A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 29 de julho de 2021

ÊXTASE - Leon Vagliengo

 

 


ÊXTASE

Leon Vagliengo

 

Um soneto de amor, amor profundo e sublime.

 

 

Tão perto, teu rosto exala magia

ao me olhar, perante o beijo iminente,

quando tua emoção me contagia

e tua boca me convida, insistente.

 

Nesses instantes apenas te vejo,

nada mais compartilha a minha mente;

e em meu âmago desperta o desejo          

de mitigar uma ânsia inclemente.

 

Já nem sei se te beijo ou te admiro,

tua imagem, tão linda, me entorpece.

Enfim, se esvai o torpor, e suspiro

 

estreitando o teu corpo nos meus braços.

Num momento não há mais embaraços:

colam-se os lábios, o beijo acontece.


 

Sou - Adelaide Dittmers

 


Sou

Adelaide Dittmers

 

 

Sou pequeno barco,

Singrando por mares inesperados.

Sou água do riacho,

Correndo por campos cultivados,

 

Sou barro da estrada,

Que se pode moldar,

Sou bolha de sabão,

Que se desfaz no ar,

 

Sou pássaro solitário,

Voando livre pelos céus,

Sou pequeno cata-vento,

Que gira ao sabor do momento,

 

Sou por dentro um mundo,

Que me esforço em desbravar,

Sou vale profundo,

Dia ensolarado e noite de luar.

  

LAMENTO - Hirtis Lazarin

 




LAMENTO

Hirtis Lazarin

 

Pelos porões do pensamento

Vagueio buscando meus ais.

Sufocam-me tais sentimentos

Recordá-los, quero mais.

 

               O cenário que se rompe

                Inebria-me de prazer

                É paixão desenfreante

               Que me faz enlouquecer.

 

Despencam do armário embutido

Roupas lançadas ao vento

O paletó enlaça o vestido

Sussurrando-lhe juramento.

 

                    Lençóis brancos retorcidos

                     Corpos entrelaçados e nus

                     Sussurros e gemidos

                     Desprezam os tabus.

 

Boca ardente busca outra boca

Suga-lhe como se fosse abelha

A lua cúmplice lá fora brinca

Alumiando-nos pela fresta da telha.

 

                      A vida passou, foi embora

                       Vejo-me só neste labirinto

                        Será? Isso tudo foi verdadeiro?

                        Minha alma lamenta e chora

                       Saudade é só o que sinto.

 

E no ar o perfume do seu cheiro.                        

                

 

FRUTOS DA TERRA - Henrique Schnaider

 




FRUTOS DA TERRA

Henrique Schnaider

 

Gravura de um menino correndo preso em uma das pernas numa raiz de uma árvore. Foi feita pelo escultor e pintor João dos Anjos em homenagem ao nosso grande Campeão Olímpico dos oitocentos metros Joaquim Cruz.

O que impressiona nesta gravura é a mensagem que João dos Anjos nos passa, já que fica subentendido que Joaquim é um Campeão raiz, fruto genuíno da Árvore criadora de grandes atletas.

Ao mesmo tempo pode-se ver uma noite maravilhosa cheia de estrelas brilhantes.

É uma obra prima deste grande escultor-Pintor João dos Anjos.

Este gênio brasileiro, nasceu na cidade mineira de Juiz de Fora. Seus pais eram muito pobres e o que ganhavam mal dava para se alimentarem. O menino demonstrou desde cedo seus dons para a pintura e a escultura.

Pedia aos pais um lápis e papel e fazia desenhos de paisagens e de animais e seus pais ficavam encantados com a perfeição com que ele desenhava. Pedia ao pai argila pois aprendera na escola a trabalhar com este material e já fazia com muita facilidade como fazia na pintura, figuras de animais e de pessoas.

Dona Carminha, patroa da mãe de João que se impressionou com o dom que o menino possuía, resolveu patrocinar os estudos do menino João e o trouxe para a Escola de Belas Artes de Belo Horizonte.

