A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

MÃE DINAH - Henrique Schnaider

 



MÃE DINAH

Henrique Schnaider

 

Lucia, nome de guerra Mãe Dinah, era especialista na arte das cartas enigmáticas usadas para encher os olhos dos incautos, o Tarô. No qual Lucia era useira e vezeira ao enganar as pessoas, jogando um futuro maravilhoso no coração dos iludidos.

Sua fama foi longe, alcançando até os crédulos no exterior. Ela lia cartas e enganava também ao decifrar as linhas das mãos dos trouxas. Usava uma técnica de ser uma parede que rebate a bola. E assim levava os otários, sem perceber a soltar aquilo que eles queriam ouvir.

Ela começou na arte de ludibriar bem cedo quem a procurasse, aprendendo com a avó cigana, uma vigarista profissional que limpava os bolsos dos desesperados para pôr um pingo de esperança em suas vidas, que naquele momento, estavam procurando um alento de um futuro melhor. Desta maneira as pessoas deixavam os tubos na consulta. Muitas vezes um dinheiro que nem sequer possuíam.

Lucia em pouco tempo aprendeu tudo da arte da malandragem e se tornou uma raposa dentro do galinheiro. Logo colocou sua avó no bolso ao ponto de a velha senhora resolver se aposentar e deixar o negócio lucrativo nas mãos da neta.

Assim Lucia saiu da miséria aos 25 anos e se tornou uma profissional PHD no uso do tarô, uma narrativa por acaso. Já era procurada por pessoas tanto pobres como ricas e para cada uma tinha o preço certo. Fama feita ao ponto de ser muito respeitada por todos que ouviam suas balelas.

Esta centelha da sorte que pousou nos ombros de Lucia, foi muito bem aproveitada no personagem assumido de Mãe Dinah. Especializou-se nas artes divinatórias como o jogo de búzios. Dizia aos que acreditavam nela, que recebia o espírito da mãe Dinah. Ela vinha do além incorporada na Lucia para fazer as consultas.

Nem uma vírgula do que falava, cobrando uma grana preta, era verdade. Ela tinha a qualidade de se fazer acreditar. Era um ser iluminado que estava ali, naquela sala mal iluminada apenas para criar um clima. Praticando o bem e Mãe Dinah só cobrava a consulta, para a Lucia que recebia seu espírito e precisava sobreviver.

Desta maneira todos que procuravam Lucia, achavam que estavam diante de duas pessoas, a Lucia e o espírito recebido de Mãe Dinah.

A vida ia rolando solta e a sacripanta enchendo as burras de dinheiro. Até que um dia ela conheceu o malandro dos malandros. O safado do José que a encheu de amor e carinho. A pobre da Lucia se entregou de corpo e alma ao Don Juan de araque, cheia de paixão

José ganhou tanto a confiança da Lucia, que ela lhe deu os cartões de banco com senha e tudo. Um dia o José se escafedeu, sumiu no mundo, sem lhe dar a mínima satisfação. E a Lucia que embrulhava a todos, caiu na real, se deu conta de que o malandro levou tudo o que ela tinha.

Pobre, Mãe Dinah, que previa um futuro brilhante a todos que a procuravam, não foi capaz de prever o seu próprio futuro, levou um tombo muito grande e agora seu futuro incerto iria demorar muito tempo para se recuperar e voltar à vida cheia de dinheiro e de tudo do bom e do melhor.

 

 

Clark, o capitão - Alberto Landi

 


Clark, o capitão

Alberto Landi

 

A história se passa entre Peniche, uma pequena cidade portuguesa, e as ilhas Berlengas, tendo como protagonista o capitão Clark.

Ele era um homem de meia idade, destemido, forte, valente, audacioso, corajoso, persistente, habilidoso, conhecedor dos oceanos, formado na Escola Náutica Infante D. Henrique, na cidade de Faro.   Tinha uma experiência extensa no mar, enfrentando todas as condições meteorológicas que o oceano poderia apresentar. Tinha conhecimento dos procedimentos de segurança, telecomunicações e sistemas de buscas e salvamento marítimo, pois, estava habituado a navegar com grandes embarcações.

Nos seus períodos de folga, visitava com frequência Peniche, e lá se encontrava com Josué, um amigo e líder nativo das ilhas Berlengas, que lhe fez uma proposta:

— Olá amigo! Você gostaria de conduzir uma pequena embarcação, o Bretagne, das ilhas até o continente, levando 4 turistas, uma carga de peixes para os restaurantes locais, e 2 marinheiros para te ajudar?

