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quinta-feira, 5 de março de 2020

Decisão precipitada? Talvez... - Hirtis Lazarin




Decisão precipitada?  Talvez...
Hirtis Lazarin



Depois de um dia exageradamente quente, caem lá fora os primeiros pingos de uma chuvinha mansa.  A brisa balança a cortina fina de voal, invade a sala e acaricia-lhe o rosto.  O tilintar da colherinha na xícara vazia de café soa como música.  

Abre a garrafa de vinho e uma taça desce deslizando.  Boceja várias vezes e o sono devagarinho vem.  É uma sensação preguiçosa e confortante.  Anita fecha o livro que lia e os olhos também.  Adormece profundamente.

O silêncio aconchegante é interrompido pelo toque do telefone e ela desperta.  O bem-estar do momento é maior que a vontade de falar com alguém.  Sabe que não é Gustavo, seu companheiro.  Ele viajou a negócios e já se falaram, naquela tarde, duas vezes.  E não era costume dele ligar fora de hora. 

Ignorou os toques insistentes, mas quando viu que o relógio marcava duas horas da manhã, se arrependeu do que fez.  

"Ninguém ligaria pra alguém se não fosse emergencial, que desajuizada eu sou... Pode ser alguém precisando de ajuda.  Mas quem?  A esta hora eu não posso ficar ligando para minha família e para todos meus amigos".

 A espera de uma nova ligação é angustiante, Anita rói as unhas que já estão no toco, outra taça de vinho, mais outra e mais outra... O álcool dá-lhe um pouco de sossego.

Quando já não acredita mais na possibilidade de saber quem estava do outro lado da linha, o telefone toca novamente. Anita pega-o num salto tão desajeitado que, por pouco, não se esborracha no chão.  Queria saber quem era, mas temia ouvir o que essa pessoa tinha pra lhe contar.  O alô aflito de Anita foi logo interrompido por uma voz feminina, rouca e sensual.  Não se identifica e não lhe dá chance de falar.  Desfia uma ladainha imensa e Anita só ouve  o nome de Gustavo.  Ela passa mal, sente dificuldade em respirar, a vista escurece e ela desfalece.

Quando recobra os sentidos está estatelada no chão, com o fio comprido do telefone enroscado no corpo, os óculos com lentes trincadas atirados pra debaixo da mesa.  O relógio marca quatro horas da manhã.  O turbilhão de palavras que ouviu roda na sua cabeça como disco de vinil em rotação errada.  Aos poucos, foram se organizando em frases conexas e a mensagem se completa.  Uma bomba!  "Será que foi ele quem pediu pra amante fazer a ligação? Nunca pensei que vivia com um homem falso e covarde.

Anita anda de um lado para outro como barata tonta, senta, levanta, toma num gole só o vinho que restava na garrafa, balbucia ofensas, grita palavrões.  Treme tanto que não consegue achar o número de telefone que precisa.  Tenta se acalmar, liga o computador e busca no Google o telefone do hotel "Copacabana Palace", no Rio de Janeiro.  Liga e ouve o que jamais queria ouvir: "O casal Gustavo e Lucimara estão, sim, hospedados aqui.  A reserva vai até o final de semana."

"Viagem de negócios?  E foram tantas naquele ano...Homem carinhoso, companheiro de todas as horas.  Nunca desconfiei de você.  Caminhamos sempre juntos, construímos tudo juntos.  Quanta luta e esforço.  E a cada vitória nossa, quanta comemoração!  Eu não mereço essa traição.

Anita não era mulher de ficar parada esperando o mundo desabar, mas para ninguém é fácil vê-lo ruindo sem nada pra fazer. Sabia que nada conserta a falta de confiança.  Impossível, para ela, dividir a vida com alguém quando se quebra esse cristal.   Chorou tudo que podia chorar, os olhos inchados e vermelhos pareciam picados por abelhas. Seguiu em frente, fez uma mala, com o mínimo de coisas que precisava e esperou o dia amanhecer.  

Depois de uma hora, desembarca no aeroporto.  Sairia do país.  Para onde?  Não sabia ainda.  Dinheiro não lhe faltava para levar uma vida confortável em qualquer lugar do mundo.

Antes de sair de casa, deixou sobre a mesa da sala, debaixo de uma fotografia rasgada do casal, apenas um bilhete de adeus.



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