A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 1 de julho de 2020

ENCANTAMENTO - Hirtis Lazarin



Lágrimas, Olhos, Triste, Chorar, Humano, Rosto

ENCANTAMENTO
Hirtis Lazarin
                                             


Ela era a menina que chega sem fazer alarde e vai sem que ninguém a veja.   Pacienciosa e tolerante, sabia que tudo tem seu tempo.  Não era vaidosa, mas cuidadosa com a aparência física.  Os cabelos longos e acetinados viviam presos no alto da cabeça e, as unhas bem lixadas e curtas nunca se fantasiaram de vermelho.  Eu a definiria com uma única palavra: simplicidade.

Mas era à noite, sozinha, no silêncio do seu quarto voltado para a rua, que a jovem tímida desvendava seus mistérios.  Lia e escrevia poesias.  Inspiração que brotava mesmo sem o brilho das estrelas, sempre encobertas por densa camada de poluição.  O caderno onde escrevia seus amores e lamentos já estava quase cheio e dentro dele, outro segredo: uma foto em preto e branco já desgastada pelo manuseio contínuo.  Um cantor e compositor não tão atual.  Ela gostava do cantor, mas admirava o compositor cuja poética rodopiava entre os sentimentos, na dosagem certa do mel.

Depois que se envolveu numa pesquisa de Português, sua vida sofreu uma revolução.  A lição era escolher uma parábola na bíblia e entender sua estrutura linguística.  Brincando com palavras da língua e, de um jeito simples e objetivo, Jesus fazia com que o povo humilde entendesse verdades elaboradas.

No início, a sugestão da professora contrariou-a muito.  Pensou seriamente em desistir do trabalho.  Nunca abrira uma bíblia na vida e a mãe nem se recordava que havia uma esquecida numa gaveta enorme e cheia de trecos no último andar do guarda-roupa.

Mas, no desenrolar da pesquisa, Marina foi se interessando cada vez mais pelos textos bíblicos.  Encantou-se...  E não foi difícil descobrir um curso teológico ministrado na igreja Nossa Senhora das Caixinhas.

Aos sábados, enquanto suas melhores amigas não saiam da frente do espelho cuidando dos cabelos que já nem se lembravam mais da cor natural e esvaziando armários na troca de roupas pra atrair os olhares masculinos, a moça tomava o ônibus em direção ao salão paroquial.  As aulas eram ministradas por um casal e o pároco da igreja.  A presença da moça prolongava-se muito além do horário, num bate-papo produtivo e animado com dois rapazes participantes e o padre.

Apenas cinco meses havia se passado e Marina não era mais a mesma.  Pensativa, vivia no mundo da lua.   A voz mansa e pausada tornou-se áspera.  Falava pouco e se irritava quando questionada.  As conversas animadas com a família no horário das refeições viraram tormento.  Passava horas seguidas no quarto.  Com os ouvidos encostados à porta, quantas vezes a mãe ouviu-a chorando baixinho...  Várias consultas com a psicóloga foram desmarcadas.  Os pais não sabiam mais o que fazer,  mas não  desistiriam da filha.

A igreja Nossa Senhora das Caixinhas estava cheia, o altar  paramentado, as luzes e velas acesas  Eram quase sete horas da noite e nem sinal do padre que chegava sempre antes da missa pra conversar com os fiéis.  O sacristão impaciente e atordoado buscava-o por todos os cantos, o tempo passava e nada...  As pessoas, na maioria idosas, desistiram do compromisso cristão e abandonaram o recinto inconformados.

Já era meia-noite quando os responsáveis pela paróquia chegam à delegacia pra registrar o desaparecimento do padre.  Logo em seguida, uma família desesperada e uma mãe histérica entram pela mesma porta.  Marina estava desaparecida também.



A mariposa borboletou


A sala paroquial apareceu terrivelmente arrumada quando ela acendeu as últimas luzes.  Os frequentadores do curso bíblico, quase todos já estavam acomodados, aguardando o padre que chegou logo em seguida acompanhado de Marina.  O papo estava bem animado.

As senhorinhas Zilca e Terezinha, talvez as mais antigas paroquianas, não só frequentavam as cerimônias religiosas da igreja como também eram voluntárias prestativas nos bastidores do altar.

