A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

MAL ACOMPANHADO - HIRTIS LAZARIN

 

                                                         


                       

MAL ACOMPANHADO

HIRTIS LAZARIN

 

O homem abriu os olhos gemendo de dor.  Acabara de levar um chute no tornozelo.  Era assim que o cobrador de ônibus acordava o último passageiro no ponto final da linha.

Sonolento, Joca saltou do coletivo num pulo de mal jeito.  A coluna vertebral não gostou e respondeu com um "ai" dolorido.

Além de atravessar a cidade de oeste a leste, ele tinha que enfrentar uma caminhada de mais de meia hora.

A noite estava gelada, escura e silenciosa.  Até o boteco da esquina, onde, todo dia bebericava algumas doses de cachaça com conhecidos, quase não pega aberto.  

Olha no relógio e já são vinte e duas horas.  Estava mais tarde que de costume.  Postura envergada, menos pelos anos já vividos e muito mais pelos maus tratos da vida difícil.  Nordestino, semianalfabeto, passa os dias misturado e confundido com tijolos e cimento, aturando a prepotência e indiferença do mestre de obras.  Joca já imobilizou dezenas e mais dezenas de palavrões na garganta porque depende destes tostões pra sobreviver.

Olhos tristes, passos pausados e monótonos, caminha solitário.  O silêncio é interrompido pelo som de passadas vindas de trás.  Para, olha e procura.  Não vê nada.  Um breu só.  As luzes dos postes esqueceram que já era noite.

Joca sente um frio gelado e a sensação de que um vulto passou pertinho de seu corpo. Encolhe-se arrepiado. " Bobagem, sou cabra macho.  Só tô cansado demais.  Ou será que é a saudade de "mainha?  Ainda bem que consegui chegar a tempo pra  vê-la e abraçá-la antes da sua partida."

Caminha mais um quarteirão e as passadas voltam.  Antes um plact...  plact... vagaroso,  agora um ploct, ploct  rápido. Ele muda de calçada.  Os sons acompanham-no.   E, ainda, falta um bom pedaço de caminho pra Joca chegar em casa.  A boca seca tem gosto de jiló e um fio gélido percorre sua espinha.

A rua continua um deserto de gente.  De vez em quando um carro,.. Uma coruja mal agourenta pia estridente escondida nos galhos do manacá corpulento e florido.  Um gato morador de rua abandona o esconderijo e desaparece enlouquecido.  "Que noite é essa, Padim Ciço"!

Joca não controla mais a respiração.  Gotas aflitas escorrem-lhe pelo rosto sem cor. Era uma tremedeira só.  O sertanejo, que não temia nem o diabo, fraqueja e sente vergonha.  Não anda nem pra frente nem pra trás.  Cai sentado no meio fio.  Flexiona as pernas e esconde o rosto entre os joelhos.  Posição fetal que geme, que busca proteção.  Ouve, então, a respiração ofegante de alguém bem próximo e, logo em seguida, o tec... tec... de um gatilho.  Espera a morte.  Era seu último momento de sobrevivente num chão áspero e sujo.  Enche os pulmões e grita como nunca gritou antes.

Uma caneca de água gelada alivia-o desse sofrimento.  "Vai pra casa,  Joca.  Toma um banho e livra-se dessa ressaca!"  Grita, o dono do boteco.

 

ENCONTROS E DESENCONTROS - Henrique Schnaider

 


ENCONTROS E DESENCONTROS

Henrique Schnaider



Rubens era casado com Mirna há dez anos, se conheceram nos tempos da faculdade. Estudavam na mesma classe do curso de medicina, era um sonho para ambos aquela carreira, estavam no último ano para conseguir aquilo que consideravam a missão sagrada de ajudar as pessoas doentes a enfrentarem seus males e se curarem.

Ainda calouros no curso, ambos trocavam olhares interessados, depois de algum tempo, Rubens querendo namorar, tomou a iniciativa de convidá-la para sair. O tempo se fez de cupido, quando viram estavam completamente apaixonados, a lascívia os dominou, loucura, explosão da paixão.

Antes mesmo de se formar foram morar juntos, o carinho e a dedicação eram grandes, tudo se transformava em encantamento no pequeno apartamento, eram horas de luxúria e amor incandescente.

O tempo passou, não tiveram filhos e a devoção e dedicação à profissão, esfriou a relação dos dois na mesma proporção que antes crescera, e agora mal se olhavam, sequer se tocavam eram dois estranhos vivendo no mesmo teto.

