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quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Carta para Otavinho - Isabel Lopes





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São Paulo, 9 de agosto de 2018.

Querido Otavinho,

Vou lhe contar um segredo, mas não conte para ninguém, por favor...

Embora eu seja sua avó, eu não sou exatamente uma velhinha convencional: eu às vezes finjo! Hahahaha!!!

Faço isso para não constranger os daqui de casa: afinal, toda família precisa de uma boa velhinha, que se abrigue em xales e meias de lã.

Sua mãe, meu neto, precisa sentir-se ocupada, tendo alguém para levar ao médico.

Seu pai, para não se sentir culpado, precisa mostrar que se importa.

Temo por eles, estão envelhecidos e infelizes...

Então colaboro, arrastando chinelos ruidosos que me fazem parecer mais idosa do que realmente sou.

Creio que só você, Otavinho, na inocência dos seus sete anos, poderá me entender...

Pois bem: atrás dos meus ralos cabelos brancos, mora um desejo púbere de viver!

E esse desejo, se revela enquanto todos dormem!

Nessa hora a tenra garotinha que mora em mim, salta do trampolim do meu peito, dá muitas piruetas e me faz sorrir, divertida!

Depois corre o quintal e se assenta à sombra da laranjeira para contar as estrelas, enquanto deixa o caldo da fruta escorrer-lhe pelo queixo.

E nesse momento não tenho rótulos: não sou senhora, nem “dona”... eu apenas me torno essa menina, para quem a  felicidade é atemporal.

Mas ninguém entenderia...então não vale contar!

                                                                                Beijos, vovó

LEVADA LEVE - Isabel Lopes



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LEVADA LEVE
Isabel Lopes


Sempre tive um olhar meio distraído, diante de coisas excessivamente sérias.

A seriedade é uma moça sisuda, que se engana achando que momentos decisivos não comportam a descontração de um sorriso.

Esse tom demasiadamente sério que alguns empregam às coisas não me seduz, antes me entedia.

Não que eu queira me eximir do dever, mas gosto mesmo é das coisas que não são!

Da intrigante emoção de correr riscos calculados que me façam sentir frio na espinha, à espera do que está por vir.

Alimento-me das inconstâncias e, através delas, vou me reinventando todos os dias.

O que mantém aceso o fogo das minhas emoções são as possibilidades, que se desprendem das árvores prenhes da vida e caem maduras pelo meu caminho.

Quero estar sempre enamorada do que virá, pois a paixão é uma linha forte e contínua que, ao se mover no ar, tece sem pressa meus sonhos.

O CRIME DA RUA BRETAS. - Do Carmo



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O CRIME DA RUA BRETAS.
Do Carmo

A luz difusa do sol matinal de outubro forçava entrada, pela veneziana estreita, do antigo sobradinho da Rua Bretas.

 Meire se espreguiçou na cama com os lençóis brancos entremeados nas pernas nuas. A claridade insistente a aborrecia.

 Esticou os olhos sonolentos para o criado mudo. Lembrou do namorado que partiu tão de repente deixando-lhe o relógio e outras bobagens.

Dez horas, putz, é tarde! Mas precisava de mais cinco minutos de sono, ajeitou os travesseiros e aterrissou. Nesse instante a campainha soou distante.

Ah, não! Pensou, mas não reagiu, tinha o corpo mergulhado na tentativa de voltar a dormir, os olhos dormentes se negavam a despertar. No entanto as batidas fortes na porta de madeira fizeram-na pular, ainda zonza.

— Já vou, já vou! Gritou a caminho da entrada. É domingo, não se pode descansar em paz?

— Abra, é a polícia! Gritou lá de fora uma voz de tenor.

— Polícia? O que você quer comigo? Trabalho gigantescamente a semana toda, só tenho as saltitantes e alegres manhãs de domingo e feriado para dormir até tarde, e você, aos gritos e batidas na porta acorda-me assustando? O que quer de mim?

— Onde está seu namorado? É ele o que vim buscar, pois temos evidências de que é o autor de um hediondo assassinato.

— Desculpe-me, mas não creio nisso, ele é um rapaz religioso, formado em Ciência Biológica, descendente de família conceituada no México, para onde, presumo que esteja indo. Saiu um tanto nervoso, sem comentar nada, depois de receber um telefonema, ao qual respondeu em um dialeto incompreensível. Mas, senhor, qual crime de assassinato ele está sendo suspeito? 

— A senhorita ouviu os comentários vulcânicos a respeito da morte da família do Embaixador do Condado Asteca, aqui no Brasil?

— Sim, são sinistras notícias cavernosas em todos os jornais, televisão, rádio e internet. Mas o que o meu namorado tem a ver com isso?

—Foi encontrado junto aos corpos, destrinchados com esmero, este anel com a inscrição de seu nome, na parte interna. Você não tem o nome de Izabel; e carinhosamente chamada de Bebel?

Um nevoeiro de pavor e uma torrente de lágrimas banharam o rosto céreo da moça, que num rodopio desfaleceu caindo delicadamente no chão.

