
O QUE FAREMOS AGORA?
HIRTIS
LAZARIN
      Pat e Juliane conheceram-se na pré-escola
e nunca mais se separaram.  Pareciam
gêmeas univitelinas.  Além do cabelo
loiro e dos olhos azuis, eram iguais no jeito de pensar, de se comportar e até
no jeito de gostar.
          Além de boas alunas, lidavam com as
opções que o computador nos oferece como se estivessem brincando.  E foi através das redes sociais que
conheceram Paulo Roberto, rapaz de 25 anos, carioca e fotógrafo de agência de
modelos.  A profissão que exercia atraiu
as adolescentes como o mel atrai as moscas.
          Troca de fotografias... Promessas
mil...
          Hoje, qual é o sonho de nove entre
dez adolescentes?  Todo mundo "tá
careca" de saber que é ser modelo, pisar nas passarelas, ganhar o mundo e
um mundo de dinheiro, protagonizar a primeira capa de revista.  Sucesso e fama.
          Fugiram de casa e, inconsequentes,
embarcaram para o Rio de Janeiro.  Essa é
a idade dos sonhos e fantasia.  Fantasiar
a realidade é com elas mesmas.  Não se
preocupam com o depois, topam qualquer parada, dormem em qualquer
cantinho.  Dá-se um jeitinho pra
tudo.  E a inocência encobre-lhes a visão
do mal.
          De táxi chegaram ao endereço
combinado.  Era um bairro bem antigo do
Rio.  A casa número 339 era pintada de
branco, restaurada, colonial.  Uma
senhora, ao ouvir a campainha, espiou por uma fresta da cortina. Abriu a porta
e as recebeu com presteza.  Essa atitude
teve um efeito positivo, mas a roupa que vestia provocou risinhos sarcásticos
nas meninas.  Era um vestido longo
multicolorido, turbante na cabeça, batom vermelho carmim e nas orelhas duas
argolas  com um diâmetro que quase
alcançava os ombros.
          A sala era decorada com sofás
vermelhos de veludo brilhante, cortinas com franjas douradas e tapete de
oncinha. A breguice do lugar não tinha nada a ver com o estúdio fotográfico que
imaginavam:  Um ambiente espaçoso e
sofisticado, posters de famosos espalhados, tapete de afundar o pé, flores
naturais e uma mesa farta de frutos.  Ali
tiveram  a primeira decepção.
          A aparição de Paulo Roberto
causou-lhes um estremecimento maior ainda. Ele aparentava ser bem mais velho,
pouco cabelo, bigodes espessos que cobriam o lábio superior.  Trocaram poucas palavras e encaminhou-as ao
quarto onde ficariam alojadas.  O
corredor era comprido com uma sequência de portas nos dois lados da parede.  E muito... muito escuro.  Garotas em trajes provocantes circulavam pelo
local.  
De
mãos agarradas, choro reprimido pelo medo, chegaram a uma escada em caracol que
não tinha mais fim.  Ali no alto e
isolado estava o quarto reservado às duas. 
Uma cama de solteiro, um armário de uma porta só, um vitrozinho lá no
alto quase encostado no teto.  Uma cela
de prisão e um cheiro insuportável de mofo. 
As bolsas de mão foram subtraídas e o celular também.
          Elas entraram em desespero.  Sentadas na cama e abraçadas choraram um
choro silencioso que parecia não ter fim. 
Pensaram nos pais e na loucura que fizeram.  De cansaço, adormeceram.  Juliane acordou primeiro.  Achou que estava tendo um pesadelo.  Abriu os olhos, o pesadelo era real.  No escuro tateou as paredes até encontrar o
interruptor.  A luz era tão fraca que,
mesmo acesa, deixava o quarto  na
penumbra.  Acordou a amiga.  Tremiam de medo, de frio e de fome.
          Não restava a menor dúvida.  Caíram numa grande cilada.
          O que faremos agora?
          Juliane tinha ainda seu celular.
Enquanto as duas aguardavam na sala de espera, Juliane foi ao banheiro e, num
ímpeto de lucidez, escondeu o aparelho nas peças íntimas.  Tinham, então, a possibilidade de serem
salvas.
           Ligaram pra casa, passaram o
endereço aos pais, enlouquecidos há dois dias.
          Vinte e quatro horas depois, a
polícia mais treinada do Estado invadiu a casa. 
Mais um prostíbulo foi denunciado e, desbaratada uma quadrilha
internacional de tráfico de mulheres bonitas e jovens.
           Três meses depois, quase trinta
integrantes já estavam encarcerados.  
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