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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Duas taças de Vinho Vinho Tinto de Sangue” - Hirtis Lazarin

        


"Duas taças de Vinho

 

Vinho Tinto de Sangue”


Hirtis Lazarin

 

Igreja. Há quanto tempo não a frequento. Lá em casa, sempre sempre  IGREJA!  Missa, catecismo. Padre, roupa preta. Diamante Negro, preto DELÍCIA! Comer chocolate só no sábado no cinema. Comer hóstia pode? Pecado. Nem encostar no dente. Leite quente faz bem pra gente. Ah! Meu terço perdi. “Menina desastrada, só não perde a cabeça porque está grudada no pescoço”. Doce-de-leite grudado na panela. DELICIOSO! Procissão a pé. Cinco da manhã. Frio tô com sono. Férias pra dormir. Vela acesa mão queimada, dor na mão, dor no pé. Sapato apertado, dinheiro apertado.  “Hora da missa bicicleta não”, a pé, pé de cachimbo que bate no sino. “Menina o cachorro tá preso”. Meu coração também tá preso. Medo do cachorro, medo de Deus. Medo do castigo de Deus.  Papai nunca me castigou. Confissão dos pecados, confissão do meu amor por você paizão. Eu falo “você” pro padre? Ou “Alteza”? O rei de Portugal é Alteza. Dona Luci me ensinou. Ave-Maria, cheia de graça… esqueci a letra. 7 de setembro, desfile esqueci a letra do Hino Nacional. Mãe, por que você está ajoelhada cochichando com quem? Vai demorar? Água benta. Pode beber? Tô  com sede de carinho, de amor, de atenção. “Suba aquelas escadinhas. Veja as estátuas. Não corra, menina”. Eu também estou correndo das orações. Será que Deus entende? Minha mãe não me entendia. Eu era complicada. Deus é poderoso. Aquela imagem de Nossa Senhora carregando o Menino Jesus… É angelical e sofredora. Sofredora como eu. Vela vou acender uma vela, pra Jesus e Nossa Senhora, duas velas. “Cuidado, vai queimar o dedo”. Eu queimei meus livros de oração. Todos. “ Lá fora, o que está acontecendo”?  Um estalo, outro estalo, um estrondo, meu Deus! Não chore, eu te protejo. Por que fiquei sozinha? Sinto uma dor forte na cabeça, sangue escorre em bica e adoça minha boca. Eu adoro doces. Menina, cadê você? Esqueço-me da menina e de mim também.



A PALAFITA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



A PALAFITA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Zeca Tibúrcio casou-se com Maria das Mercês e realizou um sonho íntimo: morar com ela em uma palafita, casa edificada e suspensa em suportes, nas encostas de correntes fluviais. Foram morar acima do Rio Negro, afluente do Rio Amazonas, com grande volume de água.

No início, tudo era felicidade. Para qualquer necessidade, possuíam um pequeno barco para os levar até a cidade mais próxima ou também para Zeca realizar suas pescarias, mantendo-os com bom sustento.

Às vezes, sentiam alguma dificuldade, principalmente na época das chuvas. A pequena palafita balançava-se, jogando-os ligeiramente para vários lados. No auge da mocidade, brincavam com isso, até dançavam, acompanhando o ritmo dessa chuva desenfreada.

Alguns anos se passam e Maria das Mercês engravida numa época que não desejava. Queriam esperar mais tempo, nessa vida de aventura.

Seu início de gravidez é bom, sem muita necessidade de ir ao Posto de Saúde próximo, mas, com o tempo, Zeca achou melhor levar a esposa todos os meses, amedrontado com algum problema que surgisse na gestação do primeiro filho.

Maria não se queixava e também não reclamava do local distante.

Cada vez que a casa balançava um pouco, surgia alguma ameaça de chuva ou temporal, a criança também se mexia fortemente na barriga.

O casal preocupava-se um pouco, mas Maria avisava Zeca que era normal. Em toda gestação, a criança se mexe. O perigo é quando não mexe nada. Parece não se desenvolver.

Numa tarde que parecia bastante bonita e calma, o Sol se esconde, nuvens escuras aparecem, o vento levanta ondas fortes nas águas do rio e uma forte tempestade cai.

Zeca Tibúrcio se assusta e corre a ver sua canoa, procura amarrá-la fortemente nas tábuas que seguram a casa. Poderiam necessitar dela para transporte. Logo após, vai observar Maria das Mercês.

Encontra-a deitada, um pouco assustada, com as mãos alisando a barriga, como quem quer oferecer calma e proteção.

