A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Foi em Berlim? - Hirtis Lazarin

 



Foi em Berlim?

Hirtis Lazarin


As câmeras do aeroporto de Berlim registram Pedro apanhando a mala na esteira. Achei grande demais para os poucos dias que pretendia permanecer no exterior. Caminha rápido ao lado de outras pessoas e, agora, isolado, encosta numa coluna. Consulta o relógio, olha ao redor como se procurasse alguém e decide entrar no coffeeshop quase vazio.  Olha o cardápio e, antes de fazer o pedido, tira do bolso do blazer um bloquinho e procura anotações. O telefone toca e, ao atender todo esbaforido, deixa o aparelho cair. A força é tanta que o vidro frontal não resiste.  Mas antes que a ligação caísse, consegue atender. O tom de sua voz vai se alterando gradativamente e chega aos gritos. Os olhares voltam-se pra ele, um comportamento inadequado àquele ambiente.   Com a mão esquerda, irrequieta, alisa os cabelos repetidas vezes. Transpira e do rosto escorre suor.  Sua expressão facial vai se transformando e revela outro Pedro. Um homem muito assustado que em nada combinava com o empresário seguro e experiente.

Lá em São Paulo, Helena está no seu consultório e atende suas pacientes-crianças. Hoje, a turminha agitada cismou em atrasar as consultas com suas manhas cheias de querer. De manhã, ela não teve tempo de se despedir do marido com a viagem de negócios à Alemanha.  

Acordou bem atrasada, vestiu a mesma roupa do dia anterior, um casaco de lã pesado sobre o terninho azul-grafite. Passou pela cozinha e, de cara feia, cuspiu um gole de café gelado. A garrafa estava isenta de culpa, alguém descuidado não soube fechá-la do jeito certo. 

Já eram quinze horas quando a secretária avisou que as duas próximas consultas tinham sido canceladas. Ficou aliviada, nem teve tempo de almoçar.

Tirou o jaleco que não era mais de um branco impecável e esparramou-se na poltrona macia, amiga acolhedora de mulheres exaustas.  Depois de quase esvaziar a jarra de água gelada, respirou profundamente, o necessário para sentir-se refeita. Lembrou-se do marido.

Pegou o celular guardado na gaveta e fez cálculos sobre a diferença de quatro horas entre o Brasil e a Alemanha. Provavelmente, ele já estaria no hotel. Fez a ligação, aguardou uma dezena de toques e não foi atendida. Não se preocupou porque conhecia bem as distrações do marido e, se ele caísse na cama, nenhum toque de celular o acordaria. 

Ainda no coffeeshop, Pedro está bem agitado e descontrolado. Espera alguém que há uma hora deveria ter chegado. Vai até o balcão, toma um café e mais outro. Compra um maço de cigarros, não é viciado, mas precisa se acalmar. Senta-se numa mesa pequena no espaço reservado aos fumantes. O cheiro da fumaça é forte, não está acostumado e sente náuseas. Joga o maço no lixo, ainda não perdeu o juízo.  Ele não queria acreditar que poderia ter caído num golpe. O preço pago foi alto.

Após falar ao telefone, Pedro não tirou mais os olhos da entrada da loja. A demora o angustiava. Só sossegou quando apareceu por lá não quem ele esperava, mas uma jovem elegante. Aproximou-se dele e conversavam como se já se conhecessem. Ela percebe o nervosismo do homem e, com voz mansa e gestos afetuosos, faz de tudo para acalmá-lo. A conversa foi longa, mas deu bom resultado. Saíram dali juntos e ele não foi mais visto. Desapareceu do nada.

Helena entrou na delegacia aos gritos e gesticulando. Ninguém entendia o que falava. Tentou contato com o marido a noite inteira, ligou à recepção do hotel e ele ainda não tinha aparecido por lá. Foi a gota d’água... Chamou um táxi, não tinha condições de dirigir. Segundo ela, Pedro se encontraria com um intérprete espanhol para acompanhá-lo nas negociações. 

