flecha, os índios cercaram a aeronave.  O território só poderia ser acessado com autorização do governo e aprovado pelo cacique.

O piloto foi o primeiro a descer acenando um lenço branco.  Atrás dele vieram o copiloto e um casal de turistas.  Entre os índios, alguns se comunicavam com um português rudimentar; foi, então, possível entender que o pouso foi forçado por pane elétrico no motor.

A permanência dos homens brancos na comunidade prorrogou-se por uma semana e três dias, tempo gasto desde que um helicóptero trouxe dois mecânicos ao local.  Durante esse convívio não planejado, a turista paulistana não só se encantou com a cultura e a vida pacífica dos guairirás, como constatou que, entre eles, havia um menino prodígio. Um menino que nunca teve contato com o mundo da arte, era um artista nato, puro, isento de qualquer influência.  Um dom que não se explicava, um dom que se aceitava e valorizava.  E foi o que essa santa senhora fez.  Trouxe pra aldeia, além de professores, todo material que o indiozinho necessitaria pra se desenvolver.  Uma mecena em pleno século XXI.

Fogo Ligeiro pode, então, expressar toda sua imaginação, toda sua criatividade, toda sua excentricidade.

Já participou de várias exposições pelo Brasil, ganhou alguns prêmios importantes e sua renda é empregada para aprimorar sua arte e melhorar a vida de seu povo.



O pra sempre, sempre acaba Hirtis Lazarin



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O pra sempre, sempre acaba
Hirtis Lazarin


Quem diria que aquela garotinha se transformaria numa jovem inconsequente e odiada por tantos?  Uma garotinha que chegou a esse mundo pra trazer esperança, alegria e vida a um casal que a aguardou por mais de oito anos?  Uma garotinha mimada que cresceu não num quarto infantil rodeada
 de brinquedos, mas num aposento de princesa.
Ana Vitória descobriu bem cedo que tinha superpoderes naquela família.  Usou e abusou deles...

Aos quatro anos, quis muito o balé.  Mas não entendia que bailarina não combina com pratos de macarronada acompanhados de brigadeiros.  A sapatilha de ponta sofria cada vez em que era obrigada a acomodar aqueles pezinhos gorduchos e desengonçados.  Vi muitas e muitas delas descartadas no lixo, boca aberta pedindo socorro.  A desistência só aconteceu depois de uma queda roliça no “PLIÉ".

Na adolescência foi a vez do piano.  "Quero um piano.  A Julia tem piano.  Adoro o som do piano.  Quero também tocar piano.  O desafio durou alguns meses.  Professores?  Vários.  Impossível tolerar tanto capricho e nenhum talento.

Depois veio a pintura e outras artes...  Eu me angustio quando me lembro daquele corpinho jovem carregando uma menina que não sabia ouvir não, que esperneava se contrariada.  Pais batendo a cabeça nas paredes e cheios de culpa quando o erro foi amar demais.

Ana Vitória não se dava por vencida.  A mente criativa e alerta, um farol em meio escuridão do mar, criou um perfil falso nas redes sociais, uma rede de intrigas e fofocas que se tornou a brincadeira mais gostosa de jogar.  Misturava verdades e mentiras, um jogo de xadrez onde movimentava as peças ao bel-prazer.  Criar conflitos, brigas, inimizades era muito divertido.

Além de cuidar da vida dos colegas, mirava também a vida dos vizinhos.  Da janela do seu quarto de frente pra rua e protegida por cortinas fartas, ela via, ouvia e arquitetava planos.  Bisbilhotar era o verbo que movia suas ações o que lhe causava imenso prazer.  Não se importava com a fama que já alcançava distâncias.

Era uma noite chuvosa.  Ana Vitoria abriu parte da janela para o último cigarro.  A rua arborizada cobria-se de folhas soltas pela ventania passageira.  Um carro com faróis desligados apontou na esquina.  Deslizava silenciosa e morosamente; parecia a procura de algo.  Ela apagou o cigarro e esgueirou-se atrás da cortina.  Não poderia essa oportunidade de ouro, uma boa história pra espalhar.  Do seu jeito, é claro!  O carro parou onde havia sacos de lixo empilhados à espera do coletor.  O motorista olhou pra todos os lados e abriu a porta.  Um ouvido bem atento quanto ao de Ana ouviria o “tec” da maçaneta da porta assim que foi acionada.  Isso não aconteceu.  Ele desceu, certificou-se da solidão da rua, tirou uma mala grande do banco de trás e dispensou-a em meio ao lixo acumulado.  Ao retornar ao veículo, relâmpagos simultâneos fotografam detalhadamente o rosto do rapaz.  Ana sufoca um grito antes que ele denuncie sua presença.  Ela conhece o homem que, sorrateiramente, desaparece na escuridão.  Impressiona-a a sutileza e o cuidado dele ao abandonar aquele fardo.  Aquilo não lhe cheirava bem.  Ali rolava um mistério.