Pergunta-lhe, aflito, se sente alguma dor e ela responde que não. Só um pequeno susto.

Zeca, então, vai sentar-se perto da entrada e observa a queda forte dos pingos de chuva. As águas do rio estão rápidas, violentas, trazendo de longe tudo que encontram.

De repente, vê, assustado, que algo volumoso para, se encosta na parede da casa, interrompido por uma coluna. Levanta-se rápido e vai ver o que é!

Espantado, percebe que é um corpo de homem, já desfalecido, trazido pela corrente. Deve ter caído e se afogado. As águas são mais fundas nessa região.

Não consegue puxá-lo para cima e, desesperado, lembra-se de que todos os moradores daquele local possuem uma espécie de tiro para o alto, um sinal barulhento que os chama em situação de perigo.

Corre a buscar o seu e envia vários sinais, para ser atendido, anuncia uma emergência.

Logo aparecem várias embarcações e, uma delas, da polícia aduaneira, que imediatamente socorre o moribundo, reconhecendo-o como habitante, morador não muito de longe. É levado ao hospital e, possivelmente, ao necrotério.

Quando a situação se acalma, Zeca se lembra de Maria e corre a vê-la.

Está ainda deitada, muito branca, assustada com todo aquele tumulto, sem sentir a criança se mexer.

Queixa-se ao marido e este acha melhor levá-la ao posto próximo, aproveita que a chuva se acalmou.

Juntos, no pequeno e rápido barco, o casal mostra-se diferente das outras ocasiões em que saíam a passear. A situação não era mais de um casal jovem, aventureiro, mas de pais preocupados e sérios com o futuro filho, com a responsabilidade de uma família em início.

Zeca pensa: ”Que ideia tivemos com esse romantismo!”

Maria pensa: “E agora, será que a criança se assustou e não cresce mais?”

São atendidos por um médico simpático que os acalma e explica que Maria deve ter se assustado muito com o barulho. A criança está em desenvolvimento normal. Voltam mais tranquilos.

Zeca começa a cismar um pouco, agora, com o local em que mora. Gostam da casa, da paisagem, do lugar, mas pode ser também muito sofrido e perigoso, quando em enchente. Difícil também para criar criança, com muitas necessidades. O que fazer?

Pensativo, avista o barco maior e mais pesado dos aduaneiros, que leva o falecido embora. Quase não balança nem se locomove sofridamente, enquanto se retira. Uma ideia diferente e estranha lhe vem à cabeça. Precisa fazer uma reunião com outros companheiros, vizinhos, para propor uma opinião.

Numa tarde quente e ensolarada, uma reunião é marcada em sua palafita, arranjada com toras de madeira, para servirem de bancos.

Os curiosos vizinhos, solidários, comparecem, achando que é uma comemoração ou festa, na simplicidade deles.

Zeca Tibúrcio exige um pouco de atenção e começa a falar:

_Amigos, vizinhos de moradia à beira d’água, aproveitadores desse ambiente gostoso, aventureiro e simpático, sabemos que enfrentamos muitas dificuldades, mas não as tememos. E se a gente construísse nossas palafitas na água mesmo, mas como poderosos barcos, possuindo canos carregados de ar, no solo, para ficarem mais pesadas, paradas no lugar, com a força dos ventos e das águas? Não temeremos mais perigos.

_Casas como embarcações pesadas, Zeca? Exclama o Joca.

_ Sim, poderíamos até viver próximos à cidade, à costa, mas com mais liberdade. Sem a fixação leve de paus de madeira junto às margens. Ficaríamos mais firmes, usaríamos a força da base para impulsionar a força para cima, seria uma ação de impulso e refluxo, também usada nas grandes embarcações, responde Zeca.

_Isso ficará caro, gente, mas podemos tentar auxílio na prefeitura. Irá resolver o problema de moradia de muita gente como nós, exclama o velho Tadeu. Zeca, sem saber, teve uma ideia que era um sonho de Tadeu, de muitos anos. Transformar residências fluviais em transatlânticos, eh, eh, eh, … lembrou-se do impulso de Arquimedes, aprendido na escola, o único deles que havia cursado alguma coisa…

Animados, resolveram levar essa ideia adiante, que se tornou, muitos anos depois, quase uma verdade, com algumas casas flutuantes, equilibradas por bombas de pressão de ar comprimido, quando muito leves, semelhantes a navios equilibrados sobre a água, de cascos pesados e ocos.

Zeca e Maria tiveram o filho, gorducho e forte, chorão às vezes, só sossegando quando sentia um balançar leve, nas ventanias e temporais mais fortes.