Já se passaram quatro dias. A polícia federal estava trabalhando com a Interpol e, num primeiro momento, supunha-se que o negócio empresarial agendado poderia ter sido uma isca para atraí-lo a um golpe.  Por questão de sigilo, nada seria divulgado. E a imprensa já estava de olho no caso.

Helena queria contribuir com as investigações e começou a vasculhar a papelada no escritório do marido. Era um tal de abrir e fechar gavetas.  Muitas pastas, muitos papéis avulsos. Contratos que pra ela não significavam nada. Precisava encontrar alguma pista. Um cartão com lista de peças de roupas estava preso no pequeno mural. Helena leu várias vezes tentando entender. Estranhou porque essa anotação não combinava com os recados rotineiros. 

Puxando na memória, lembrou-se de que, na véspera da viagem, Pedro estava bem feliz, brincalhão, um pouco diferente de outras vezes em que viajou sozinho.  Até cantarolou durante o banho e enquanto arrumava a mala e era sempre ele quem separava as roupas.  

Um insight… Helena correu ao quarto e escancarou o armário do marido. Conhecia de cor e salteado todas as peças de roupa. Ela sempre fez questão de cuidar.  Foi tirando uma por uma e logo descobriu o que não queria descobrir.  Faltavam peças esportivas e as mais coloridas: bermudas, camisetas, tênis. Que reuniões empresariais seriam essas? Os ternos continuavam ali intocáveis.

Nem preciso descrever. Todos sabemos como reage uma mulher que se sente traída e ainda com todas as provas à sua frente. 

Essas informações foram importantíssimas às forças policiais que mudaram totalmente o rumo das investigações. 

E foi bem mais fácil localizar o suposto sequestrado, depois de seis horas de andança e cruzar nove quilômetros de trilha difícil. 

Pedro estava hospedado num hotel à beira-mar na ilha Torrent de Pareis, Espanha. Praia perdida e selvagem, areia dourada, fina e águas cristalinas azul-turquesa, ideal para escapadas românticas. Sol quente e esportes aquáticos.  Noites calmas de lua cheia ao som do balanço do mar.

Eram nove horas da manhã. Pedro e Lucy, avermelhados na pele branca, conversam e tomam café da manhã. 

Era muito mais do que a imprensa esperava.

 

 

MATERIAL DA AULA DE 28 DE FEVEREIRO DE 2024 - QUE NUNCA FALTE EMOÇÃO NA ESCRITA

 





Quando os autores não se preocupam em empenhar emoção na história, é muito provável que a história não faça a necessária conexão com o leitor. Pois é através da emoção contida na trama que o leitor sentirá empatia com o enredo. Se não houver essa conexão, é porque não houve emoção suficiente no texto.

Não tenham medo da pieguice, não fujam daquilo que é importante para segurar seu leitor: emoção textual. O texto é sua mercadoria, ofereça a melhor, a mais atraente, a mais empolgante.

Além do já costumeiro conselho “mostre, em vez de contar”, vocês, escritores, precisam ir mais fundo, se apoderando dos pensamentos dos personagens, das expressões faciais, dos sinais através dos olhares, dos movimentos corporais. Não devem ter receio de levar o personagem às lágrimas, ou às últimas consequências. Façam isso e explorem os sentimentos deles para contagiar o leitor. Invoquem o passado do personagem para provocá-lo, tragam à tona um amor esquecido que vem agora torturá-lo, um crime escondido, um segredo que ele jamais imaginou as consequências se fosse revelado. Provoquem seus personagens! Trabalhem arduamente na emoção do personagem, na emoção textual.

Descrevam dores e sofrimentos, mostrem seus corações batendo forte, o suor escorrendo pelas costas ou suas mãos ficando dormentes por cerrar os punhos. Podem ir além, dizendo ao leitor que ele teme pela sua vida. Sim, numa conversa do narrador com o leitor, ou do personagem com o leitor, mostrem a insegurança, o medo do personagem. Explorem tudo através das figuras de linguagem, escolham um título chamativo, façam valer as ferramentas literárias que moram nos confins de tantas escritas.


Criar dois contos tendo o cuidado de empenhar emoção nos personagens, e no enredo.


