A PALAFITA!
Dinah Ribeiro de Amorim
 
Zeca Tibúrcio casou-se
com Maria das Mercês e realizou um sonho íntimo: morar com ela em uma palafita,
casa edificada e suspensa em suportes, nas encostas de correntes fluviais.
Foram morar acima do Rio Negro, afluente do Rio Amazonas, com grande volume de
água.
No início, tudo era
felicidade. Para qualquer necessidade, possuíam um pequeno barco para os levar
até a cidade mais próxima ou também para Zeca realizar suas pescarias,
mantendo-os com bom sustento.
Às vezes, sentiam alguma
dificuldade, principalmente na época das chuvas. A pequena palafita
balançava-se, jogando-os ligeiramente para vários lados. No auge da mocidade,
brincavam com isso, até dançavam, acompanhando o ritmo dessa chuva desenfreada.
Alguns anos se passam e
Maria das Mercês engravida numa época que não desejava. Queriam esperar mais
tempo, nessa vida de aventura.
Seu início de gravidez é
bom, sem muita necessidade de ir ao Posto de Saúde próximo, mas, com o tempo,
Zeca achou melhor levar a esposa todos os meses, amedrontado com algum problema
que surgisse na gestação do primeiro filho.
Maria não se queixava e
também não reclamava do local distante.
Cada vez que a casa
balançava um pouco, surgia alguma ameaça de chuva ou temporal, a criança também
se mexia fortemente na barriga. 
O casal preocupava-se um
pouco, mas Maria avisava Zeca que era normal. Em toda gestação, a criança se
mexe. O perigo é quando não mexe nada. Parece não se desenvolver.
Numa tarde que parecia
bastante bonita e calma, o Sol se esconde, nuvens escuras aparecem, o vento
levanta ondas fortes nas águas do rio e uma forte tempestade cai.
Zeca Tibúrcio se assusta
e corre a ver sua canoa, procura amarrá-la fortemente nas tábuas que seguram a
casa. Poderiam necessitar dela para transporte. Logo após, vai observar Maria
das Mercês.
Encontra-a deitada, um
pouco assustada, com as mãos alisando a barriga, como quem quer oferecer calma
e proteção.
Pergunta-lhe, aflito, se
sente alguma dor e ela responde que não. Só um pequeno susto.
Zeca, então, vai
sentar-se perto da entrada e observa a queda forte dos pingos de chuva. As
águas do rio estão rápidas, violentas, trazendo de longe tudo que encontram.
De repente, vê,
assustado, que algo volumoso para, se encosta na parede da casa, interrompido
por uma coluna. Levanta-se rápido e vai ver o que é!
Espantado, percebe que é
um corpo de homem, já desfalecido, trazido pela corrente. Deve ter caído e se
afogado. As águas são mais fundas nessa região. 
Não consegue puxá-lo para
cima e, desesperado, lembra-se de que todos os moradores daquele local possuem
uma espécie de tiro para o alto, um sinal barulhento que os chama em situação
de perigo.
Corre a buscar o seu e
envia vários sinais, para ser atendido, anuncia uma emergência.
Logo aparecem várias
embarcações e, uma delas, da polícia aduaneira, que imediatamente socorre o
moribundo, reconhecendo-o como habitante, morador não muito de longe. É levado
ao hospital e, possivelmente, ao necrotério.
Quando a situação se
acalma, Zeca se lembra de Maria e corre a vê-la.
Está ainda deitada, muito
branca, assustada com todo aquele tumulto, sem sentir a criança se mexer.
Queixa-se ao marido e
este acha melhor levá-la ao posto próximo, aproveita que a chuva se acalmou. 
Juntos, no pequeno e
rápido barco, o casal mostra-se diferente das outras ocasiões em que saíam a
passear. A situação não era mais de um casal jovem, aventureiro, mas de pais
preocupados e sérios com o futuro filho, com a responsabilidade de uma família em
início.
Zeca pensa: ”Que ideia
tivemos com esse romantismo!”
Maria pensa: “E agora,
será que a criança se assustou e não cresce mais?”
São atendidos por um
médico simpático que os acalma e explica que Maria deve ter se assustado muito
com o barulho. A criança está em desenvolvimento normal. Voltam mais
tranquilos.
Zeca começa a cismar um
pouco, agora, com o local em que mora. Gostam da casa, da paisagem, do lugar,
mas pode ser também muito sofrido e perigoso, quando em enchente. Difícil
também para criar criança, com muitas necessidades. O que fazer?
Pensativo, avista o barco
maior e mais pesado dos aduaneiros, que leva o falecido embora. Quase não
balança nem se locomove sofridamente, enquanto se retira. Uma ideia diferente e
estranha lhe vem à cabeça. Precisa fazer uma reunião com outros companheiros,
vizinhos, para propor uma opinião.
Numa tarde quente e
ensolarada, uma reunião é marcada em sua palafita, arranjada com toras de
madeira, para servirem de bancos.
Os curiosos vizinhos,
solidários, comparecem, achando que é uma comemoração ou festa, na simplicidade
deles. 
Zeca Tibúrcio exige um
pouco de atenção e começa a falar:
_Amigos, vizinhos de
moradia à beira d’água, aproveitadores desse ambiente gostoso, aventureiro e
simpático, sabemos que enfrentamos muitas dificuldades, mas não as tememos. E
se a gente construísse nossas palafitas na água mesmo, mas como poderosos barcos,
possuindo canos carregados de ar, no solo, para ficarem mais pesadas, paradas
no lugar, com a força dos ventos e das águas? Não temeremos mais perigos. 
_Casas como embarcações
pesadas, Zeca? Exclama o Joca.
_ Sim, poderíamos até
viver próximos à cidade, à costa, mas com mais liberdade. Sem a fixação leve de
paus de madeira junto às margens. Ficaríamos mais firmes, usaríamos a
força da base para impulsionar a força para cima, seria uma ação de impulso e
refluxo, também usada nas grandes embarcações, responde Zeca.
_Isso ficará caro, gente,
mas podemos tentar auxílio na prefeitura. Irá resolver o problema de moradia de
muita gente como nós, exclama o velho Tadeu. Zeca, sem saber, teve uma ideia
que era um sonho de Tadeu, de muitos anos. Transformar residências fluviais em
transatlânticos, eh, eh, eh, … lembrou-se do impulso de Arquimedes, aprendido
na escola, o único deles que havia cursado alguma coisa…
Animados, resolveram
levar essa ideia adiante, que se tornou, muitos anos depois, quase uma verdade,
com algumas casas flutuantes, equilibradas por bombas de pressão de ar
comprimido, quando muito leves, semelhantes a navios equilibrados sobre a
água, de cascos pesados e ocos.
Zeca e Maria tiveram o
filho, gorducho e forte, chorão às vezes, só sossegando quando sentia um
balançar leve, nas ventanias e temporais mais fortes.
Aos poucos, as palafitas
do Rio Negro foram mudando de apresentação. Viraram habitações fluviais, sem
grandes enchentes ou perigos.
Logo, logo, seriam
pequenos bairros à beira d’água, semelhantes aos ricos bairros residenciais
terrestres. 
Tadeu, o grande mestre
das obras, logo passou a ser conhecido como: Tadeu, o grande Arquimedes!