Dona Zilca, a mais idosa, a mais experiente, a mais ardilosa, tinha olhos investigativos e inquisidores.  Sempre atenta a cada detalhe, a cada movimentação diferente ao seu redor.  E, no momento, sua atenção voltava-se exclusivamente para Marina, a aluna de pouca idade.

A jovem chegara tímida e reservada.  Pouco se comunicava, chegava só, e só deixava o local.  Namorado não tinha.  Mas, nas últimas semanas, não era mais a mesma.  A timidez evaporou...  Uma mente prodigiosa emergiu.  Participava das reuniões com perguntas inteligentes, expunha ideias próprias, argumentava com coerência e até discordava de verdades consideradas absolutas.  E, se não bastasse, assistia à missa todos os sábados, às dezenove horas.

A transformação foi além...  Os cabelos soltaram-se da presilha inseparável e caíram cacheados e volumosos sobre os ombros.  Os tons sóbrios e apagados das roupas deram lugar ao colorido de bom gosto.  A calça apertadinha mostrou o corpo esguio e cheio de curvas, até então, escondido sob vestidos largos e soltos.  O jeans tornou-se o "coringa do seu  "look".

A inteligência e a jovialidade exuberante de Marina acenderam os faróis de milha das beatas. 


As detetives "PRECISAVAM" entrar em ação.

O julgamento - Ana Catarina S’Antanna Maués



Floresta, Selvagem, Hirsch, Antler, Rotina, Humor


O julgamento
Ana Catarina S’Antanna Maués

Inglaterra, ano mil centos e um.



O vento uivava anunciando mais uma noite de baixa temperatura. Felipe tinha as mãos geladas apesar da lareira. Em movimentos mecânicos ele alimentava o calor com mais lenha. Sentia frio, muito frio, seria nervoso? A qualquer momento eles chegariam. Poderia ter fugido, mas não quis deixar toda uma existência para trás, lembrança marcada em objetos, móveis, no lar, na natureza que constituía a terra em que nasceu, por algo que no seu entender, pudesse ser resolvido. Então ficou para enfrentá-los.

Com a ponta dos dedos afastava, vez por outras, a cortina e olhava o céu por cima da floresta que cercava a casa. O tempo carrancudo com nuvens escuras, causava mau pressentimento. Até os pássaros hoje recolheram-se mais cedo. Estava só. Na sala o cuco do relógio era sua única companhia, porém péssima, pois avançando os minutos acelerava a angústia e agitava o coração.

Passado algum tempo ele escutou barulho. Lá vinham eles falando alto, subindo a estrada de chão, segurando tochas que bem sabia não eram para iluminar o caminho.

Neste momento resolveu folhear como páginas de um livro, o passado recente. Voltou cerca de quinze dias, escolheu a data em que a conheceu. Tinha acordado cedo, tomado a espingarda e se enveredado mata à dentro procurando uma boa caça. De repente viu um animal, mirou no pequeno alce, tamanho suficiente para alimentá-lo bom tempo. Disparo perfeito, mas um grito ecoou entre as árvores. Ele correu na direção do som e viu uma moça caída próxima ao alce. Felipe a carregou, o ferimento não parecia grave, foi de raspão no braço, mas a fez desmaiar. Ele havia com um único tiro, atingido a ambos.

Já em casa esperou que despertasse. Quando ela abriu os olhos ele disse:

— O ferimento é discreto, fiz um curativo, nem ficará cicatriz. Mas diga, o que fazia ali? Não há residência por essas bandas, sei, porque moro há anos e caço com tranquilidade sabendo disso.

Ela continuava calada.

 Você não fala? É muda? Sabe escrever ao menos?

Felipe toma papel e lápis e escreve perguntando o nome dela. Ela finalmente resolveu falar:

 Não há necessidade de papel, não sou muda. Estava apreciando a paisagem e me afastei do vilarejo, só isto.

— Mas, o vilarejo fica bem distante, é perigoso para uma moça sozinha aventurar-se na mata.

— Eu sei me defender. Não preciso de cuidados de estranhos.

 Oh! Sim. Basta não passar na frente de um tiro. Felipe fez uma careta e ela não segurou o riso.

Depois deste breve diálogo, outros vieram e os dois, no final da tarde, já estavam bem amigos. No almoço ele preparou um belo bife e brindaram ao falecido alce que os fez conhecerem-se.