A esta altura o precoce menino de Juiz de Fora com quinze anos de idade, se destacou nos cursos de tanto de Pintura e Escultura se formando aos vinte anos de idade. Já famoso por participar em exposições em várias capitais brasileiras, bem como em Paris,  Londres, Madrid e também nos Estados Unidos.

Hoje João dos Anjos é um nome consagrado mundialmente e seus quadros são disputadíssimos, atingindo preços exorbitantes. Os marchands de todo mundo disputam o privilégio de poder representar suas obras.  

Atualmente o gênio de nossas artes trabalha numa escultura maravilhosa de três metros de altura de uma ave símbolo da Amazônia a Ararinha Azul, que ficará na entrada principal do Palácio do Planalto.

João dos Anjos é um gênio das artes do Brasil e será condecorado como um dos principais artistas do nosso País.

ÍCARO VIRTUTE! - Claudionor Dias da Costa

 


ÍCARO VIRTUTE!

Claudionor Dias da Costa

 

Lúcia brincou muito naquele dia e se entregou cansada num sono profundo no sofá.

Sua mãe a deixou à vontade e permitiu que ela dormisse o tempo que quisesse. E algo começou a acontecer que deixou inquieto os seus quatorze anos de idade.

De repente a menina lembrou-se de suas aulas de História sobre a Grécia Antiga. Viajou no tempo e em Atenas descobriu um grupo de estudiosos sobre magia e poderes   e aprendeu um feitiço que lhe permitia voar.

Assim, sempre que queria pronunciava as palavras mágicas: “Icaro Virtute” e imediatamente era dotada de forças que através de movimentos de seus braços,   e saía do solo em voos tão altos e velozes quanto fosse sua vontade.

Este poder trouxe alegrias e conhecimentos fantásticos e foi permitindo que ela conhecesse lugares remotos.

Observando tudo do alto esteve pelo Brasil em todos os estados, voando sobre as grandes cidades. Na Amazônia com sua densa floresta, a forma de viver de seus habitantes, os hábitos dos animais predadores, formas de defesa, características do meio ambiente e acidentes geográficos. Tudo isto, foi ampliando sua cultura e sentia-se radiante e realizada com as experiências que voar lhe trazia.

Conheceu as savanas africanas e seus animais, países asiáticos, o polo Norte com clima extremamente frio e a neve em sua imponência.

Passou a tomar contato com guerras, pessoas sofrendo e morrendo devido à fome e doenças. Era um mundo que, para sua pouca idade, só via pela TV e Internet, como se fossem filmes, fora da realidade. Esta passou a ser chocante para ela.

Num de seus voos resolveu que poderia, quem sabe ajudar. Desceu na Síria e andou pelos lugares destruídos pela guerra. Até se hospedou numa casa de família e observou a vida sofrida das pessoas, em constante tensão, fugindo de bombas, passando por necessidades e temendo que não teriam futuro.

Estava caminhando com as crianças onde foi acolhida num dia de aparente calmaria, quando de repente escutaram gritos, barulho de bombas e só tiveram tempo de se esconderem numa das casas destruídas.

Muitos tanques, soldados passando, muita correria e vários tiroteios.  O medo tomou conta deles que ficaram num silêncio absoluto esperando que a situação acalmasse. E o tempo foi passando... Horas de espera e nada de acalmar.

As crianças estavam muito preocupadas porque os pais não sabiam onde estavam. Anoiteceu.

A espera parece que compensou, pensaram. Houve um grande silêncio. Resolveram sair do esconderijo e voltar para casa.

Com cuidado pé ante pé foram descendo a rua escura. Lúcia nunca poderia imaginar passar por esta situação.

Quando estavam muito próximos da casa ouviram um grito e vários tiros de metralhadora começaram a ser disparados. Correram muito. Seus amigos sírios conseguiram correr mais do que ela e por uma viela cortaram caminho e conseguiram entrar na casa. Ela na escuridão se confundiu e se perdeu por aqueles becos confusos. Os tiros continuaram e ela correu apavorada.