TAREFA 1: “Uma jovem de 15 anos faz inquietas descobertas por meio de linhas telefônicas cruzadas”

 

TAREFA 2: Uma milionária, importante empresária do ramo de minérios, sofre um mal súbito e perde a memória.



Coordenadora: Ana Maruggi

E-Mail: contosdoical@gmail.com

BLOG CONTOS DO ICAL: http://contosdoical.blogspot.com

 

 

A HERANÇA - Dinah Ribeiro de Amorim.

 

 


A HERANÇA

Dinah Ribeiro de Amorim.

 

Alfonso, imigrante italiano, chegou ao Brasil em 1940, pobre, com mulher e seis filhos.

Dirigiu-se ao interior do Estado da Bahia, com intenções de trabalhar na terra. Era agricultor.

Após muito esforço e auxílio dos filhos mais velhos, consegue uma região fértil e planta cacau. Progrediu, tornando-se um dos fazendeiros mais bem-sucedidos e conhecidos da região. Um homem rico, com filhos e netos estudando e até vivendo fora do país.

O tempo passa, a idade pesada chega, e Alfonso sabe que o esforço rendeu frutos. Deverá colocá-los em mãos habilidosas, com amor à terra e à plantação, também.

Dos seus filhos, reconhece que só o mais velho, Joel, continuou morando com ele e participa dos problemas da fazenda.

O advogado da família, Dr. Arthur, alerta-o para o preparo de um testamento. Estabelecer uma herança, assim, evitará muitos problemas futuros.

Com a saúde já bastante debilitada, pensa em comunicar aos filhos e netos distantes, errantes pelo mundo em viagens e lazeres, a necessidade de uma divisão de bens. Gostaria de fazer justiça a Joel, o mais velho, o mais amante e habilidoso de todos. O filho que dedicou e compreendeu as necessidades do pai.

Começam a chegar avisos e cartões de saudades e preocupações com o velho. Ao falar em partilha dos bens, os interesses se voltam para ele e suas terras na Bahia.

Uma certa tristeza bate no coração de Alfonso, ser lembrado somente quando a morte anda próxima. Sabia de comentários de amigos, na mesma situação, mas nunca achou que aconteceria com ele. Deixava-os aproveitar a vida, satisfeito.

A natureza humana, infelizmente, é quase igual para todos. Principalmente, quando o assunto é dinheiro.

Aos poucos, seus herdeiros avisam a volta para breve, cheios de saudade e afeto pelas terras e sua situação.

O velho pai, cansado, chama Dr. Arthur e, na presença de Joel, prepara um testamento que considera justo, deixando para ele a fazenda mais lucrativa, seu maior bem!

Joel, temeroso da reação dos irmãos, não quer aceitar essa divisão, mas o pai insiste com o advogado para ser obedecido.

Alfonso tem um ataque cardíaco que o leva ao hospital, sempre acompanhado pelo filho Joel. Permanece lá uns três dias e falece.

Os filhos distantes, sabedores de sua enfermidade, viajam para o Brasil, mas não chegam a tempo de vê-lo com vida.

Permanecem hospedados na fazenda e demonstram ao advogado e irmão mais velho imensa tristeza e arrependimento por isso. Muitas dificuldades em trânsito.

Após uns dias reservados ao luto, Dr. Arthur avisa-os de que existe um testamento assinado pelo pai e marca dia e hora para uma reunião.

Ansiosos para ouvi-lo, todos permanecem em silêncio e aguardam para saber a sua parte.

O testamento é aberto. O pai declara seu amor a todos e o desejo que permaneçam unidos e felizes.

Para Martha e Cristina, deixa um apartamento bem montado em Copacabana, estado do Rio de Janeiro. Sabe que só vêm ao Brasil para curtirem férias no Rio, lugar de preferência delas e de suas famílias.

Pedro e Rubens recebem uma boa quantia em dinheiro, auxílio para seus filhos cursarem uma boa Universidade fora do país, grande desejo deles.

Maurício, seu caçula, meio descabeçado, amante de música e viagens aos países longínquos, deixa um roteiro ao redor do mundo, com direito às melhores acomodações, terminando com um pequeno apartamento em Paris, desejo antigo de Alfonso, que não foi realizado.