Lá pelas tantas ele disse:

— A conversa está boa, mas preciso levá-la para sua família e explicar o acontecido. Vou só pegar um casaco para mim e outro para você. Felipe saiu da sala falando e retornou dizendo:  Não está muito perfumado, pois não sou bom para lavar roupas, mas você não se importa de por alguns minutos ficar com cheirinho de...

Ela havia sumido.

Ele andou em volta da casa, foi até a colina, que lhe dava uma visão mais ampla, mas nada adiantou, ela havia desaparecido. Então, desiludido voltou.

No outro dia ele estava preparando o chá da manhã, quando escutou um toc toc suave na porta. Abriu e quem estava lá? Ela.

— Ora, ora se não é a fujona de ontem!

 Não fugi, só não quis dar trabalho.

— Antes de mais nada diga seu nome, pois ontem quando a procurava não sabia nem qual chamar.

— Celeste.

 Combina com seus olhos, além do que é nome de princesa. Você é uma?

   Ela sorriu charmosa e balançou a cabeça negativamente.

— Mas, entre, está frio aí fora, quer chá?

— Sim.

  Posso pegar as xícaras no armário ou quando me virar você não estará mais aqui?

Celeste sorriu com timidez.

Depois deste dia ela passou visitá-lo, as vezes pela manhã bem cedo, em outras no meio da tarde, mas disfarçava quando Felipe perguntava onde morava e aí ele parou de insistir e também de pedir para levá-la em casa. Percebeu-se com medo desta curiosidade dele, afugentá-la e isso era coisa que não queria de forma alguma.

Era notável que entre os dois havia mais que simples amizade. Até que um dia ele tirou na gaita, uma música bastante animada e ela se dispôs a dançar. Estavam felizes. Felipe em certo momento largou o instrumento e segurou a mão dela e entre sorrisos dançavam e sem planejarem aconteceu um beijo. O aconchego dos braços dele em volta da cintura dela acendeu o calor no coração. As mentes embriagaram-se de desejo e ambos cederam ao impulso da paixão. O amor se fez entre carícias e afagos. Bocas e mãos atrevidas descobriram-se e deliciavam-se num sentimento envolto de pureza que constitui o amor entre dois jovens inexperientes.

Depois de breve instante as mãos continuavam entrelaçadas. Felipe rompeu o silêncio e disse que desta vez não a deixaria sair escondida, queria conhecer os pais dela e pedi-la em casamento. Neste momento Celeste confessou em prantos que era prometida ao rei e naquele dia do tiro, estava fugindo do compromisso assumido pelo pai e pela família toda, que viam neste enlace razões para deixarem a miséria de vida que o acompanhavam, mas ela jamais concordou. Queria amar de verdade e ser amada e a família queria roubar isso dela. O destino tinha colocado Felipe em sua vida, pois ela o amava. E em prantos abraçou-o forte.

Combinaram então de irem até a vila, encontrar o pai dela e contar tudo.

A recepção não foi nada amistosa. O pai de Celeste foi bruto e logo que a viu em companhia de Felipe, desferiu um tapa que fez sangrar os lábios trêmulos da moça. Felipe não teve como reagir, os irmãos dela logo o seguraram pelo braço imobilizando-o e de nada adiantavam as súplicas por diálogo, eles batiam e batiam nele. E muito pior ficou quando ela revelou que havia se entregado por amor.

A família então expulsou a pontapés Felipe do recinto. Houve uma aglomeração de pessoas em frente à residência. O pai de Celeste divulgou a quatro ventos que Felipe tinha desonrado a prometida do rei e por isso ele conclamava todos ao julgamento do fato.

Felipe foi levado para casa e jogado como um farnel, como resto humano. Entrou com dificuldade na residência e pensava em fugir, pois não acreditava numa justiça que lhe concedesse o direito de viver com Celeste.

 Logo, ele os viu vindo. Não foi preciso abrir a porta, eles arrombaram com o pé e pegaram abruptamente Felipe pelos cabelos, pelos braços e chegando fora da casa a fogueira já estava feita. Nela amarraram-no e sem perder tempo atearam fogo. Ele gritava nas chamas ardentes, jurando amor por Celeste. Nesta hora ela apareceu vinda não se sabe de onde e atirou-se às chamas e num último beijo eles consumiram-se na frente de todos.