O capitão prontamente aceitou e começou a vistoriar as caixas de força, a água potável e o tanque de dejetos.

Ele, considerado um mestre dos mares, foi consultar o clima, temperatura, tábua de maré, ondulação e velocidade do vento. Monitorou os motores, posição do leme e demais aparelhos, cabos e equipamentos de amarração também.

As 4 turistas sentadas à volta da embarcação, apreciavam embevecidas a belíssima paisagem que se descortinava, tirando muitas fotos.

O dia estava limpo, e o mar calmo quando deu início ao pequeno cruzeiro do Capitão Clark.

Já havia duas hora de navegação sem ocorrências. Eram aproximadamente 16 horas, quando, de repente, desabou uma descontrolada, muito forte tempestade. No início uma leve apreensão, mas ela se intensificou.

O mar se encheu de ondas, e a chuva começou a encharcar o barco, pois só havia uma cobertura de plástico.

No comando, dois marinheiros desesperados controlando o barco pelo motor de popa.

A chuva aumentava cada vez mais, ondas gigantescas e aterrorizadoras derrubavam as pessoas, arrastando-as para lá e para cá, assim com seus pertences.

Clark gesticulava em meio a tormenta:

— Por favor, todos para o meio do barco!

Com os olhos pregados no horizonte, tentando enxergar a pequena cidade à sua frente, corria de um lado a outro atento aos acontecimentos, sem perder a postura, pois tinha que transmitir  calma e tranquilidade à tripulação e aos passageiros.

Não se via nada além do mar e das nuvens ao seu redor.

Dizia para si em voz baixa:

— Logo a mim, logo a mim isso tinha que acontecer!

Mas foi pensando que Capitão habilidoso não se faz em mar sereno, não é em terra que se fazem os marinheiros, mas no oceano, encarando a tempestade. Bons marinheiros nunca foram feitos em mar calmo!

Cuidado sempre, mas medo jamais. O medo muda o corpo como um escultor desastrado altera uma pedra perfeita. Nunca ouça o medo. O medo paralisa as pessoas! 

Não se sabe quanto tempo se passou, mas com certeza, devido às circunstâncias, foi uma eternidade então, assim, como começou, a tempestade, ela se foi formando um arco íris no horizonte e tudo se tornou visível.

Chegando ao continente e ao pisar em terra firme, todos agradeceram a Deus e a habilidade, a calma e coragem do capitão, em conduzir a situação, por estarem são e salvos.

Até a carga de peixes foi salva!   

A Vidente - Helio Salema

 

A Vidente

Helio Salema

 

Dona Ceulimar,  cartomante  famosa por seus atendimentos quase diários, muito mais de pessoas de outras cidades e estados, do que de moradores da sua cidade. Nos seus sessenta e alguns anos, se dizia viúva de um coronel.  Morava só, no pequeno bairro, Encontro das Ilusões. Numa modesta, mas confortável casa, cercada de algumas mansões. Tendo durante o dia a companhia da dona Clara, responsável pelos cuidados com a casa, compras e produzir as refeições. Enquanto a patroa ficava na sala de atendimentos quase o dia todo.  Nunca respondia às perguntas indiscretas sobre sua patroa, feitas pelas fofoqueiras de carteirinha.

Algumas pessoas diziam que embora tivesse uma vida modesta, a vidente, como era conhecida, possuía conta bancária entre as mais altas da cidade. Certamente engordadas pelos visitantes que chegavam em carros luxuosos.

Minha vizinha dizia que as cartas, às vezes, revelavam coisas que a própria cliente não gostaria que fossem ditas. Também que era muito difícil conseguir marcar uma consulta, pois a agenda sempre estava completa por vários meses. Tinha conhecimento de pessoas que conseguiram resolver problemas dificílimos com ajuda de Dona Ceulimar. Ela mesma costumava citar alguns acontecimentos ocorridos em sua família.

A clientela era bem diversificada, pessoas idosas, aposentados e profissionais de várias áreas. Também jovens inseguros, quanto a carreira profissional ou problemas sentimentais, eram assíduas frequentadoras daquela casa.

 ...