Pensou na sua família e na juventude que perderia... Passou a suar intensamente e a muito custo subiu para se proteger num monte de escombros.

Viu os soldados se aproximando de forma desenfreada.

Num lampejo de lucidez se lembrou do poder do feitiço que aprendeu e não teve dúvidas:

− “Icaro Virtute” bradou!

E numa rapidez incrível de braços abertos se lançou ao alto.

Extenuada, ofegante ainda deu um grande suspiro e ouviu a voz de sua mãe:

− Querida... acorde.

Sua mãe começou a acalmá-la, pois estava agitada e balbuciava palavras sem nexo, saindo daquele pesadelo. Ainda confusa misturando o sonho com a realidade exclamou:

- Mamãe, preciso aprender urgente novos feitiços, porque só voar não adianta.

 Quero descobrir como poderei salvar pessoas e torná-las felizes sem guerras e que possam viver em paz.

Sua mãe a abraçou e sorriu enigmática tentando entender o que se passou com ela.

 

 

TWIST O TOURO CAMPEÃO - Henrique Schnaider

 




TWIST O TOURO CAMPEÃO

Henrique Schnaider


Twist nasceu numa madrugada. Um belo bezerrinho todo malhado de branco e marrom igual sua mãe Mary e ao pai, o Touro campeão de rodeios, Balagan, um valioso reprodutor disputado em feiras e exposições.

Twist era manso, pois conheceu o que era o amor  ao lado mamãe que lhe oferecia aquele peito enorme cheio de leite cremoso onde ele se deliciava, pois, os funcionários já haviam ordenhado o leite para a produção de queijos.

E assim os anos foram passando nesta vida boa do Twist junto da mãe, mas tudo tem um pois “não há bem que sempre dure e nem mal que nunca acabe”.

Finalmente ele se tornou um garboso touro forte e grande suficiente, que despertou a cobiça de um dono de rodeios que fez uma fez uma oferta irrecusável pela compra do touro. 

A partir deste momento a vida de Twist foi do céu ao inferno. O dono do rodeio sabia como usar técnicas maldosas para tornar o touro bravo e furioso. O indigitado se tornou revoltado e invencível e não havia peão de rodeio que se mantivesse montado nele.  

A fama de Twist de ser o touro indomável, correu por esse Brasil afora e atraia muitas pessoas que compravam ingressos só para vê-lo derrubar qualquer peão que o montasse, por melhor que fosse.

Até que um dia, sempre tem um dia, um peão, pessoa simples, veio do sertão de Goiás, mas o danado do peão era bom de montar. Ele subiu no Twist e todo mundo dizendo que ele não duraria nem dez segundos. O limite era de trinta segundos e não é que o João boiadeiro ficou o tempo necessário, como fez o Touro se acalmar e ficar ali bonzinho olhando para ele e como estivesse dizendo: — Pois é João reconheço que você me venceu!

E assim o tempo passou e o Twist já velho foi comprado pelo João Boiadeiro, que o levou para sua fazenda e o soltou no campo enorme onde o touro passou seus últimos dias pastando tranquilamente.

O olhar de uma avó - Adelaide Dittmers

 

O olhar de uma avó

Adelaide Dittmers

 

Sob o brilho intenso do sol

Correm como o sopro do vento,

Gritos e risos esparramados pelo jardim,

Botões de flores, que se abrem

Na aurora nascente da vida.

 

Pássaros aprendendo a voar

Por horizontes longínquos e incertos.

A curiosidade percorrendo caminhos,

O saber chegando devagarzinho.

 

 A água, que jorra da mangueira,

O grilo, que salta pelo gramado,

O sagüi, que desce pela árvore,

Tudo é alegremente festejado

 

Grandes mestres em nos ensinar

A alegria de pequenas coisas, viver,

 As indesejadas emoções, domar,

E a deixar fluir por rios caudalosos,

A vida, que imprevisível  passa a correr.