Quando o tempo é o pior inimigo, mas nem sempre - Henrique Schnaider



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QUANDO O TEMPO É O PIOR INIMIGO, MAS NEM SEMPRE
Henrique Schnaider


Brian era um magnata das comunicações, dominava tudo como um rei absoluto, era o dono da noite, dominava como poucos a política brasileira, numa época que havia homens como Getúlio Vargas, elegia para os mais altos cargos, políticos medíocres, perto dele sempre havia uma bomba prestes a explodir, quando fazia uso das manchetes do seu jornal diário.

Tinha um faro incomum, tanto para criar celebridades como arruinar reputações, deu fama a inúmeros escritores. Naquele Outono, o sol caia com uma luz pálida e macia, nosso herói sentia um peso no coração.

Sonhava por um amor que o envolvesse por inteiro, mulheres, as tinha, quantas quisesse no jogo do amor, todas enxergavam nele a mina de ouro, puro jogo de interesses

Brian permanecia intocado pelo cupido, o rei quando estava na mesa de trabalho, sentia-se numa prisão, precisava de novos ares, deixar-se levar pelas ondas do amor.

Certo dia, nosso herói, entrou no elevador na sede do Império de notícias, ficou paralisado, entreolharam-se, aquela garota jovem, não deveria ter mais de quinze anos, ficou deslumbrado, deu um sorriso doce na direção dela, perguntou o seu nome, sotaque argentino, de nome Cora Acuña,  acompanhada da avó.

A garota, insistiu no olhar, deu um sorriso tímido, pareceu corresponder, naquele momento sua vida viraria um conto de fadas, Brian despediu-se cheio de mesuras e assim que entrou no escritório, deu ordens para obter informações daquela que balançou aquele coração de pedra.

Brian com fogo e paixão aguardava ansioso, as informações, não demoraram a chegar, o rei enviou uma corbelha de orquídeas, para aquela pensão humilde, com um convite para jantar, num restaurante luxuoso onde ele era habitue.

O rei não perdeu tempo, foi até a pensão num tremendo Roll Royce, com chofer de uniforme, provocando um alvoroço, naquela gente simples, levando Cora e a avó, deixando as pessoas verdes de inveja.

Durante o jantar, conversaram à vontade, Cora sentia que era a chance de uma vida estelar, correspondeu todo charme que nosso herói jogava para ela.

Não demorou muito tempo, já acontecia um tórrido romance, Brian convenceu a avó e foram morar num palacete os três, em uma rua fina, cheia de luxo. Corita virou celebridade, apesar de todo escândalo provocado por alguém tão jovem vivendo com um homem maduro, mas o poder de Brian, superou tudo, menos um ciúme patológico, as brigas eram frequentes.

Viveram alguns anos, aos trancos, até o poder da juventude falar mais alto, Corita estava apaixonada por um jovem ator de cinema, com quem havia contracenado, o amor uma torrente, a jovem abandona o rei e foge com o novo amor.

Brian sentiu o golpe profundo, mas levantou-se das cinzas, não se deu por vencido, iria lutar pela mulher que conquistou o coração do todo poderoso.
Ele não perdia de vista a amada Corita, acompanhando tudo que rolava na vida dela, tinha certeza de que aquela aventura não iria longe, com toda a influência que possuía, as portas se fecharam para o jovem casal.

Não há amor que resista à barriga vazia, o amor derreteu, as brigas tornaram-se frequentes, e Brian só na cola, Corita não resistiu, o jovem casal, rompeu, daí para o retorno dela aos braços de Brian foi um pulo, e o magnata teve de volta a amada, seguiu a vida feliz como um garoto que acabou de ganhar um doce maravilhoso.

UM AMOR IMPOSSÍVEL! - Dinah Ribeiro de Amorim



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UM AMOR IMPOSSÍVEL!
Dinah Ribeiro de Amorim



Estamos em 1820, na antiga São Paulo, com suas calçadas de pedra, ruas sem asfalto, cavaleiros apressados com chapéus de abas largas, carroças que carregam fardos por todos os lados.

Laura, ainda jovem, elegante em seu porte, demonstra a ascendência nobre dos barões do café. Família tradicional paulista. Caminha apressada pela tradicional rua XV de Novembro, procurando distrair pensamentos confusos em alguma chapelaria do momento.