Numa manhã de inverno rigoroso, quando Dona Clara chegava para abrir o portão da casa, surpreendeu-se com um rapaz assustado, que saía apressado, tentando esconder o rosto.

Não teve dúvidas, era Ricardo, conhecido filho de família simples, que não estudava, nem trabalhava. Mas era bastante famoso pela sua vida de conquistador. Nunca tinha namorado moças da sua geração, preferindo mulheres mais velhas e separadas, geralmente de patrimônio cobiçado. Vestia-se muito bem, frequentava lugares caros, onde era bem recebido pela sua simpatia no trato com todos.

A empregada entrou e logo percebeu algo diferente. O jornal na varanda, a patroa não havia levantado, pois sempre quando chegava, ela já estava toda arrumada tomando seu café, que ela mesma fazia questão de preparar.

Depois de quase uma hora apareceu, cumprimentou a empregada de maneira seca, como se fosse uma estranha. Pegou o jornal e voltou para o quarto.

Recebeu seus clientes na sala de trabalhos como de costume, fez as refeições normalmente.

Mas com semblante preocupado durante todo o dia. Conversou com a empregada apenas o estritamente necessário.

Na hora de ir embora, dona Clara saiu sem despedir da patroa, pois ainda havia clientes aguardando para serem atendidos. O que acontecia frequentemente. Desta vez com uma preocupação. Como será o dia seguinte? E os demais?

Nada de novo. Tudo demonstrava que o dia anterior foi apagado do calendário e também da memória. Experiência de muitos anos e sabendo muito bem, que “Nada melhor do que um dia depois do outro”.  

Assim, os dias transcorrem sem novidades, na casa de refúgio dos necessitados. Exceto na cabeça de dona Clara, que não se conteve e trocou informações com a filha adolescente, Carolina. A menina e as amigas conheciam Ricardo muito bem. Embora não tendo os conhecimentos de Dona Ceulimar, ambas faziam previsões e viam nuvens negras sobre a casa da vidente.

Porém a tempestade caiu no principal clube da cidade, onde Ricardo conversava, animadamente, com uma senhora recém-chegada. Quando Luciana chegou e logo que viu, percebeu onde seu namorado pretendia chegar. Aproximou, deu lhe um longo beijo na boca e olhando para a senhora, ironicamente disse:

— Seja bem-vinda, minha senhora.

A elegante e educada senhora levantou-se e saiu, silenciosamente.

Ricardo e Luciana iniciaram uma grande discussão que chamou a atenção dos presentes. Acusações de todos os tipos, principalmente, de traições.

— Você é mulherengo e safado. Traidor sem escrúpulos.

— Então por que você não fala da sua traição? No mês passado quando foi fazer o curso no hotel fazenda! Com um cara que você conheceu no mesmo dia, só depois descobriu que era casado?

— Mentiroso?

— É verdade. Mesmo assim foi procurá-lo.

Ela, chorando e desesperada, saí às pressas. Ricardo continuou esbravejando em voz alta, com palavras impróprias para o local. Imediatamente, percebendo o vexame que causara, e que certamente, não encontraria ninguém que apoiasse sua desastrosa conduta, sai também sem olhar para os lados.  

Luciana vai, diretamente à casa da vidente. Aos gritos e sem se importar com as pessoas presentes.  Ceulimar aparece assustada e fica ainda mais, quando é chamada de charlatona. Luciana aos berros:

— Você contou para o Ricardo, o que eu lhe disse na consulta. Bem que me disseram que vocês são amantes. Que você conta para ele o que as pessoas dizem para você.

Dona Ceulimar começa a passar mal, é socorrida e em seguida levada para o hospital.

A casa fica vazia, de gente, de fé e de esperança. Dona Clara depois de se acalmar resolve fechar a casa, sentar no sofá da sala e aguardar por notícias. Lembrando do dia em que viu Ricardo saindo apressado e de tudo que sua filha lhe contou sobre ele.

Horas depois estacionou um carro em frente. Abre a porta e vê Dona Ceulimar e Ricardo entrando pelo portão. Ao entrar na casa a patroa diz:

— Estou bem. Já é tarde, pode ir, muito obrigado por ter ficado aqui até esta hora.

A empregada pega suas coisas, se despede dos dois, e sai preocupada e pensativa.

No dia seguinte ao entrar se espanta com o que vê. Tudo revirado. Casa vazia. Sobre a mesa uma carta.