VIZINHANÇA - Henrique Schnaider

 




VIZINHANÇA

Henrique Schnaider

 

 

Quando mudei para a minha residência confortável, onde moro até os dias atuais, olhando os vizinhos, foi como conhecer uma nova família. Procurei aos poucos ver quem eram e se valia a pena me relacionar com eles.

À minha esquerda morava a Sonia, excelente pessoa. Logo passamos a conviver muito bem e toda hora conversávamos pondo as fofocas em dia. Infelizmente faleceu há alguns anos.

Nessa casa veio morar o Fabio, rapaz muito legal, temos em comum o Palmeiras. “Como ajuda a nós homens, o futebol”, que dá motivos para inúmeras conversas. Ele sempre se põe à disposição e me lembra que se houver necessidade, ele está ali para me ajudar.

Em frente, à esquerda, morou por muitos anos o Luiz, meu massagista, amigão até hoje. Devido a sua profissão, sabe da vida de todo mundo e é muito engraçado saber das coisas que acontecem na vizinhança. Ele é muito bem-informado. Sua esposa Lúcia é um doce de pessoa e adora minha cachorra Teca. Constantemente saía com ela para passear. Infelizmente, como a casa era alugada, tiveram que mudar, e agora moram a alguns quarteirões daqui, mas a gente se comunica por aplicativo. A Lúcia, de vez em quando, ainda vem passear com a Teca. Agora mudou para essa casa um senhor de nome Rubens com o qual já fiz amizade, mas não é a mesma coisa.

Tem na casa um senhor que deduzo seja o pai do Rubens do qual, fico condoído, pois o pobre coitado passa o dia todo na garagem sentado numa cadeira. Que triste fim de vida.

Em frente à minha casa morava a Yara, pessoa muito estranha com a qual não convivi tão bem. Se dizia macumbeira e achava que os vizinhos queriam fazer –lhe mal, e me dizia que iria fazer uns trabalhinhos contra todos. Tudo bobagem, pois ficou muito doente, não resistiu e morreu. Já que este é o destino de todos nós seres humanos.

A filha que, de juízo não tinha nenhum, vendeu logo o imóvel por alguns míseros trocados e quem comprou, mandou derrubar tudo para construir uma nova casa. Acabou fazendo da minha vida um inferno com sujeira e barulho ininterrupto, caminhões a toda hora, caçambas e a proprietária não se deu ao trabalho de trocar nem três palavras comigo, para se justificar.

Em frente à direita, desde que mudei para minha casa, e até hoje, moram o casal Petras e a italiana Domênica. Ela, uma pimenta malagueta, barraqueira de primeira e eles sim são muito bons vizinhos, com os quais mantenho muito bom relacionamento.

Ela sabe das notícias melhor do que o Jornal Nacional. Sempre me põe ao par das últimas futricas dos vizinhos. Me conta tudo tim tim por tim tim. Sabe tantos detalhes que me faz lembrar aquele samba antigo. “Pum Pum Pum, estourou a bomba na casa dela, ela falava da vida dos outros e acabava falando da vida dela”.

Trocamos muitas guloseimas e eles me enchem de mimos, vira e mexe o Petras ou ela, me trazem novos pratos e querem que eu dê minha opinião de como está a comida. Querem saber do sabor e se acho que tem algo a acrescentar ou tirar.

Estes são os vizinhos que me dou bem. Por fim aqueles que nem sequer cumprimento. Um caminhoneiro grosso e pelo que sei, até tiro já tomou, e dá para perceber que esse é daqueles que o velho ditado diz que: “não dá para gastar vela com mau defunto”.

Mais ao lado, mora um tipo alemão atarracado. O mínimo que posso dizer, é que é, um cavalo de pessoa, põe grosso nisso. Quando cheguei para morar na minha casa, toda noite ouvia uma gritaria. Era ele agredindo a esposa. Me parece que ele parou de bater nela, pois não ouço mais nenhum barulho. Vai saber lá o que acontece?

Não olho na cara dele e sempre que nos cruzamos, um ignora o outro e me parece que antipatia é recíproca.

