A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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terça-feira, 21 de setembro de 2021

A CARTOMANTE - Alberto Landi

 


A CARTOMANTE

Alberto Landi

 

Caterina, recém-casada e ainda desfrutando da lua de mel, foi surpreendida com uma notícia bem triste.

O casal foi separado quando irrompeu a Segunda Guerra, e ele é enviado para o fronte de batalha na Sicília. Não havia alternativa   para dizer não diante da convocação.

Ele se foi entre prantos e soluços.

Caterina, desesperada saiu à procura de uma cartomante, que por sinal, era muito famosa, que atende com hora marcada, com pagamento adiantado e de um valor bem considerável.

Ela foi cordialmente recepcionada pela mesma numa sala em um ambiente à meia luz.

— O que deseja saber minha jovem?

— O meu esposo foi convocado para a guerra no fronte, e eu gostaria de saber se ele vai retornar! Por favor, veja nas cartas e na quiromancia o que dizem.

A cartomante começou a fazer seus ensaios, como de praxe fazia com outros clientes. Jogou as cartas, olhou... analisou...pensou... repensou...

Caterina continuava apreensiva e desesperada.

— Por favor, fale logo, pelo amor de Deus!

— Minha jovem, não é meu hábito falar aos meus clientes o que as cartas e a quiromancia me dizem. É isso que me difere das outras cartomantes que existem por aí.

— Você pode aguardar na sala ao lado, que a minha secretária te levará por escrito o resultado da consulta.

 Caterina foi para outra sala, um tanto angustiada. Recebeu o envelope pela secretária e não se contendo de tanta curiosidade e desespero leu o conteúdo.

— Graças ao bom Deus, pelas boas notícias!

 A mensagem dizia:  Irás Voltarás Nunca Morrerás

Passou muito tempo, um ano se foi e a guerra se findou. Passaram-se mais dias e nada do soldado retornar.

Caterina voltou à casa da cartomante, furiosa, esbravejando, disposta a tudo.

— Calma minha jovem, calma.

— Como calma? Você disse que meu marido voltaria, onde está ele? Paguei um valor considerável e tudo que foi dito era mentira.

— Calma, deixe-me ver o papel.

— Olhe aqui!

Irá  Voltará   Nunca Morrerá

A sábia e matreira  cartomante leu e explicou:

— Minha jovem, não te enganei.

— Como não?

— A minha secretária esqueceu de colocar a pontuação no pequeno texto. Veja;

Irá Voltará Nunca Morrerá

O correto é:

Irá. Voltará? Nunca. Morrerá!

MADAME SORAYA - Leon Vagliengo

 



MADAME SORAYA

Leon Vagliengo

 

        Mario conheceu Maria em Fátima, Portugal, num dia treze de maio, na festa de comemoração do dia da aparição de Nossa Senhora. Ambos muito devotos à Santa e ambos com vinte e cinco anos, comemorados também naquele dia. Não foram atributos de beleza que os atraíram; não eram feios nem bonitos, mas a simpatia e a bondade de Maria logo cativaram Mario, assim como a gentileza e o carinho de Mario logo cativaram Maria.

        Aquela amizade resultou em casamento um ano depois, realizado exatamente no dia treze de maio, data escolhida simbolicamente por ambos. Não tiveram filhos, mas viveram felizes, muito felizes, por treze anos, quando Maria, desgraçadamente, veio a falecer, ainda jovem, aos trinta e oito anos, acometida por um enfarte fulminante.

        A perda de sua esposa, companheira e amiga de todos os momentos, deixou Mario completamente perdido, não sabia mais como viver sem ela. Sentia-se muito só, frequentemente sonhava com Maria; mas sempre a via morta, sua imagem imóvel, sua tez muito pálida, seus lábios arroxeados. Eram pesadelos terríveis, acordava molhado de suor, chorando, em desespero.

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        Ao longo de quase treze anos esses pesadelos foram rareando por artes protetoras de sua mente. Mario foi se conformando, a vida encontrou seus trilhos; mas continuava infeliz, sempre com muitas saudades da companheira maravilhosa com quem compartilhara uma vida tão tranquila, com quem vivera tantos bons momentos. Algumas vezes até pensou em procurar um médium, tentar um contato espiritual com Maria, mas logo descartava isso, pois não se coadunava com a sua crença.

        Pouco faltando para que se completassem treze anos da morte de Maria, uma noite sonhou com ela novamente; porém, desta vez ela lhe sorriu e disse que estava bem, embora em outro plano, mas sentia a sua falta e não queria que ele estivesse tão triste. “Procura uma cartomante para conhecer a tua sorte” ela o aconselhou no sonho; e esse sonho se repetiu exatamente igual ainda duas vezes naquela mesma noite, o que não era nada comum.