“Bom dia minha amiga. Estou me mudando. Como você, há muitos anos, vem cuidando de mim e da minha casa, deixo para você, merecidamente, tudo que aqui está. O aluguel está pago até o fim do mês. Você tem todo esse tempo para esvaziar a casa. Tenha um bom proveito. Que Deus te proteja. Abraços “

Com as pernas bambas se deixa cair no sofá. Lê e relê várias vezes para ter certeza de que tudo aquilo era verdade. Percebeu que tinha cerca de vinte dias para resolver o problema. Verificou a casa toda para ver se estava tudo em ordem. Trancou e foi para casa dar a novidade para a filha.

Com ajuda de parentes e amigos conseguiu levar o que lhe interessava. O restante foi vendido por bom um dinheiro.

Vários anos se passaram até que um dia sua filha foi passar o fim-de-semana numa pequena cidade do interior, para conhecer a família do noivo. Depois de algumas horas na casa, Carolina aceitando o convite da futura cunhada, saiu para conhecer a pequena, bonita e pacata cidade. A praça muito bem cuidada, jardins floridos e muito limpa, logo a surpreendeu. Porém algo lhe prendeu toda a atenção. Sentado num dos bancos um homem, pacientemente, dava a uma senhora numa cadeira de rodas, algo para ela comer. Cada colherada, parecia que ela engolia com dificuldades.

Carolina disse que estava admirada de ver aquele filho cuidando tão bem da mãe. Subitamente, outra surpresa. Ouviu a outra explicar que não era filho. Eles chegaram há pouco tempo. Logo ficamos sabendo que ela não era mãe do Ricardo.

Carolina se assustou. Ao se aproximar, disfarçadamente, reconheceu e não teve dúvidas.

Ali estavam em plena harmonia, pessoas que um dia se prejudicaram.

INEVITÁVEL - Hirtis Lazarin

 





INEVITÁVEL

Hirtis Lazarin

 

A luz na sala grande e bem mobiliada era pouca.   Apenas alguns raios de sol forte se infiltraram num espaço oferecido pelas cortinas mal fechadas.

Ao lado da mesa de jantar e diante de tapeçarias penduradas na parede, uma poltrona solo de veludo cor de vinho. Ali sentada, uma mulher até bonita de se olhar.  Muitos fios brancos misturados no emaranhado crespo dos cabelos castanho-escuros.

Os olhos já foram brilhantes e sagazes.  Hoje, um cinza desbotado carrega-lhe o olhar pensativo e perdido. 

O vestido de mangas compridas num azul opaco não tem qualquer ornamento.  Apenas um cinto com folhas miúdas lavradas em prata.   Nenhuma joia vistosa; só um brinco de pérolas, as mais pequenas que já vi.

Um silêncio que fere a alma é quebrado pelo tique taque monótono do carrilhão de família.  O balançar repetitivo da perna esquerda revela que a mulher está inquieta e muito apreensiva.  Um gato deitado aos seus pés descalços tenta acariciá-la, mas  é repelido.

A campainha toca duas vezes e a criada aparece esbaforida secando as mãos no uniforme branco.  Olha indagativa para a senhora que permanece imóvel.  Apenas o balançar da cabeça autoriza  a abertura da porta.

Dois policiais federais se apresentam e a Dra. Joaquina levanta-se;  ajeita a gola do vestido e calça os sapatos pretos de salto baixo;  Confere as horas e caminha pausadamente em direção aos dois homens.  Não mostra o turbilhão de sentimentos que a corroem.

Sem uma única palavra e sem olhar para trás, acomoda-se no banco traseiro da viatura onde a aguardava outro policial.  O mais forte deles deu partida e tão logo o carro deslanchou, ligou a sirene.  Não era necessário anunciar o espetáculo, mas...

 A criada ficou parada à porta sem nada entender.  Agachou-se e apanhou o jornal do dia que não fora ainda recolhido.  Sentiu o papel quente queimar suas  mãos.

Na primeira página, as letras da manchete eram tão GRANDES que chamaram-lhe a atenção:  “JUÍZA É JULGADA E CONDENADA POR VENDA DE SENTENÇAS”.

Nunca antes lera um jornal e não entendeu o recado.   Deu de ombros e fechou a porta.

Tinha muito serviço pela frente.

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

    O cãozinho aventureiro Alberto Landi                                       Era uma vez um cãozinho da raça Shih Tzu, quando ele chegou p...