Enfim, todos se entreolham, um pouco espantados, e perguntam: “E a fazenda, a principal fonte de renda, com todo o cacau? ”

Arthur sorri, acostumado com testamentos e dúvidas sobre heranças, quando há muito dinheiro em jogo. “A fazenda, responde ele, deixa para Joel, seu único morador aqui presente, que a conhece e é capaz de dirigi-la. ”

Diante dos olhares furiosos dos irmãos, Joel se desculpa, afirma que não foi essa sua intenção, mas exigência absoluta do pai.

Dr. Arthur percebe que haverá contendas e pedidos de anulação. Será advogado de defesa de Joel, com certeza.

O Alfonso foi bom pai para todos e soube fazer justiça!

 

UMA NOITE APAVORANTE - Leon Alfonsin Vagliengo

 




UMA NOITE APAVORANTE

A Felicidade se constrói, mas sempre será muito vulnerável.

                                                                                                                          Leon Alfonsin Vagliengo                        

 

Tinha sido um dia de trabalho muito pesado na obra onde Edvaldo servia como pedreiro, e o calor abafado de quase quarenta graus havia tornado aquela jornada quase insuportável. Depois de mais de uma hora de ônibus para chegar ao pé do morro onde mora, subiu os cem metros da íngreme trilha de barro, saiu dela pela passagem da direita e ainda andou mais uns cinquenta metros no caminho estreito que o levou até seu barraco, onde a Gilmara, toda cheirosa, sempre o aguardava com um sorriso e um beijo, feijão com arroz quentinho, e um belo ovo frito; às vezes, até um bife. Era o seu jantar diário, que encontraria reproduzido na próxima marmita, na hora do almoço.

Chegou exausto.

Como já era do costume, tomou um belo banho de água fria no chuveiro que ele mesmo havia improvisado e vestiu a roupa de ficar em casa com sua jovem esposa, deixando o macacão de serviço pendurado atrás da porta para usá-lo no trabalho do dia seguinte.

Naquela noite fez tudo igual, mas o cansaço o dominou. Mesmo a resistência própria da juventude tem limites. Já passava das nove horas e teria que se levantar cedo para voltar ao trabalho. Assim, um pouco depois de jantar, beijou Gilmara carinhosamente e desculpou-se por sua fraqueza do momento: estava muito cansado, precisava dormir.

— Nunca senti tanto cansaço. Amanhã a gente namora. Hoje eu não aguento.

Disse isso a ela e provou naturalmente que era verdade, pois mal se deitara entrou num sono profundo, do jeito que a pessoa parece que não vai acordar nunca mais.

— Nossa! Pode cair a casa que esse aí não acorda! — Gilmara resmungou para si mesma, divertida e sorrindo, sem imaginar o que ainda viria.

Ao ver que ele dormia feito pedra, deu graças a Deus, pois não teria coragem de negar-se aos carinhos de seu marido, mas também estava cansada. Deitou-se ao lado de Edvaldo e logo dormiu. Lá fora caia uma chuvinha leve, e o suave ruído da água sobre o telhado embalava o sono do casal.

Pela madrugada o barulho da chuva tornou-se mais forte, e acabou acordando Gilmara, que tinha o sono leve. Preocupada, abriu a janela tosca, sem vidros, para espiar o pé d’água. Estava mesmo muito forte.

Vieram a sua mente os noticiários que ouvia com frequência no radinho de pilha sobre tantas desgraças que a chuva já provocou para moradores de morro. Ficou apreensiva e o sono foi-se embora de uma vez. Olhou para o marido, que continuava a dormir profundamente, preferiu não o acordar, pensando “deixa o Valdo dormir, coitado. Está mesmo cansado. Mais alguns minutos essa chuva passa e eu posso voltar a dormir com ele, sossegada”.