Obediente à orientação dos pais, casou-se cedo, por conveniência, com o filho do médico de seu pai, político proeminente, Dr. Álvaro Alves Mathias, renomado advogado.

Após cinco anos de relacionamento respeitoso, mas sem amor, conhece, acidentalmente, outro homem, o encantador Mario Fernandes, famoso galanteador nas rodas sociais. Apaixona-se por ele, sente pela primeira vez o que é uma atração por amor, de verdade. Mário, ao vê-la, experimenta um sentimento diferente, desiste de suas conquistas e desperta para o amor sincero. Entra em depressão ao saber que é casada e, honesta, não admite ter um caso. Contenta-se em vê-la, trocar bilhetes apaixonados, encontros fortuitos, que trazem angústia e desprazer ao casal apaixonado.

Enquanto Laura caminha pela cidade, confusa, medita no último bilhete que recebeu de Mário e como responder. Propõe-lhe uma fuga a Paris, cidade da Belle Époque, paraíso dos amores eternos. O medo da reação do pai, a dor e a desonra que irá causar ao marido tão conceituado, e a tentação da felicidade junto ao homem que ama, a fazem apressar os passos, tenta, com movimentos, afastar pensamentos.

Distraída, dobra uma esquina e vê, do outro lado da rua, um letreiro chamativo: “Chapelaria Charmosa”.  Atravessa rápido e esquece-se de olhar, nessa calmaria da cidade em crescimento. É atropelada por uma carroça pesada que vem em direção ao centro. Socorrida pelos transeuntes, chamam uma Emergência, mas comentam: “Coitada, bateu forte a cabeça na pedra, parece que morreu!”

Após os dias de praxe, encontram-se no cemitério, para último adeus, a família de Laura, seus pais desconsolados, o marido Álvaro, triste, que amarga no bolso um bilhete encontrado. E, para espanto geral, o jovem conquistador da cidade, que, sem controle, derrama copiosas lágrimas.

A POBRE CECÍLIA - Do Carmo



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A POBRE CECÍLIA
Do Carmo


Se há uma pessoa determinada, persistente e consciente de seus objetivos, essa pessoa é minha amiga Cecília, que desde nossa infância já sabia o que queria ser quando crescesse.

Sonhava com viagens pelo mundo todo, conhecer a história e cultura de todos os países, e falar diversas línguas. Seus pais eram de família pobre, que não tiveram chance de ter uma educação cultural elevada, pois desde muito cedo começaram a trabalhar. Com o decorrer da vida, seus pais conseguiram uma situação mais privilegiada o que proporcionou a filha, tudo o que não tiveram quanto a estudos, pois os sonhos de Cecília estavam voltados à Cultura, ou seja, conhecimentos históricos e turísticos.

Cecília vivia buscando no computador tudo o que se referia aos seus objetivos. Descobriu que havia uma Faculdade de Turismo e imediatamente inteirou-se do que se tratava. Foi sua maior felicidade, saber que tinha um árduo, mas promissor caminho a vencer até conseguir cursar essa faculdade.

Em uma manhã de sábado, foi visitar uma Agência de Turismo, no centro da cidade, que descobriu através de seu muito amado computador.

Ficou parada extasiada diante da vitrine que mostrava fachadas de museus, castelos e hotéis, praias repletas de guarda-sóis coloridos, com pessoas elegantes e alegremente bonitas. A loja estava sem nenhum cliente, o que deu coragem para Cecília, com seu doce e belo sorriso entrar e cordialmente cumprimentar o senhor, que se levantando de uma cadeira respondeu-lhe, também sorrindo e perguntando-lhe:

— Gentil e bela mocinha, como posso ser-lhe útil?

Aparentando tranquilidade, mas com o coração aos saltos, disse:

— Sou apaixonada por viagens, meu sonho é conhecer todos os países do mundo, não só seus encantos Turísticos, mas toda sua Cultura. Sei que para isso, deverei cursar uma Faculdade de Turismo, não é? Mas custa muito caro. Eu sou de família simples, com poucos recursos, Por esse motivo, quero trabalhar para poder pagar meus estudos. Meu pai disse que se eu conseguir ganhar, o que irei gastar com essa faculdade, ele continua tocando nossa vida como tem feito, com o auxílio de minha mãe, que trabalha como costureira em casas de famílias abastadas. 