        Mario acordou e lembrou-se inteiramente do sonho com ela, como sempre acontecia. Achou muito, muito perturbador aquele sonho repetido. Embora fosse uma pessoa realista, não conseguia deixar de pensar que poderia tratar-se de uma recomendação vinda de Maria, vinda do Além. E imediatamente reagiu, não aceitando a ideia estranha de procurar uma cartomante em razão de um sonho. E nos dias que se seguiram, tudo acontecia novamente:  admitia tal hipótese, reagia, negava; admitia, reagia, negava.

        Após uma semana incomodado com aquela cisma que não cessava, Mario voltou a sonhar novamente o mesmo sonho: Maria dizendo que estava bem e que ele procurasse uma cartomante para conhecer a sua sorte.

Levantou-se da cama, ainda aturdido com mais uma repetição daquele sonho. Como fazia em todas as manhãs, recolheu a correspondência que o zelador do prédio deixou na porta da entrada de serviço de seu apartamento. Entre elas um folheto, onde leu: “As cartas não mentem jamais – venha conhecer a sua sorte com Madame Soraya”, seguido do endereço da cartomante.

        Assim já é demais! – Exclamou em voz alta, apesar de estar só.

        Mario, então, decidiu-se. Resolveria alguns assuntos pela manhã e iria à cartomante após o almoço. Teria que deslindar esse assunto que o estava atormentando. Afinal, pensou, “estou com cinquenta e dois anos, não devo nada a ninguém, o que me impediria de consultar uma cartomante? Que mal haveria? Seria como atender a uma recomendação póstuma de minha amada e saudosa Maria”.

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        O endereço era no bairro da Bela Vista, rua Treze de Maio. Mario logo percebeu a coincidência do endereço com aquela data tão importante para ele. Naquele contexto, parecia até mais do que uma simples coincidência, mas não quis acreditar nisso. “Estou imaginando coisas demais”, pensou.

O sobrado era simples, mas bem conservado. Mario tocou a campainha. Uma senhora de boa aparência, nem feia e nem bonita, veio abrir a porta, e ele perguntou por Madame Soraya.

        Sou eu mesma – disse ela sorrindo, revelando dentes brancos e perfeitos.

        Vim para consultá-la sobre minha sorte – respondeu Mario.

        Soraya pediu que ele entrasse e o encaminhou para uma saleta simples, com apenas uma mesa e duas cadeiras confortáveis. Convidou-o a sentar-se numa das cadeiras, pegou o baralho e sentou-se na outra.

        Eu já o esperava. Hoje eu tive um forte pressentimento, li a minha própria sorte e ela revelou que um senhor viria me consultar e mais algumas coisas...– deixou a frase no ar, sem concluir.

        Enquanto ela falava, Mario ia se encantando com aquela mulher muito bem conservada, de voz doce e suave, vestida com simplicidade e bom gosto, aparentando uns cinquenta anos. Bem diferente da imagem que tinha das cartomantes, que imaginava muito velhas, mal-educadas, gordas e desleixadas.

        Ela continuou a lhe falar, fez várias perguntas enquanto embaralhava e dispunha cartas sobre a mesa, e tornava a embaralhar e perguntar. Lendo nas cartas, aos poucos foi confirmando para Mario coisas que ele já sabia e conquistando a confiança dele nos seus vaticínios. Descobriu o sentimento de tristeza que o dominava e lhe assegurou: “a partir de hoje, treze de maio, o senhor será feliz novamente, pois assim dizem as cartas, e as cartas não mentem jamais”.

E sorriu para ele.

Mario teve a nítida impressão de que ela sabia mais alguma coisa que não contou.

Hoje é treze de maio? – Perguntou, surpreso, ao ouvi-la dizer, mas já lembrando que sim, e que era a data do seu aniversário e do de Maria.

A simples menção daquela data, tão significativa para ele, fez desencadear uma sequência de fatos em sua mente: os sonhos com os conselhos de Maria, os treze anos passados de sua morte e completados naquele dia, o endereço da cartomante, o pressentimento de Soraya...

Instantaneamente, tudo ficou muito claro! Mario sentiu, afinal, que havia compreendido os seus sonhos repetitivos, que havia compreendido as mensagens de Maria, que havia compreendido o presente póstumo de amor e carinho que ela lhe dera. O coração passou a bater muito forte e os olhos encheram-se de lágrimas, enquanto em seu pensamento dirigiu um profundo agradecimento a Maria.

Sim, para Mario ficou claro que Soraya, a cartomante, fora destinada para mudar o seu destino. E como ela disse que havia lido nas cartas a própria sorte, a sua atenção tão carinhosa deixava evidente que já sabia que seria a sua nova companheira, presente da sua amada e inesquecível Maria.