Posso dizer que é importante se relacionar com os nossos vizinhos desde que eles sejam boas pessoas e queiram ser nossos amigos também.

A VIZINHANÇA Alberto Landi

 



A VIZINHANÇA

Alberto Landi

 

Quando mudei do apartamento para uma casa, foi porque estava procurando um lugar espaçoso, tranquilo e seguro para se viver.

Encontrei esse paraíso em uma vila próxima, romântica cheia de flores. A princípio observei que os vizinhos não falavam entre si.  A vizinha da direita, geminada com minha casa, era sisuda e implicante.

Não permitia nem mesmo estacionar o carro à porta de sua casa mesmo sem ter a guia rebaixada.  Quando alguém o fazia, ela riscava o carro com um prego. Tentei de todas as maneiras me aproximar, mas não houve reciprocidade.

As paredes das casas eram finas e assim pude aos poucos conhecer os membros da família pelas vozes.

Um dia, estava fazendo compras quando fui abordado por uma senhora, me solicitando ajuda para carregar suas sacolas explicando que de uma forma estranha havia dado um mau jeito na coluna e não estava conseguindo andar direito.

Claro que me prontifiquei em ajudá-la e ao chegar em sua casa me agradeceu muito, mas bastante surpresa, descobriu que éramos vizinhos.   É claro que eu já sabia, reconheci sua voz.

A vizinha da esquerda que nunca vi, tinha uma voz doce e triste. Às vezes a ouvia chorando, e uma voz masculina forte e autoritária discutindo ou gritando!

Passados alguns dias não ouvi mais vozes, nem movimento. Observei também que as plantas da frente da casa estavam murchas. Fiquei preocupado, e relatei o fato a um posto de bombeiros.  Eles foram até a casa e estranharam, porque   havia latidos desesperados de um cachorro.

Arrombaram a porta e a encontraram sentada no sofá, televisão ligada, falecida há alguns dias e o cão latindo tentando avisar os vizinhos!

Foi muito triste! Acredito que serviu de lição a todos os demais, pois temos sim que preservar as amizades, o convívio com amigos, parentes e vizinhos. Mesmo sendo aparentemente diferentes ou estranhos ao nosso modo de ver.

E o cão, mais “humano” que todos nós, só falta falar, tentou ajudar da forma que podia, pois sabia que alguma coisa estava errada e quem sabe a vizinha morta por falta de socorro, tivesse sobrevivido.

O touro Twist - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

O touro Twist

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

  Lino tem cinco anos, é criança esperta, inteligente e muito meiga, seus olhos emanam uma doçura que vem dos anjos. Estava ansioso com a viagem que faria até a fazenda do tio. Não via a hora de brincar com ovelhas, montar em cavalo, tomar leite quentinho tirado de vaca, era o que repetia reiteradamente para a mãe.

  Enfim o dia da viagem chegou, e com olhinhos faiscantes pegou a estrada com a família. A felicidade fazia o coração bater rápido. No percurso já apreciava o verde que servia de pasto em outras fazendas à margem do caminho.

   Quando o carro desligou o motor indicando ter chegado ao destino, Lino olhou em volta e não viu nada do que esperava encontrar. O tio veio recebê-los bem festivo, dizendo que teriam uma grande surpresa, queria apresentar o touro de nome Twist, um animal bravo, feroz, que intimidava a todos com seus chifres pontiagudos e desafiava apenas com o olhar, quem quisesse montá-lo e com o qual esperava ganhar todos os torneios da região e ficar muito rico e famoso, mas para tanto, teve que vender todo o rebanho que possuía.

   Lino não disfarçou a decepção, mas sem outro jeito, foi com o parente conhecer o Twist que estava no curral.

  Mal chegando surgiu entre os dois, criança e animal, um amor recíproco, desses que dizem ser à primeira vista. Twist rendeu-se ao olhar dócil de Lino e para desespero do tio, o touro na mesma hora ficou mansinho, mansinho.