O policial apavorado pede socorro,  enquanto o assunto era relatado ao socorrista, Bebel retoma a consciência, e aos prantos telefonou para seu irmão, pedindo que viesse vê-la, pois necessitava, avidamente, de seu apoio. Pediu ainda, que não comentasse com os pais nesse momento, somente quando inteirado dos fatos.

Os dias foram passando e Bebel sendo crivada de interrogatórios, os quais a deixavam cada vez mais desnorteada, pois seu namorado, Eduardo, não era em  nada sequer, semelhante ao meigo, amoroso, poético e impecável Dudu, que amava e a conquistara com o doce clarão de uma noite enluarada.

 Esses acontecimentos ainda estão obscuros, mesmo tendo decorrido vinte anos.

Bebel nunca quis averiguar o que realmente acontecera, ela queria guardar a imagem sedutora e mística do Dudu que talvez não fosse real.

Há situações em que o melhor é ignorar a verdade.

CARTA PARA BIA - Hirtis Lazarin



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CARTA  PARA  BIA
Hirtis Lazarin

Bia querida,

 Vou contar-lhe um segredo, mas não conte a ninguém, por favor.

Sei que pensará que enlouqueci e nem entenderá como lhe escondi algo tão sério.  Talvez nem me perdoe...

Não estou louca, nem irresponsável.  Estou lúcida e segura como jamais estive.
Às vezes a felicidade bate a nossa porta e estamos entretidos no quintal procurando o trevo de quatro folhas.

Dessa vez foi diferente: a felicidade bateu a minha porta e me encontrou solitária e amuada diante da tevê.

Tudo aconteceu durante a última viagem de Otaviano ao exterior.  Viagem de negócios como sempre.

Conheci Vitor numa fila imensa no banco. Trocamos palavras e telefone.  Um sorvete à tarde, um cafezinho no shopping, um jantarzinho a luz de velas...  Foi assim que tudo começou. Vi  minha vida virar no avesso, e descobri que o avesso era o lado certo.

Já deixamos os cinquenta anos pra trás e filhos não tivemos. Senti que uma história maior e melhor poderia começar ali.  E que eu merecia uma garrafa de vinho só pra mim.

Fique tranquila, estou sóbria.  O adjetivo correto seria estou "audaciosa".  A ideia brotou e, regada vingou.  Fiz a minha escolha.  Conheci alguém que sonha os meus sonhos.

Você sabe, Otaviano foi um esposo bom e trabalhador, mas cansei-me do homem-matemática, do homem que planeja e nunca desvia do rumo, do homem que não se contenta com o resultado quatro, quando multiplica duas vezes dois.  Quer mais, transforma o quatro em seis, oito, dez...

Otaviano ensinou-me a viver com os pés fincados no chão.  Vitor me quer caminhando nesse mesmo chão, descalça e leve, como a pluma que se desgarra da flor da paineira e, sem direção, segue embalada pelo vento.

Já bloqueei todos os meus contatos, excluindo você.

Repito e peço-lhe novamente: não conte nada a ninguém.  Sei que não será fácil e que minha família virá procurá-la.  Todos sabem que somos muito mais que amigas.  Você é a irmã que não tive.  Confio plenamente em você.

Me ausentarei pelo tempo que eu achar necessário.

Não é um adeus.  É um  "até qualquer dia".

Beijos,

(já estamos no aeroporto e felizes)

O MANÍACO DA RUA BRETAS - Isabel Lopes



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O MANÍACO DA RUA BRETAS
Isabel Lopes

(...) Abriu a porta num impulso e só então se deu conta de que devia ter confirmado pelo olho mágico se realmente tratava-se de um policial.

Fitou o agente com interesse, enquanto deixava escapar um riso discreto no canto dos lábios: tamanha voz não era compatível com a minguada estatura do homem.

O policial foi logo sacando o distintivo e dando início a um interminável interrogatório.

Meire ia respondendo mecanicamente, sem dar muita importância ao que se perguntava... aquilo já se tornara uma rotina na Rua Bretas: noites ruidosas, tiros perdidos, gritos abafados.

Aos moradores cabia dar sempre as mesmas respostas: “não vi, não sei...”

O policial, impaciente com o olhar sonolento e disperso de Meire, ia despejando perguntas e mais perguntas com voz vigorosa, repetindo algumas para ver se haveria contradições.

Tudo que Meire queria era despedir o soldado e voltar a dormir...

Para manter os olhos abertos, passou a olhar por cima do quepe do policial,  enquanto tentava adiar o bocejo que insistia em abrir-lhe a boca vigorosamente.

Foi assim que viu a sombra de uma figura se movendo no corredor, que ora se encolhia, ora se esticava toda, feito uma lagartixa acuada.

Ficou atônita! Seria ele o suspeito procurado pelo policial?

Continuou ali conversando com o soldado, mas já não ouvia mais nada...

Corria os olhos disfarçadamente pelo corredor tentando identificar a figura que se esquivava.

Foi então que um raio de sol penetrou pela janela e ai não teve mais dúvida: era seu namorado, fugindo da polícia.