Mas essa consideração não afastou o pressentimento de tragédia, cada vez mais fortalecido pelo crescente barulho da chuva. Maus pensamentos tomaram Gilmara. Começou a imaginar um deslizamento da encosta, o soterramento de sua morada com ela e o Valdo lá dentro, ficou com medo. O tempo passava, seu marido dormia a sono solto, e a chuva não diminuía, era intensa, fazia um barulho forte, muito forte, agora acrescido pelo das lufadas de vento, cada vez mais violentas.

Olhando pela janela, ela via somente aquela escuridão, apenas quebrada por uma fraca iluminação emanada da cidade ao longe, que lhe permitiu perceber quando uma pequena árvore foi arrancada do solo e arrastada pelo vento até desaparecer. Fortes trovões ribombavam de quando em quando. A inquietude de Gilmara crescia, seu medo já se transformara em pavor.

Olhou para Edvaldo, ele dormia. Por um instante sentiu-se desamparada.

A sirene de alerta começou a soar ao longe. Apavorada, passou a sacudir Edvaldo freneticamente, para despertá-lo.

— Acorda, Valdo! Acorda!

No mesmo instante, brilhantes riscos de luz ligaram o céu à terra, iluminando por um momento fugaz todo o cenário, seguidos por um fortíssimo estrondo.

Edvaldo acordou assustado com o impressionante estalido do raio e pela maneira como Gilmara o sacudia. Logo percebeu o terror estampado no rosto da esposa e ouviu também a sirene, compreendendo o perigo. Com a descarga de adrenalina que teve, despertou de vez, e sua reação foi imediata:

— Vamos sair daqui! Já!

Tomou a mão de Gilmara, abriu rapidamente a porta e saíram, mas travaram seus passos logo depois de alguns metros ao presenciar o impressionante deslizamento de toda a ribanceira por onde passava a trilha, vinda desde lá de cima, levando com ela algumas casas e cobrindo outras mais embaixo, quase atingindo o local do barraco. Tiveram muita sorte por não saírem um pouco antes e chegado à trilha, pois teriam sido soterrados.

Sem a trilha não havia saída.

Desesperados, ambos examinaram em volta de onde estavam, não encontrando escapatória. Também não poderiam retornar ao barraco, pois havia ficado bem à beira do abismo que restara após a queda da encosta, podendo despencar a qualquer momento.

Teriam que ficar ali mesmo, esperando socorro e rezando para que o terreno se mantivesse estável. Ambos com muito medo, Edvaldo e Gilmara ficaram abraçados sob a chuva, no aguardo da sorte que o destino lhes reservaria.

Amanheceu, a chuva parou. O sol já brilhava ardente quando o socorro chegou do Céu. Depois de avistados por um agente da Defesa Civil, foram resgatados por um helicóptero da Polícia Militar. Ao ver o helicóptero se aproximando, Edvaldo ainda se arriscou a entrar rapidamente no barraco para pegar seus documentos e a roupa de trabalho.

Em seguida ao resgate, foram levados para um abrigo improvisado na quadra esportiva da escola da comunidade, onde receberam algum alimento, roupas secas e um colchão para descansar, dividindo aquele espaço com outros socorridos.

Naquele dia Edvaldo não pensou duas vezes: nem descansou, nem foi trabalhar na obra. Após ver que Gilmara estava acomodada, mesmo que precariamente, e em total segurança, vestiu sua roupa de trabalho, conseguiu uma pá e juntou-se aos socorristas para ajudar nas escavações. Um trabalho de urgência absoluta, pois havia pessoas nas casas soterradas, e sempre há esperanças de se encontrar e salvar sobreviventes.

Enquanto cavava aquela terra encharcada e pesada, Edvaldo só tinha em seu pensamento que tinham perdido quase tudo, mas ainda ficara o principal: ele e Gilmara, com juventude e saúde. Então, mais tarde procurariam algum lugar seguro para construir um novo ninho e retomar suas vidas.

 


MEDO - Helio Fernando Salema e Vanessa Proteu




MEDO


Helio Fernando Salema

Vanessa Proteu 

Um trabalho conjunto de Helio e Vanessa para trabalhar rimas ricas no poema do Helio

 


Eu me afastava,

Mas ela me seguia.

Minha força já escassa,

Somente o céu era meu guia.