Naquele momento, de tão emocionado, Mario nem pensou na hipótese da reencarnação...

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O Visionário - Adelaide Dittmers

 


O Visionário

Adelaide Dittmers

 

A lua banhava as pedras da praça com sua luz prateada.  O silêncio espalhava-se pela pequena cidade adormecida.  Ao longe, ouvia-se o latido de um cão.

Atrás de grossa grade de ferro, um homem olhava a lua, extasiado.  Os grandes e doces olhos castanhos refletiam a inquietação, que lhe pesavam na alma.

Estava preso há um ano por ter se defendido de um soldado, que o agredira por ele expor ideias inaceitáveis na época.  Seu crime: acreditar que um dia o homem chegaria à lua.

Era considerado louco.  O clero naqueles tempos obscuros o considerava herege, mas ele não tinha medo de dizer o que pensava.  O universo o atraia como um imã.  Havia muitos mistérios a descobrir no mundo, refletia.

Naquela noite iluminada pela lua cheia, o homem não conseguia tirar os olhos do pequeno satélite.

Dentro da cela, três homens conversavam e um deles dirigiu-se ao

— O que você está olhando, Tomé?

— A lua! É maravilhosa!

— Olhe para coisas mais perto, como sair desta infernal prisão.

— Gosto de pensar que um dia o homem chegará à lua!  Disse com firmeza.

Os homens caíram na gargalhada e um deles exclamou:

— Homem, por isso está preso e o chamam de louco.  Pare de dizer asneiras.

Tomé ignorou as risadas. Estava acostumado com as chacotas de que era alvo por suas crenças.  Não se importava de ser considerado maluco.  Achava que as pessoas não enxergavam além da ponta do nariz.

Voltou-se para a janela e os pensamentos voaram para sua difícil vida.  Desde menino perguntava-se sobre tudo o que o rodeava, querendo compreender como as coisas funcionavam.  Os pais não sabiam como lidar com aquele filho esquisito e curioso, que os enchiam de perguntas.  Eram modestos lavradores, analfabetos e supersticiosos.  Tinham um pequeno pedaço de terra, onde plantavam mandioca e a curiosidade do filho os deixava muito preocupados: por que o tempo influenciava na colheita?  Por que as frutas só apareciam em determinadas épocas?  Ao ver os bois puxarem o arado, dizia que deveria ter outra maneira de se fazer isso sem usar os pobres animais.

Cresceu admirando o céu estrelado.  Sentava-se observando o firmamento infinito, que se perdia de vista.  Sentia-se minúsculo diante daquela vastidão.  Será que havia outros mundos iguais ao que vivia? Haveria pessoas naqueles mundos? Haveria rios e animais?

Foi expulso da catequese por expor suas dúvidas.  O pai então o proibiu de fazer perguntas, que considerava estúpidas.  Tomé tornou-se calado e taciturno.

Muito jovem, perdeu os pais.  Continuou a cuidar do pedaço de terra, que lhe dava o sustento, mas não conseguia estancar da alma a necessidade de expressar a torrente de suposições, que tinha dentro de si.

Imerso em suas recordações viu a aurora surgir com os tons rosados e alaranjados, que anunciam o nascer do sol.  O sono apoderou-se dele.  Como um sonâmbulo, foi trôpego até o catre e adormeceu.

Acordou sobressaltado sacudido por um guarda, que o chamava:

— Acorda Tomé!  Acorda!

— O que aconteceu? Perguntou ainda atordoado e confuso.

— Venha: o juiz autorizou sua liberdade!

Sacudindo a cabeça para ligar os fios apagados pelo sono, olhou para os companheiros de cela.  Um deles gritou:

— Vai rapaz e vê se tem juízo e não anda por aí dizendo bobagens.

Tomé derramou um olhar triste neles.  Como queriam estar em seu lugar. Podiam ser ladrões ou assassinos, mas eram humanos como ele.  Aproximou-se e despediu-se com um forte aperto de mãos.

Virou-se e seguiu o guarda.  Quando saiu, o sol já aquecia o lugar com raios dourados.  Uma carroça puxada por um burro passou, fazendo barulho ao se chocar com as pedras irregulares da praça.  Uma negra com uma cesta na cabeça também passou por ele requebrando as fartas ancas.

¨Pobre mulher¨ pensou observando-a.  Uma mercadoria nas mãos de homens ignorantes e brutos.

Estava voltando à vida, mas a mordaça, que abafava sua voz não o deixava ser completamente livre.  Era refém daquilo que enxergava ao longe, tanto quanto aquela escrava negra era por não se pertencer.

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

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