A Mentira - Helio Salema

 




A Mentira

Helio Salema

 

Um adolescente que tinha o hábito de mentir, só percebia, quando seus amigos o olhavam de maneira estranha após relatar uma história.

Quando se aproximava dos amigos, todos ficavam curiosos para saber qual era a do dia. Geralmente era algo relacionado a sua própria vida ou algum fato que ele afirmava ter acontecido.

Um dia logo que chegou, contou o que havia feito na noite anterior, antes que dissesse outra coisa, todos olharam para o rosto dele e começaram a dar risadas. Alguém logo gritou:

- Olha o nariz dele!

Risadas e mais risadas se sucederam. Como um raio em tempestade foi direto para casa.

Ao olhar no espelho percebeu que seu nariz estava muito pequeno. Uma nuvem triste assolava seus pensamentos. Toda hora olhava no espelho. Ao falar com sua mãe evitava olhá-la de frente. Quando ela saía para trabalhar foi um alívio. Evitava os lugares onde os amigos pudessem vê-lo.

Resolveu então caminhar em direção a mata, lugar que gostava de ir, principalmente, na parte da manhã. Mas há muito tempo que não fazia este passeio. Desta vez, no entanto, parecia que os animais olhavam para ele assustados. Logo veio a lembrança das risadas dos amigos.

As horas foram passando. Ele pensou em colher frutas para saciar a fome, principalmente goiaba e amora, pois as conhecia e sabia onde encontrá-las. Desta vez, porém não encontrou uma sequer.

Continuou a procurar.

Ficou surpreso quando viu ao longe uma casinha, nunca a tinha visto antes. Curioso que era, foi naquela direção. Quando chegou perto percebeu que a porta estava aberta. De dentro exalava um cheiro agradável. Olhou para os lados e não viu ninguém. Ao chegar mais perto da porta viu que era uma cozinha. Em cima do fogão havia vasilhas. Com medo afastou-se e pensou ir embora, mas o instinto de sobrevivência animal segurou suas pernas. Lentamente foi entrando, ao se aproximar do fogão viu que numa das vasilhas havia algo que parecia carne. Ao pegá-la veio a surpresa. Não só era carne como também era ela a dona daquele cheiro maravilhoso. Como um animal faminto começou a devorá-la. Tão rápido que seu estômago começou a doer.  Parou por instantes, em seguida foi mastigando bem lentamente. Olhou muito atento nas outras vasilhas na esperança de haver mais alimentos.

 De súbito lembrou que não estava em sua casa. Com o delito concretizado, como um rato que acabou de comer o queijo e foge para não ser pego, pensou logo em sair daquele local alheio.

Ao virar-se em direção a porta deparou-se com uma pessoa que estava, silenciosamente, sentada entre a porta aberta e a parede. Como um animal acuado quis correr, viu, no entanto, que daquele rosto, nunca antes visto, expressava um sorriso. Uma voz suave como a de uma mãe que acalenta seu bebê, ouviu.

- Estava saborosa! Não estava?

Balançou a cabeça três vezes confirmando.

- Aquele pedaço sobrou do meu almoço, eu sentia que alguém chegaria necessitando,

Seja bem-vindo.

Você estava faminto?

Agora sem a presença do medo respondeu.

Sim.

Perdeu-se na mata?

- Eu estava caminhando, fiquei com fome, procurei frutas, mas não encontrei.

Nesse instante ao lembrar do nariz levou as mãos sobre o rosto, de maneira tão brusca que seus olhos revelaram o susto que lhe dominava. Mais uma vez aquela voz doce como uma amora bem madura.

- Por que você cobriu o rosto?

Depois de um instante refletindo, e diante de uma figura tão meiga e serena, respondeu.

- Meu nariz está muito pequeno.

- Sim. Eu reparei. Mas à medida que você respondia minha pergunta notei que seu nariz aumentava. Acho que está quase normal. Olha naquele espelho que está naquela parede.

