A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quarta-feira, 13 de março de 2024

A lagarta e a flor. - Adelaide Dittmers

 

 


A lagarta e a flor.

Adelaide Dittmers

 

O jardim brilhava banhado pelos raios de sol, que envolviam a vegetação, tornando sua cor mais vívida.

Uma pequena lagarta rastejava pela terra avermelhada, comendo avidamente as folhinhas e as ervas que encontrava pelo caminho.

Ao parar embaixo de uma folhagem, onde um belo e raro lírio azul se aninhava, ouviu uma voz que vinha lá de cima:

— Oi, bichinho! Você não se envergonha de ter que se arrastar por esse solo barrento e devorar tudo o que encontra.

A lagartinha levantou os olhos de preguiça e fitou languidamente a flor:

— Não é porque você é bonita, perfumada e mora no alto, rodeada por folhas verdes, que realçam sua beleza, que deve desprezar aqueles que você não conhece.  Posso ser tão bela quanto você.

A flor soltou uma gargalhada, que balançaram suas pétalas e disse zombeteiramente:

— Você não se enxerga mesmo!

A lagartinha olhou com indiferença para o lírio e seguiu seu caminho.

Mais adiante, parou e avaliou um tronco de árvore.  Era forte, pensou.  Agarrou-se a ele e ali ficou estática.  Depois de algum tempo, um fio de seda foi se enrolando e se tornando mais e mais duro até formar um casulo.

A flor observou de longe aquela transformação. “Que triste fim. A natureza é sábia em se livrar do que é insignificante e feio.” Pensou.

Um vento suave fez suas pétalas dançarem, realçando sua beleza.

Dias se passaram e, em uma manhã de céu azul, salpicado de nuvens brancas, o casulo começou a quebrar e, de seu interior, surgiu uma belíssima borboleta, cuja cor preta salientava o lilás, o azul, o amarelo e o branco, que formavam desenhos perfeitos em suas asas.

Ela parou um pouco para se recompor daquele novo nascimento e alçou um voo elegante e sereno, dando volteios pelo ar azulado do dia.

Ao passar pelo jardim, avistou o lírio azul e, com um sorriso maroto, pousou nele com delicadeza.

— Oh, linda borboleta, que alegria tê-la em minhas pétalas!

— Não me reconhece, flor? Sou a lagarta rastejante de uns dias atrás.

O lírio emudeceu.  Como isso foi possível.  Depois que o casulo se formou, ignorou-o por completo.

A borboleta então acrescentou:

— Nem toda a aparência define um ser.  Depende do que carregamos dentro de nós.

E voou para longe.

 

 

SEGREDO - Hirtis Lazarin

 



SEGREDO

Hirtis Lazarin

 

— Vem almoçar, “minina” bonita. Fiz o almoço que você pediu.

— Vó, eu não sou mais “minina”, tenho quinze anos – grita Júlia, lá do quarto.

Dona Tereza arruma a mesa com capricho, escolhe os melhores pratos e os copos coloridos, aqueles que a neta mais gosta.

Mais de dez minutos se passaram, a comida já esfriou e a avó se policia pra não perder a paciência. Faz apenas dois dias que a adolescente chegou no sítio. Está de férias, e a mãe acreditou que a filha, em contato com a natureza, esqueceria um pouquinho do celular. Mas nesses primeiros dias, Júlia quase não saiu de dentro de casa, apesar de todas as tentativas da avó.

Dona Tereza almoçou sozinha, lavou a louça e a comida voltou para o fogão. Respirou fundo, engoliu a seco pra não perder a paciência e soltar seus palavrões favoritos. Fingiu que tudo bem, e Julia só almoçou quando bem-quis.

O dia seguinte amanheceu convidativo e lindo de viver. Um céu azul enfeitado de pequenos e quase invisíveis flocos de nuvens bem espalhados. A passarada, sem medo de nada, invadiu os galhos frutíferos. A fartura era tanta de encher o bico de alegria.

Dona Tereza abriu todas as janelas, puxou as cortinas que impediam a visão completa do belo e a luz entrou poderosa. Junto, uma brisa calma, mas não incapaz de ser sentida no rosto e nos nós dos cabelos. Pavarotti, o galo imponente, iniciou sua cantoria poderosa. E as galinhas espertas e já prontas para a caminhada diária. O cachorro Dom, como já estava acostumado, disparou latindo em direção às aves. Era de brincadeira.

Júlia foi acordada com todo esse rebuliço, mais a voz da avó à sua cabeceira com o copo cheio de leite e café, coadinho na hora. E mais um pão quentinho com manteiga. Um esforço para entusiasmá-la com coisas diferentes do seu dia a dia. Entretê-la: recolher ovos no galinheiro, cortar a alface na horta e cenoura também; brincar com a cabritinha de apenas dois meses e o lago cheio de peixinhos.