 

Olhei para trás,

O suor já escorria.

Fugir não dava mais,

Precisava de alforria.

 

O céu, então, escureceu.

Raios clareavam o caminho

Findou-se o sonho meu

Acompanhado, porém sozinho.

 

A tempestade corria sem pressa

Vinha de mãos vazias

Estava desesperada à beça

E o meu medo persistia.

 

Ao transpor a realidade

A magia não mais havia.

Hoje lembro acordado

E sinto saudade daquele dia.


A PERFÍDIA - Dinah Ribeiro de Amorim

 



A PERFÍDIA

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Prim...Pirim...Pim...Pim...

Olívia debate-se na cama e acorda assustada. Desliga o relógio e percebe que Carlos não veio dormir. Sabia que chegaria tarde, mas não dormir em casa... nunca aconteceu.

Suas dúvidas e ciúmes aumentam. Logo pensa: “Está mesmo apaixonado por outra mulher. Acho que é a nova secretária. Que tristeza! ”

Levanta-se rápido e prepara os filhos pequenos para a escola. Era Carlos quem os levava.

— Estamos atrasados, levantem rápido. Papai não chegou do trabalho.

Deixa os filhos no colégio, às pressas, e pensa em ir até a mãe, aconselhar-se.

No caminho, lembra que esqueceu o celular. Faz meia volta e retorna.

Ao entrar, escuta o som estridente do aparelho e percebe também estranhas mensagens.

Atende e é a secretária do marido, apreensiva, avisando que há uma reunião importante na firma e ele está atrasado.

Olívia, estranha sua voz e pergunta:

— Mas não sabe onde ele está? Não voltou para casa ontem.

Margot, responde, espantada, que Carlos não veio trabalhar no dia anterior, pensou até que estivesse doente.

— Nossa, responde Olívia. Vou ver algumas mensagens que estão aqui. Logo retorno.

Começa a verificar algumas frases de desconhecidos e gravações deixadas. As mãos trêmulas e o remorso pela desconfiança do marido começam a aparecer.

Uma voz baixa e rouca, deixada na tarde do dia anterior, avisa-lhe que o marido está em poder de um grupo, bem guardado e escondido. Querem resgatá-lo por uma quantia em dólar; receberia instruções logo após. Ah! Que não avisasse a polícia e eles poupariam sua vida. Desligam.

Mais umas três chamadas, mais tarde, ameaçam a vida de Carlos, se não responder às ligações.

Olívia estremece apavorada e arrepende-se de ter saído, no dia anterior. Foi ao cinema com Dina, sua prima, e, na verdade, odeia andar com celular. Não o levou. Detesta modernidades.

Senta-se no sofá e espera nova ligação dos sequestradores. Coitado de Carlos, pensa, como aconteceu uma coisa dessa com ele! O que fazer?

Tocam novamente e ela, quase sem voz, atende.

O mesmo som baixo e rouco, avisa-lhe que querem devolver o marido são e salvo, mas precisaria levar cem mil dólares, até um local que determinariam. Sem avisar a polícia.

Olívia pergunta como está o marido? A coragem e a revolta pela situação voltam aos poucos.

Colocam o marido para falar com ela.

— Olívia, estou vivo, sem ferimentos, mas são perigosos. Pelo amor de Deus, livra-me deles. Dá um jeito de fazer o que eles querem.

E acaba a ligação.

A esposa aflita, não acostumada com conflitos, fica de cabeça baixa, pensando...

Estavam em boa situação financeira, com Carlos, advogado de uma firma de Seguros, mas com pouco dinheiro em conta. Não possuíam essa quantia.

Sua mãe, uma senhora viúva, aposentada, vivia modestamente, com despesas pagas e alguns extras para alimentação e remédios.

Os sogros, pessoas simples, de vida modesta, comentavam com orgulho terem conseguido formar o filho advogado. Não, não poderia contar com eles.

Vai ao quarto das crianças e, entristecida, examina os detalhes, os brinquedos, e pousa o olhar num quadro, pintado pela mãe, com a figura de Jesus abraçando uma criança.