Para sua surpresa, realmente, havia aumentado um pouco, mas não o suficiente. Seu rosto alternava alegria e frustração pois ainda não estava totalmente recuperado.

- Quando começou?

- Acho que foi ontem. Meus amigos riram de mim.

- Você não percebeu antes?

- Antes de sair de casa olhei no espelho e estava tudo normal.

O velho então disse.

- Com seus amigos diminuiu, aqui aumentou. O que aconteceu lá?

Por um momento pensou em inventar algo, mas como um milagre, sentiu que poderia assim diminuí-lo novamente. Olhou para o velho que o observava tranquilamente, e como se sentisse diante de uma criatura Divina.

- Foi depois que eu disse uma coisa que não era verdade.

- Parece que agora seu nariz voltou ao normal.

Instintivamente, virou-se e olhou atento no espelho. Que alívio!

Com os olhos cheios de lágrimas voltou-se para o velho.

- Como isso aconteceu? O senhor me ajudou, muito obrigado.

- Meu filho! A mentira é uma ferida que corrói a alma de quem a contempla, só a verdade pode engrandecer a alma.

Aliviado com aquelas palavras, lembrou que sua mãe, certamente, o aguardava.

- Eu tenho que ir, minha mãe deve estar me esperando.

- Volte quando quiser voltar, Deus te acompanhe.

 

 

Paredes como pontes - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 



Paredes como pontes

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

  Casa nova, rua nova, ambiente novo, vizinhos novos, era tudo o que eu precisava naquele momento. Acabei de sair de um relacionamento sem filhos, o que me deixava mais tranquilo, e queria fazer tudo diferente, na vilinha que passaria a morar. Porém, a vizinhança era sisuda, deu para ver logo de início. Rostos fechados, ninguém cumprimentava ninguém, nem com simples bom dia. Com as casas geminadas percebia-se a ausência de silêncio durante o dia e também à noite, e foi assim, através das paredes, que pude conhecer um a um dos meus companheiros da vila.

   Rafaelo, meu vizinho da direita, morava com a filha. Era idoso, com forte pigarro devido ao vício do tabaco. Podia-se escutar os gritos da filha dando bronca, toda vez que ele acendia um cigarro e depois tossia forte quase engasgando.

   Do lado oposto estava a viúva Bernardete. Descobri o nome por acaso, certa vez que ela atendeu ao telefone e se identificou para quem estava do outro lado da linha. Pontualmente às vinte e uma horas podia-se escutar seu pranto, regados de soluços.

   Mais adiante a Sra. Matilde com a casa cheia de cachorros, que latiam bastante, interrompendo meu cochilo nos finais de semana após o almoço.

   Por fim os recém-casados Beto e Esmeralda. Descobri os nomes entre os sussurros fogosos altas horas da noite, que me faziam imaginar beijos e carícias atrevidas do casalzinho.

  Enfim, foi assim que conheci um pouco sobre eles, e eles a mim certamente, identificando pela parede, minha alergia noturna, que me fazia espirrar, pelo menos quinze vezes antes de adormecer.

O GRANDE TWIST - Helio Salema

 


O GRANDE TWIST

Helio Salema

 

Na fazenda em que meu tio trabalhava havia muitos animais. Nós crianças gostávamos do bode DODÔ, porque ele puxava a carrocinha com três crianças de cada vez. Era uma farra. Dar milhos para as galinhas e colher ovos era uma maravilha. Tão bom quanto tomar banho no ribeirão. Escalar os pés de frutas era competição para quem subisse mais alto e colhesse mais.

O único lugar que não podíamos nem chegar perto era cercado do touro twist.

 O velho Manuel que vivia ali há muitos anos, disse que a filha do dono, deu este nome porque quando pequenininho ele não parava. Pulava pra todos os lados. Parecia que estava dançando.

Ele contava e ria ao mesmo tempo. Dizia que nunca viu ninguém dançar assim.

A baia tinha duas cercas de arame farpado com mourões grossos e muito resistentes. Ficava abaixo da estrada quase um buraco. Mesmo os adultos evitavam chegar perto da cerca, pois isso deixaria o touro enfezado.