O que ele teria feito? Isso explicava sua partida tão sorrateira e inusitada...

Seria ele o maníaco da Rua Bretas?

Meu Deus! Ela o conhecia há dois meses e haviam iniciado um namoro despretensioso até que sem mais, ele resolveu partir.

Analisando a situação, Meire viu que tinha duas opções: denunciá-lo e viver sob a sombra do medo ou manter o protocolo “não sei, não vi” e usufruir da benção da ignorância.

O policial a observava. Perguntou se tinha mais perguntas.
Ele a despediu.

Meire fechou a porta e voltou a dormir. 




Carta para Ana Maria - Do Carmo



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Querida amiga Ana Maria,

Vou lhe contar um segredo, mas não conte para ninguém, por favor, pois esse fato enche-me de angústia.

Há alguns anos venho sofrendo a aproximação de um tornado, mas nunca comentei com ninguém, somente você, que considero minha melhor e fiel amiga, saberá do meu drama.

Como é de seu conhecimento, eu e Antonio estamos pensando em casar e, principalmente ele é que não quero que saiba.

Envergonho-me muito disso, mas o que fazer, nem sempre as coisas acontecem como sonhamos. A vida nos prega peças que jamais imaginamos.

Sei que posso confidenciar-me com você, uma vez que conheço bem seu caráter e principalmente o carinho e amizade que tem por mim.

Amiga, não sei como confessar esse meu defeito.

Durante umas férias, estava fazendo um cruzeiro com uma amiga, Arlete, quando, inesperadamente uma azeitona muito atrevida e que estava com o caroço em uma fatia  de torta, trincou um dos meus dentes molar. Fiquei desesperada, em silêncio, comecei a chorar.

Alarmada, Arlete perguntou-me o que havia acontecido e entre vagalhões de lágrimas, respondi:

— Você não imagina que terremoto aconteceu em minha boca e como resultado, um dos meus dentes está abalado.

— Ora, respondeu-me ela, isso é para tanto choro como se fosse um enterro?

Decepcionada pela indiferença, mais aumentava minha aflição.  

Com toda calma que lhe é peculiar, aconselhou-me a esquecer o incidente e tão logo retornássemos, consultaria meu dentista.

Querida, até aí, nada de anormal, porém o que vou contar é que me aflige:

— Foi necessário um implante, pois a raiz do dente estava também quebrada. Conto com sua discrição.

Agradecida, espero vê-la na igreja no dia mais feliz de minha vida.

Beijinhos e muito brilho, Docarmo.

VIDA EM DESESPERO - Henrique Schnaider



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VIDA EM DESESPERO
Henrique Schnaider

Vou lhe contar um segredo, mas não conte para ninguém, por favor..

Bruna, você é uma pessoa na qual confio, é mais do que uma irmã, como estou precisando desabafar, peço­-lhe desculpas, por tomar seu precioso tempo, pois sei o quanto você é ocupada.

Estou com um problema muito sério, fui fazer alguns exames, os quais comprovaram que estou com um câncer muito agressivo no pâncreas, o médico me deu mais alguns meses de vida, ainda não contei nada para Rosalva, companheira de trinta anos, nem aos meus filhos, a ninguém da minha família,
Sinto-me desorientado, uma nau sem rumo, em uma tempestade em alto mar, devorando tudo pela frente, no meio dela, eu um náufrago solitário. Tantos planos para o futuro, viagens, tantos livros para ler, dormir até mais tarde, curtir com os amigos, justo agora que estou para me aposentar, nem poderei usufruir daquilo que tenho direito, depois de trinta e cinco anos de trabalho árduo, de uma vida dura, na qual foi difícil me tornar vencedor.

Os médicos estão me indicando alguns tratamentos alternativos, novidades na medicina, me dando um fio de esperança, você não imagina a dor que sinto em minha alma, por saber que provavelmente, não conseguirei realizar tantas coisas que fui deixando para trás, sempre achando que eu dia, as faria.

Bruna, eu sei que é pedir muito, mas se você puder viajar, ficar alguns dias aqui conosco, facilitaria as coisas para mim, me ajudaria a revelar esta situação triste da minha vida, me daria mais conforto emocional, assim poderíamos nos ver pela última vez.

No entanto, tenho uma boa notícia, Milena minha nora, esposa do Élcio, está gravida, finalmente depois de tantos tratamentos. O casal não cabe em si de tanta felicidade, já planejou uma viagem a Miami, para fazer o enxoval do bebe, Rosalva irá com eles, para ajudar na escolha das roupinhas.

Os meus filhos Roberto e Lúcio estão bem, tanto profissionalmente, quanto na vida em família.

Bruna, peço que leve em consideração meu pedido da sua presença aqui entre nós, será muito importante para mim, ficarei muito feliz, como você sabe, tantas vezes conversamos sobre isto, desta vida nada se leva, nascemos sem nada, vamos embora da mesma maneira.

Um beijo Bruna, aguardo ansiosamente sua resposta.


Roberval

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...