O senhor Marco Antonio, com quem Cecília conversava, era o dono da Agência que comovido com a história da menina, de olhar brilhante e a certeza de seus objetivos, não se conteve e desabando na cadeira disse-lhe com voz comovida:

— Garota, você está empregada aqui na minha Agência. Traga-me na segunda feira, seus documentos e sua Carteira Profissional.

Cecília segurou-se no balcão para não cair, e chorando disse que tinha somente RG; Título de Eleitor, CPF, mas que Carteira Profissional não tinha, mas que iria providenciar com a maior urgência.   

Também comovido, o senhor Marco Antonio tentou acalmá-la dizendo que tudo bem, o lugar de ajudante de secretária ficaria à espera dela. Vendo e sentindo a emoção da menina, ofereceu-lhe café, que foi aceito automaticamente. Em silêncio, começaram a tomar o café servido em uma pequena copa anexa quando  o agora patrão, dá um grito dizendo:

Ah, Cecília! Eu estava esquecendo que tenho um sobrinho advogado, que trabalha com um despachante, ele poderá ajudá-la a obter seus documentos em dois ou três dias.

Cecília de olhos arregalados, perguntou:

 — Mas, quanto isso irá custar?

Sorrindo compassivo e calmamente, o senhor disse:

— Exigências da Empresa, quem paga é o patrão.

 Feliz, ao chegar em sua casa, Cecília conta aos pais o acontecido, que abismados a ouviam emocionados.  



Decorridos dois meses de trabalho, Cecília prestava atenção na secretária, Sonia, que a ensinava sobre a rotina do expediente: como conversar com os clientes pessoalmente ou por telefone, como e quando arquivar documento, em fim toda a tramitação do trabalho.

Cecília sentia-se nas nuvens, tudo era novidade para ela, a cada toque de telefone, olhava ansiosa para Sonia, secretária, já conhecia pelo olhar se deveria atender ou deixar que ela ou outro funcionário atendesse.

Cecília já estava frequentando aulas de línguas estrangeiras. Estava aprendendo inglês, francês e espanhol, com um professor que trabalhava para a agência e também era um cliente especial, pois habitualmente levava seus alunos em viagens curtas, para treinamento dos idiomas estudados.

Cecília não tinha coragem de perguntar ao Sr. Marco, como ele gostava que o chamassem, se ela iria também ter direito a essas viagens.

Em sua casa, ela não falava de outra coisa a não ser sobre a agência, o que incomodava em demasia sua mãe, dona Beatriz, que suspeitava de alguma má intenção por parte do Sr. Marco, uma vez que Cecília era jovem, bonita e muito ingênua.

Para sondar a mãe, sem saber se teria ou não possibilidade de viajar com o grupo dos alunos do Professor Luiz, ela arriscou um comentário sutil sobre o assunto.

Dona Beatriz arregalou os olhos e ferozmente gritou:  Nunca iria deixar sua filha viajar com estranhos. Mesmo que ela ficasse conhecendo o grupo e o professor.
Timidamente, Cecília sorri e diz:

        - Mamãe, porque esse desespero, eu sou funcionária e não aluna particular as quais os pais pagam pelos estudos.

- Mas prefiro que você já esteja prevenida.

- Mamãe, eu não tenho mesmo como ir, não tenho roupas adequadas para tal situação. Eu apenas comentei o que acontece, não quer dizer que eu estou pedindo autorização. 

Seu pai intervém com voz alterada dizendo:

- Beatriz, você tem esse péssimo costume de duvidar de tudo e de todos. Você julga as pessoas sempre vendo o mal, como esse professor pode ser leviano, se há anos ele trabalha em parceria com a agência? Provavelmente se houvesse algum deslize dele, já estaria fora há tempos.

O coração de Cecília estava aos pulos, como dissuadir sua mãe dessa obsessão, caso viesse a ser convidada?

Dona Beatriz continuava falando que quando a esmola é muita, o Santo desconfia e outras citações populares. 

Cecília sentia que desde o começo dessa relação com o Sr Marco, sua mão não o via com olhos puros, julgando que ele estava atraído por sua juventude e aproveitando da fragilidade da inexperiência profissional. 

Tentando não demonstrar sua tristeza e decepção, logo que terminou de secar as louças do jantar, disse que ia para o quarto fazer um exercício para a próxima aula.





O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

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