Emociona-se, ajoelha-se e ora a Deus, antes de qualquer atitude. Como resolver a situação?

Lágrimas quentes escorrem pelo rosto e seu peito estremece em soluços fortes.

Acalma-se aos poucos e vem à mente a figura do Joel, o presidente da Seguradora e chefe do marido.

Dirige-se a ele, ao entrar na firma, e expõe, trêmula, a situação.

Joel recebe-a amistosamente e, ouvindo-a, endurece o semblante e medita sério no assunto.

Carlos era amigo, bom advogado, já havia resolvido vários problemas financeiros da firma, gostaria muito de ajudá-los. A quantia era grande. Não dispunham dela, no momento. Ainda mais em dólar. Difícil comprar.

— Dona Olívia, não seria melhor avisarmos a polícia? Esses casos de sequestros, geralmente, mandam comunicar à polícia, em primeiro lugar.

Olívia reage com susto e medo.

— Eles ameaçaram matá-lo!

Joel entende bem a gravidade e acha melhor esperar nova ligação dos sequestradores. Queria falar com eles.

Olívia dá um suspiro profundo.

Nova ligação é feita e Joel atende no lugar de Olívia. Afirma ser um amigo da família a combinar a troca. Impossível em dólares, mas talvez conseguisse em real.

É feita a combinação da hora e o local da entrega, fora da cidade, em terreno solitário, indo somente ele e a esposa de Carlos.

Prometiam entregar o refém logo que pegassem o dinheiro. E nada de polícia.

Nesse mesmo dia, à tarde, Olívia pede à mãe para buscar as crianças e ficar com elas. É uma emergência. Depois explicaria.

Acompanhada de Joel, aguarda em casa, o horário combinado: dez horas da noite.

Joel avisa Olívia que irá voltar ao escritório para conversar com o contador.

Como não era esperado, depara-se com Margot falando ao telefone, assunto sigiloso.

Disfarçadamente, procura escutar o que fala e ouve qualquer coisa sobre dinheiro e hora.

Esta, ao vê-lo, encerra rápido a ligação e, branca de susto, pergunta de Carlos.

Joel, desconfiado, acha melhor não dizer nada. Chama às pressas, Fernando, um amigo detetive, experiente, e pede para inquirir a vida dos seus funcionários, principalmente Margot, a nova secretária.

Fernando, sabedor do sequestro, avisa a polícia e descobre dados importantes: Margot tinha passagem pela polícia por roubo, usava um nome falso, embora tivesse diploma superior. Hélio, da Contabilidade, era jogador e, no momento, devia grande soma de dinheiro a agiotas. Márcio, dos Recursos Humanos, sabia bem sobre a situação financeira de todos. Maior ou menor seguro de vida.

Enfim, Fernando, em poucas horas, descobre várias pessoas que poderiam estar ligadas ao sequestro.

Decide pedir à polícia que os interrogue e que também acompanhe Olívia e Joel, no momento do encontro, às escondidas.

Nenhum dos suspeitos têm ordem de deixar o local ou falar ao telefone.

Dez horas da noite, dirigem-se ao encontro dos sequestradores munidos de dinheiro, e percebem que Carlos não se encontra.

A polícia aparece e cerca o local, acompanhados por Margot. Colocam algemas em todos, obrigando-os a falar.

Margot, a maior suspeita, vendo que o sequestro de Carlos não deu certo, leva-os até ele.

Um Carlos amarrotado, dopado e amarrado, encontra-se jogado num colchão sujo e fedorento.

Carregam-no para fora, prendem toda a quadrilha, encabeçada por Margot que, realmente, tentou seduzir Carlos, com má intenção.

O tempo passa. Nos dias seguintes, a casa de Olívia é momento de brindes e reconciliação, animados por Joel e Fernando que, felizes, haviam resolvido o caso.

A esposa, ainda trêmula, beija o marido que se recupera abraçado aos filhos. Agradece ao Joel e Fernando pela solução do sequestro e lembra-se da presença de Deus em suas vidas, quando orou por socorro.

“Quando a gente pensa que Ele está longe, é quando Ele está mais perto! ”

 

 

 

 

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