Um dia uma criança muito curiosa aproximou-se da cerca, quando viu o touro agitado saiu correndo e chorando igual bezerro desmamado.

O dono da fazenda tinha muito orgulho do Twist, que sempre ganhava troféus. Ele dizia que o touro valia muito dinheiro. Eu não entendia o porquê. Para mim ele é majestoso e imponente. Bonito de ser admirado de longe.

Um dia quando eu chegava do colégio, encontrei lá em casa meu tio. Queria saber se no próximo feriado eu iria passar na fazenda.

Fiquei contente com a possibilidade, mas quando ele disse que o touro tinha morrido, fiquei triste e nunca mais quis voltar à fazenda.

 

O MEDO - Alberto Landi

 


O MEDO

Alberto Landi

 

O medo cresce toma conta de mim, corro, corro o mais que posso, desesperado.

Preciso escapar dessa noite de trevas e terror que envolve todo meu ser, todo meu corpo; preciso alcançar a luz, o dia, fugir das estrelas e da noite enluarada que brilham nessa vasta escuridão desse céu infinito!

As árvores dessa floresta de breu parecem monstros, que me engolem como fantasmas e eu corro ainda mais e quanto mais corro mais perto eu fico dos meus medos.

No caminho passo pelas margens altas e abruptas de um rio. À esquerda desde a estrada até a linha do céu um amontoado de nuvens, estendem-se campos não ceifados.

São raramente interrompidos por florestas que predominam carvalhos e olmos. As florestas em barrancos profundos, vão até o rio e com descidas íngremes e abruptas atravessam a estrada.

O vento bate no meu rosto rasgando minha pele com um furor tão intenso, zumbindo nos meus ouvidos como o uivo de lobos famintos.

Meu corpo treme sem controle com pavor dos monstros e fantasmas nas matas que se formam ao meu redor, correndo na mesma direção!

Acordo suado, cansado como vindo de uma maratona; mas meus pés debaixo dos lençóis, estão feridos cheios de galhos e folhas secas, enroscados como samambaias famintas sugando o caule de uma árvore.

Ufa! Esse foi um sonho de uma noite de outono que não gostaria que acontecesse novamente!

 

O sonho de uma árvore - Ana Catarina Sant’Anna Maués

 


O sonho de uma árvore

Ana Catarina Sant’Anna Maués

 

   Meu tronco largo indica os anos que tenho, posso adiantar que já passam de cem. Estou firme, plantada no meio de uma estreita praça e tenho orgulho da minha solidão, pois posso aproveitar, do alto dos meus quase cinco metros, o sol a aquecer minhas folhagens, e em  noite de lua, receber o presente de sua doce luminosidade acarinhar-me.

   Dou abrigo a vários tipos de ninhadas, pois recebo a visita de enamorados Trinca-ferro, Corrupião, Canário e outras tantas espécies, e como retribuição recebo belas melodias. Acolho com satisfação, a encantar meus galhos orquídeas em suas mais belas floradas. E assim passo o tempo, porém quando vejo as crianças a brincar próximas a mim, fico triste com minha impossibilidade de com elas correr sem limite.

   Apesar de não ser frutífera, tenho consciência de minha importância para homens e mulheres que desfrutam de minha sombra, mas a facilidade que têm de deslocar-se de um lado ao outro chega a incomodar-me, uma pitada de inveja surge. Liberdade é o nome. Não chego a chorar ou desesperar, mas minha vontade de vez por outra trocar de lugar, ver outras paisagens faz apertar o coração. Todavia de uma coisa não me permito privar-me, posso sonhar, e quando sonho sou livre e consigo fazer o que quiser, até mesmo fazer de um galho meu, o esboço de um menino e senti-lo desprender-se de mim, indo correr e brincar como se ser humano fosse.

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    O cãozinho aventureiro Alberto Landi                                       Era uma vez um cãozinho da raça Shih Tzu, quando ele chegou p...