Uma chuva pesada desabou.  Ela reacendeu o cigarro não fumado.  Mil pensamentos... O primeiro foi sair e abrir a mala.  Caminhou até a porta da sala e abriu-a cuidadosamente.  Já estava na sacada quando desistiu.  Ainda bem que o bom senso nessa hora venceu a curiosidade.  Tentou dormir, mas como?  Pegou o telefone e ligou ao serviço de emergência policial e fez denúncia anônima.  Sua ansiedade só foi acalmada horas depois quando o carro policial estacionou em frente ao endereço denunciado.  A mala foi arrastada até o poste mais próximo.  Dentro havia o corpo de uma mulher.  Só foi retirado quando o sol já estava alto com autorização da polícia técnica. 

Durante as investigações muitos moradores da rua foram convocados pra depoimento, inclusive Ana Vitória.  Um conflito enorme martelava sua cabeça.  A fama de fofoqueira, de inventar e distorcer fatos e brincar com a vida das pessoas conspiravam contra ela.  Não teve coragem de contar a ninguém o que viu.  Essa decisão custou-lhe noites e dias de tortura.  E numa dessas noites em que não conseguia dormir, acendeu a luz e displicentemente buscou um livro na estante.  Um deles veio ao chão aberto na página treze.  E ali estava escrito entre outras coisas: "Síndrome de abelha: tem gente que pensa que é rainha, mas é apenas um inseto".  Ana Vitória leu e escreveu essa frase mil vezes.

Hoje, é na terapia intensiva que Ana Vitória busca forças pra se libertar do prazer que o vício da fofoca lhe proporciona.  E quem sabe, esclarecer o assassinato da mala.


O trem partiu no horário - Hirtis Lazarin





10 Melhores hotéis perto de Trem de Passageiros da Estrada de ...


O trem  partiu no horário
Hirtis Lazarin


                                     "Atenção, passageiros e passageiras
                                     bem-vindos ao novo trem paulistano.
                                     Tenham todos uma boa viagem!"

Eu era o trem das novidades
Nada igual a todos os outros.
Colorido, animado de verdade
Jamais esquecerei minha primeira viagem.

                                                           Eu e o maquinista Joaquim
                                                           O maquinista Joaquim e eu.
                                                           Eu e o maquinista Joaquim
                                                           O maquinista Joaquim e eu.

Cheirava a tinta nova, nenhum ruído fora do Lugar.  Corria macio sobre trilhos, nenhum defeito pra atrapalhar.
Lá ia eu, destino certo, terra, serra e mar.
Já deixamos a primeira estação tão longe, tamanha era a vontade de chegar.
Um entra e sai de passageiros, cada um com histórias pra contar.
Já aconteceu de tudo nesse tempo que eu nem vi passar.
Levei a moça dengosa com roupa de noiva, pro rapaz que queria casar; entreguei o filho fugitivo, arrependido, que não parava de lastimar; vi a mulher miúda, abatida esperando o marido que nunca quis chegar.
Coisas engraçadas também gosto de lembrar.  A vaca holandesa esparramada nos trilhos tirava um cochilo, teimava em não acordar.
                                                            Era um puxa pra cá
                                                                    um puxa pra lá
                                                                     um puxa de cá
                                                                     um puxa de lá.

E a danada, por birra, não saía do lugar.
Era gente zangando, tinha hora pra trabalhar; era criança torcendo pra vaquinha ficar.
Foi o Seu Toninho, jeitoso como ele só, alisando-lhe o focinho, deu um pulo, liberando nosso caminho.
Houve a noite da agonia.  Espalhou-se nuvem pretinha, fez o dia virar noite, confundindo até as galinhas.
"Meu Deus do céu!  Bem que o pastor avisou e foi difícil acreditar.  Rezem meus filhos, o mundo vai se acabar."
Gente nos bancos subia, gente sob os bancos se escondia; mães desesperadas recolhiam os filhos sob asas improvisadas.  
Lá fora, a coruja se protegia, 
o relincho exagerado do cavalo
punha em fuga a cotovia.
E chovia...Chovia...

Trabalhar com amor era nosso lema e driblar todo e qualquer problema.
Mas...
          Tudo acaba um dia.
          O maquinista Joaquim e eu estamos hoje aposentados.
          Ele vive no conforto da família.
          E eu?  Coitado!  Sou ferro velho enferrujado.



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