A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

TRAUMAS - Hirtis Lazarin



Imagem relacionada

TRAUMAS
Hirtis Lazarin


Jorge, vinte e cinco anos, era o mais novo frentista contratado pra trabalhar no maior posto de combustível no bairro Santa Catarina.  Tinha experiência no ramo, era muito esforçado e caprichoso.   Curioso e agitado, não conseguia ficar parado.  Se ocioso, procurava logo o que fazer ou ajudar um colega.  Guardava em mente uma frase (não se lembra do nome do autor) e procurava seguir o que as palavras aconselhavam: "Se lhe pedirem pra varrer a rua, faça-o como Michelangelo pintava os quadros, Bethoven compunha e Shakespeare escrevia".
Em pouco tempo conquistou a confiança do patrão e a acolhida dos demais funcionários.  Seria mais que natural que a convivência o aproximasse deles, não foi o que aconteceu.

Jorge era calado,  ouvia muito e falava pouco.  Não expunha seus sentimentos, por mais que tentassem arrancá-los.  Assuntos pessoais afligiam-no.  Se questionado insistentemente, perdia o controle, causando terror e assustando quem estivesse por perto.  Logo depois, arrependido, sentia vergonha e terminava o dia acabrunhado e triste.

 Jorge era um ímã, passava confiança, autossuficiência e segurança.  Seu sorriso era discreto e seu olhar misterioso.   O mistério aguça a curiosidade das pessoas e inquieta-as.  O jovem despertava fascínio nas mulheres que atendia.  Aqueles olhos pretos e grandes escondiam um segredo e atraiam-nas.  Elas, por natureza curiosíssimas, queriam desvendá-lo.

Os colegas não se conformavam com a indiferença dele diante de moças charmosas e atraentes.  Quanto mais galanteios ouvia, mais reticente Jorge ficava.  A frase que repetia sempre era: "Não quero me casar".  E aí se alguém quisesse comentar. 

Nas noites de sexta-feira, os rapazes se reuniam no boteco da esquina.  Era a hora da cervejinha gelada e da linguiça torradinha.  Jorge pensava no futuro e frequentava as aulas num curso de suplência.  Sabia que ninguém luta sozinho, nem progride sem esforço.  Não trocava as aulas por nada.

Num final de semana em que as aulas foram suspensas, Jorge juntou-se aos colegas no boteco.  Como não era acostumado a beber, depois de vários copos de cerveja, sua língua destravou e a sinceridade aflorou.  O álcool anula os sentimentos de culpa, vergonha, remorso e a pessoa acaba falando o que sempre teve vontade de falar,  mas nunca o fez por medo, insegurança, vergonha.  E foi então que Jorge revelou seu grande segredo.

Nasceu num lar que desmoronado.  O pai abrutalhado e covarde agredia a esposa e os dois filhos.  Desapareceu quando foi pego abusando de Jorge, com cinco anos de idade.  A mãe, mulher fraca, entregou-se à bebida.  O garoto descontava a raiva ferindo o irmãozinho com picadas de agulha.  O conselho titular acionado, encaminhou-os a um abrigo e depois de um tempo, nunca mais viu o irmão.  Quando a escola que Jorginho frequentava realizava reuniões de pais, era a assistente social quem comparecia.  O menino carente queria ter um pai e uma mãe como seus amiguinhos.   A tristeza que sentia foi se acumulando até se transformar em ódio às famílias.  E, dessa experiência dolorosa, sua aversão ao casamento.   Foi a primeira vez que Jorge vomitou tudo aquilo que dilacerava a alma.  Uma catarse.

Hoje Jorge frequenta sessões de terapia...


O caracol e a borboleta. - Hirtis Lazarin

  O caracol e a borboleta. Hirtis Lazarin   O jardim estava festivo e cheirava a flor. Afinal de contas, já era primavera. O carac...