Aos poucos, as palafitas do Rio Negro foram mudando de apresentação. Viraram habitações fluviais, sem grandes enchentes ou perigos.

Logo, logo, seriam pequenos bairros à beira d’água, semelhantes aos ricos bairros residenciais terrestres.

Tadeu, o grande mestre das obras, logo passou a ser conhecido como: Tadeu, o grande Arquimedes!

 

 

Perdida na multidão - Adelaide Dittmers

 



Perdida na Multidão

Fluxo de pensamento

ADELAIDE DITTMERS

 

O ônibus saiu da estreita estrada e entrou em uma rodovia, que se perdia de vista, cercada por morros verdes e onde, de tempos em tempos, surgia ao longe uma cidade, que parecia adormecida apesar do sol já estar alto.

Sentada em um dos bancos, uma velha senhora, modestamente vestida, acompanhava assustada o entorno, que passava rapidamente pelos seus olhos cansados. Nas mãos, uma velha sacola era apertada com força, para amenizar a insegurança que a pobre mulher estava sentindo ao sair pela primeira vez da cidadezinha em que morava.

Após horas de viagem, uma grande cidade cercou o veículo, com o barulho estridente do trânsito frenético e o cheiro do asfalto e do rio poluído entrou pelas narinas dos viajantes. Os grandes braços da enorme cidade abraçaram o ônibus, que parecia uma miniatura percorrendo por ela. Os olhos da pobre senhora arregalaram-se. Nunca vira um edifício e ali havia muitos deles querendo alcançar o céu. Apertou com mais vigor a sacola junto ao peito.

— Estamos chegando? Perguntou timidamente ao seu companheiro de banco. O homem somente balançou a cabeça indiferente.

— Meu nome é Benedita

O homem fez que não ouviu.

Ela encolheu-se no lugar. Começou a ficar desesperada. Serpenteando pelas ruas, o ônibus finalmente entrou em uma grande estação e parou em uma comprida plataforma. A porta se abriu e as pessoas começaram a descer. Ela se levantou devagar. As pernas trêmulas. Desceu as escadas lentamente e parou na plataforma. O olhar aterrorizado procura a parente.

Os pensamentos se atropelavam em sua cabeça.

“Nossa Senhora Aparecida me ajuda. Tô perdida.  Cadê a Maria? Que mundo de gente. Nunca vi tanto povo assim. Correm pra num sei onde. Ninguém se olha.  Valha-me Deus Nosso Senhor. Não sei pra onde caminhar.  Maria, cadê você? Que gente mais isquisita.”

A angústia transbordava dela.  O olhar indo de um lado para o outros cheios de assombro e medo.

Uma policial, que fazia sua ronda, percebeu o desespero da pobre mulher.

— Olá, senhora! Precisa de ajuda.

— Tô perdida! Maria vinha me buscar.  Num tá aqui.

— Venha comigo!

— A senhora vai me prendê?

— Não. Vou tentar ajudá-la! Respondeu sorrindo.

Benedita seguiu a policial. Os passos trôpegos desviam das pessoas.

“Minha Nossa Senhora, me salve, o que vai acontecê? Ajudá ou me prendê.  Por que vim pra esse inferno. Prometo que vou dá três galinha pro padre da paróquia, se me livrar di tudo isso.  Eu tinha que vim, Santa, pra salvar meu sítio. Tô danada.”

A policial a encaminhou para o posto.

— Sente-se, senhora. Quer um copo de água?

— Quero.

— Por acaso tem um número de telefone? Perguntou, oferecendo-lhe o copo.

Ela abriu a sacola, tateando com as duas mãos o emaranhado de roupas, espalhados pelo interior, alcançando um pedaço de papel, que puxou para fora e entregou à policial.

— Tá aí.  Num sei lê, não, moça.

— Ah! É uma carta. Pode deixar, eu leio. E passou os olhos pelo que estava escrito.

— Pode ficar sossegada, Dona Benedita.

— Ué, como a moça sabe o meu nome?

— Está aqui na carta e também temos o número de um celular.

— Que é isso?

— Um telefone. Vou ligar para sua prima. 

“Cumo é tudo atrapalhado nessa cidade. Celu, o que mesmo? Mas essa moça é uma santinha. Brigada, Nossa Senhora! 

A policial ligou e falou com Maria, que a esperava na saída do terminal. Benedita suspirou aliviada e agradeceu à policial. 

— Minha mãe também veio do interior e no começo sofreu muito aqui. E abraçou a pobre mulher, que derramava lágrimas de alívio e gratidão.

 



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