Enquanto isso Roberta médica recém-formada, um coração doce, carinhosa com seus pacientes, fazia estágio no hospital da cidade com vida dura e dedicação em tempo integral. Não tinha olhos para mais nada, daí seu casamento naufragou. Mal via seu marido não tiveram filhos e quando chegava em casa desmaiava de cansaço e o seu companheiro mergulhado na TV, ignorava a sua presença.

Rubens e Roberta se conheceram no hospital, trabalhavam na sessão de queimados, trabalho difícil doloroso e, juntos procuravam amenizar a dureza daquela vida diária tratando casos de queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus, o local era dominado pelos gritos lancinantes de dor, o cheiro ruim de assado era de carne humana.

Ambos estavam com os corações machucados pelo fracasso no casamento, medo de amar novamente, mas levavam seu relacionamento profissional de forma muito carinhosa, ficavam confusos com este sentimento novo que nutriam um pelo outro, ambos não queriam acelerar a relação e assim foi acontecendo devagar, mas não conseguiram segurar estavam apaixonados.

Rubens achava desculpas para estar perto dela toda hora. Ela gostando muito. Entraram de cabeça na relação que virou uma mistura de amor e culpa com sentimento pesado. Mas não resistiram a atração mesmo no meio de tanto drama de pessoas machucadas, gemidos doloridos, doendo até na alma.

Tinham que resolver aquela situação e Rubens queria assumir a relação, abandonar Mirna, pressionava Roberta que titubeava entre ser feliz se entregar ao amor, jogando tudo para o alto, ou continuar aquela vida insonsa do seu casamento.

A situação de ambos se tornou uma tortura, até que Rubens premido pela situação deu um ultimato a Roberta, que amoleceu inteira. Teriam que largar tudo sem olhar para trás. Ele esperaria no dia marcado, na estação de trem, partiriam para bem longe e recomeçariam a vida juntos.

Chegado o dia marcado Rubens deu uma desculpa esfarrapada à Mirna, dizendo que iria viajar para um Simpósio médico por alguns dias. Ela deu de ombros não dando a menor importância àquilo que ele iria fazer.

Rubens chegou cedo à estação Central, coração desatinado nervoso olhando para o relógio a todo instante, a hora passando e nada de Roberta. A angústia do fracasso atormentado daquele amor doía na mente e no coração dele.

O suor da aflição descia vagarosamente pelas costas em um filete, quinze minutos para a partida, e nada. Dez minutos desespero a flor da pele. Cinco minutos, Rubens tremia inteiro, pois no fim do longo corredor avistava uma figura, não tinha certeza se era ela, mas pôr fim, a confirmação, era sua amada que chegava.

Um abraço forte e carinhoso selou a união. Partiram para uma nova vida, felizes por estarem juntos e prontos a iniciar um futuro sem remorsos.

 

O desencontro de Arminda Rosa e João Gaspar - Leon Alfonsin Vagliengo

 



O desencontro de Arminda Rosa e João Gaspar

Leon Alfonsin Vagliengo

 



Por onde andará Rosinha?

Já deve estar bem velhinha...

 

Pensava o moreno trigueiro

João Gaspar, o velho tropeiro.

A fumar seu charuto, lembrava

Do tempo em que a procurava

Na Casa de Moças da cidade

O que lhe trazia tanta saudade,

Por onde em viagem passava

E com sua tropa descansava.

 

Rosinha, a sua preferida,

Entre tantas, a mais querida.

A única que procurava,

A única que o encantava.

 

Um dia, ao voltar d’viagem,

Iria criar coragem

Para dizer que a queria

Que por ela tudo faria,

Até poupá-la da vida

Por ela não escolhida.

 

Mas foi tão longa a viagem,

E quando chegou, com coragem,

Quanta infelicidade!

Ela mudou da cidade

Antes de saber da paixão

Que despertara em seu coração.

 

Naquele mesmo momento,

Em sintonia de pensamento,

Na janela do velho sobrado,

Sem ter ninguém a seu lado

Na vida que agora levava,

Arminda Rosa também lembrava

Do tempo em que era a Rosinha,

Na Casa de Moças, a rainha

Daquele cliente tropeiro,

Um belo moreno trigueiro,

De quem era a preferida.

 

As poucas vezes daquela vida

Em que a felicidade a dominava,

Era nos braços dele que ela estava.

Mas ele partiu em andanças,

E Rosinha perdeu esperanças.

Mudou-se para a Capital, para esquecer a ilusão

Que tanto perturbava o seu coração.

Vida ingrata aquela, que não escolhera,

Porém, sem outra saída, a vivera.

 

E assim termina a história

De Arminda Rosa e João Gaspar,

Deixando para nossa memória

Um desencontro a lamentar.

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

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