Ela se esqueceria do celular? Tomara!

Dona Tereza, depois de um sermão tranquilo igual ao do padre Pietro, conseguiu que a adolescente lhe entregasse o aparelho, desde que fizesse o bolo de chocolate com muito chocolate. E o trato era devolver só à noite seguinte.

No dia seguinte, foi um corre-corre no sítio “Pedacinho de Terra”. Dois carros de polícia, Dona Tereza, com os cabelos em pé, gaguejava tanto, as palavras saiam tão enroladas que não se fazia entender. Júlia chorava sem parar e sua mãe, que acabava de chegar e sem entender tamanha confusão, caiu desmaiada no chão.

Vamos lá: no dia anterior, Júlia comeu sozinha mais da metade do bolo de chocolate. A avó, preocupada, deixou à disposição um medicamento caso a neta se sentisse mal. A menina, ansiosa, andava pra cá e pra lá. Ligava a t.v. e não conseguia se prender a nenhuma programação. E a senhorinha, fazendo crochê, só a observava. Mantinha-se firme em sua posição. Até pensou em voltar atrás, os setenta anos vividos, queria sossego.

À noite, depois de muita insistência e não querendo magoar tanto a avó, Júlia tomou um copo de chá de maracujá, colhido fresquinho no pé. As ramas pendiam de tão pesadas. Era maracujá que não acabava mais. Ao engolir o chá, ela fez caretas e muitas caretas de um jeito escondido.  Mesmo assim não conseguia dormir. Dona Tereza sugeriu, então, que ela usasse o telefone fixo pra falar com as amiguinhas. A toda moderninha achava aquele aparelho muito engraçado, pra não falar ridículo e, como invenção do século passado, deveria ser descartado. Mentiu que não sabia fazer a ligação e discutiu com a avó, que pra não se alterar e perder a paciência, fingiu que era surda.

Já era madrugada quando a senhorinha se levantou e foi até a cozinha buscar água. O quarto de visitas estava com as luzes acesas. Aproximou-se da porta feito uma onça cautelosa à espreita da presa. A neta ainda estava ao telefone. Falava alto, as risadas eram tantas e o diálogo era estranho. Foi possível ouvir algumas palavras comprometedoras.  Precisava descobrir o assunto da conversa.

Dona Tereza, apesar da idade, tinha audição aguçada e faro de gente esperta. Buscou os óculos, não sabe o porquê, mas precisava deles. Coisa de gente velha.  Colou os ouvidos à porta e prestou muita atenção. Ainda conseguiu ouvir um pouco do assunto…

— Rose, você ouviu o que ele combinou? Prestou atenção? Eu estou anotando o endereço, anote também. Ai, a linha voltou a cruzar. Cale a boca, pra eu ouvir bem o Bruno.

— Oi, eu entendi tudinho, Bruno. Eu tenho um notebook novinho e tenho curso completo de computação.  Só repete o horário. Dezenove horas? 

— Saco, a linha descruzou outra vez, Rose. Eu não ouvi direito. Ah! Você ouviu?  Repete pra mim e anote. Nossa, já são duas da manhã. Ainda bem que minha avó toma remédio pra dormir. Deve estar roncando.

E os cabelos de D. Tereza foram se arrepiando. Os pelos do corpo também. Os olhos cresciam arregalados e o cérebro se contorcia.

— Bruno, você está aí? Acho que estou falando sozinha… Rose, esconda todas essas anotações. Você é meio atrapalhada.  Se alguém descobrir, estamos fritas. Você está agitada? Eu estou é muitooooooo. Ah! Está ouvindo ele? Eu não estou. Praga do infernoooo! Agora estou. Olá, Bruno, fala depressa antes que a linha descruze. Ok. Entendi. No final da semana, estarei em casa. Beijos. Bye, bye!

 Rose, segredo eterno. Só pra nós, hein! Poderosas. Vou desligar. Tá bem! Ok. Bye Bye. Desligue. Eu vou sonhar com os anjos.

— Mas não vai, não -  Resmungou Dona Tereza, lá fora.

Ela não se aguentou. Bateu na porta já entrando. Júlia fingiu estar dormindo. Mas não convenceu, não. Segurava ainda bem firme o telefone. E o aparelho estava quente, fervendo.

As duas, avó e neta, travaram uma longa conversa. Foi difícil arrancar o tal segredo; demorou um tempão, mas saiu por inteiro, não importa, se foi aos trancos e barrancos. O plano era encontrar-se com a turminha do Bruno. Eram quatro ratos de computador. Clonavam cartão de crédito e enganavam velhinhos inocentes e descuidados. E o dinheiro caía em bicas, uma fonte sem fim. Sem fim, até serem descobertos e presos.

Quando o dia clareou, Dona Tereza não teve dúvidas e chamou a polícia.

 

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