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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

ADELAIDE DITTMERS - PROJETO MEU ROMANCE - O INVESTIGADOR

 




PROJETO MEU ROMANCE


O INVESTIGADOR 

Adelaide Dittmers

Barbosa tinha um copo na mão e sorvia a bebida lentamente, o olhar perdido pelo bar cheio e barulhento. O caso que lhe apresentaram parecia difícil e exigiria muito trabalho na investigação. Como sempre, Sandra, sua mulher, iria reclamar de seu distanciamento.  Não aguentava mais ser cobrado e, ao mesmo tempo, ter que enfrentar os perigos a que era frequentemente exposto ao ter que decifrar um crime e chegar ao culpado.

O caso do homem, que foi encontrado morto no interior da garagem do prédio, onde morava, estava nas manchetes dos jornais da cidade.

Por que aquele homem milionário, muito ligado a trabalhos sociais, fora assassinado? Esta pergunta ressoava pela cidade.  Era conhecido e admirado por todos.

Barbosa sacudiu a cabeça, expulsando os pensamentos, pediu a conta e saiu do bar.  Precisava de ar fresco, antes de ira à casa da vítima.

Andou por uma hora pelas ruas arborizadas do bairro de classe alta.  Acendeu um cigarro e, a cada tragada, levantava os olhos, concentrado no que iria encontrar e observar.

Chegou diante de um prédio de alto padrão.  Apertou o botão do portão.  Deu uma última tragada e jogou o que restava do cigarro no chão, apertando-o com o sapato.

A voz do porteiro soou forte:

— Pois não!

— Por favor, avise o apartamento 112 que o inspetor Barbosa da polícia está aqui.  Já estão me aguardando.

Depois de uns minutos o portão se abriu.

Barbosa entrou, observando o jardim cuidado, onde flores coloriam a grama verde e aparada.  Chegou a um hall decorado com esmero.  Apertou o botão do elevador, que o levou ao décimo primeiro andar. O piso de mármore contrastava com o colorido de um pequeno tapete persa. Na parede, um quadro Benedito Calixto.  Tocou a campainha.  Uma empregada abriu a porta e pediu que sentasse que a patroa logo viria atendê-lo.

Sentou-se meio desconfortável e, tamborilando as mãos nas pernas, olhou em volta. A grande sala era decorada com o mais fino gosto.  Uma grande varanda, em que o verde das plantas completava móveis claros e confortáveis distribuídos com simétrica harmonia.

Alguns minutos depois, a dona da casa apareceu.  Barbosa levantou-se para cumprimentá-la, mas ao encará-la, seus olhos se arregalaram.  À sua frente estava Helena, ex-namorada de muitos anos atrás, colega da faculdade de direito.  Seu grande amor da juventude. 

Ela olhou para ele e o espanto se espalhou pelo seu bonito rosto. Parou rígida.

— Não é possível! É você, Luis Carlos! E estendeu a mão para cumprimentá-lo.

Também estou pasmo! 

Ela estava abatida, as mãos trêmulas apertaram as dele.

— Sente-se! Então você é inspetor de polícia!

— Sim.  De advogado criminalista, tornei-me detetive.  Caçar culpados sempre me atraiu.

— Me disseram que você é ótimo para a solução de investigações complicadas.

— Procuro fazer o melhor que posso. Mas me diga como aconteceu isso.  Seu marido foi encontrado no carro por vizinhos, que ao verem sua cabeça sobre o volante, pensaram em um mal súbito, mas ao se aproximarem, constataram que levou um tiro…

Helena desabou em um choro convulsivo.  As mãos sobre o rosto.

— Foi horrível! Vieram me chamar. Quase perdi os sentidos. 

— Ele tinha algum desafeto?

— Que eu saiba, não! Tinha muitos amigos e era cercado por pessoas competentes e amistosas tanto na empresa como em uma fundação, que criara para beneficiar crianças carentes. Porém, ultimamente, parecia mais nervoso e algumas vezes o surpreendi tomando seu uísque com um ar preocupado e distante.  Quando lhe perguntava o que tinha. Respondia com indiferença na voz:

— Negócios, negócios… Não se preocupe, há solução para tudo.

Barbosa a fitou com piedade.  Não costumava se envolver com parentes da vítima, mas Helena fizera parte de sua vida. Fora uma intensa paixão, queriam se casar após terminarem a faculdade. Ela pertencia a uma família abastada, ele não.  Os pais se esforçaram muito para que chegasse a um curso universitário.  Quando o pai dela, muito rígido e arrogante, descobriu a sua origem humilde e a intenção de se casarem, mandou Helena completar os estudos fora do país e com o tempo a correspondência foi rareando e os laços que os uniam foram sendo desfeitos para decepção de Barbosa.

Abruptamente, voltou de suas divagações. E prometeu-lhe que faria tudo para descobrir o assassino do marido, ao que ela agradeceu com um sorriso triste.

Seus olhos notaram que ele continuava um bonito homem, mais forte, mais maduro. Só o olhar estava diferente, mais firme, mais duro, havia perdido a doçura dos velhos tempos.

Barbosa se levantou e apertou as mãos de Helena. O rosto sério.  Ela o acompanhou até a porta.

Ao chegar à rua, voltou caminhando até o bar. O encontro inesperado revolucionou sua alma.  Tinha que se concentrar na investigação e procurar pistas para chegar ao assassino.  Era seu trabalho.

Chegou à casa. A cabeça corria em círculos: o crime, Helena, o local em que tinha sido praticado. Algo lhe dizia que o nervosismo de Rodolfo, marido de Helena, tinha a ver com a causa do assassinato.

Sandra estava à sua frente com um ar de poucos amigos.

— Barbosa, você chega e nem me enxerga.  Boa noite, querido!  Diz irônica.

— Desculpa! Estava imerso em meus pensamentos.

— Outro caso, garanto.

— Sim! É como ganho nosso sustento.

A voz firme demonstrava o desagrado pela incompreensão da mulher.

Na manhã seguinte, ele saiu cedo de casa.  Negócios, negócios, essa resposta não saia de sua cabeça.  Que negócios?

Foi até a empresa de Rodolfo e disse à recepcionista, mostrando a carteirinha de inspetor de polícia, que queria conversar com a secretária do presidente assassinado.

Uma mulher séria e com expressão de tristeza o esperava em uma ampla sala.  Ele pediu-lhe informações sobre os contatos do chefe e quem, além da diretoria e funcionários, frequentava aquele escritório.

Ela franziu a testa e apertou os lábios e o informou que Rodolfo recebia também o dirigente da fundação, que criara para dar oportunidade às crianças de uma comunidade de desenvolver aptidões musicais ou esportivas.

O inspetor perguntou-lhe se ela o sentiu mais tenso nos últimos tempos, ao que ela respondeu que às vezes o surpreendeu com o rosto muito carregado, o olhar frio, parecendo divagar e quando notava sua presença, voltava a si, sacudindo a cabeça, como querendo expulsar os pensamentos.

Barbosa pediu-lhe o endereço da Fundação e dirigiu-se para lá.  Entrou acompanhado de seu amigo inseparável, o cigarro, que, segundo ele, o ajudava a pensar.

Uma mulher de uns cinquenta anos, alta, magra, com os cabelos revoltos, o recebeu com um olhar feroz.

 — Aqui não se fuma.  Só lá fora.  Leia a placa! E indicou com o braço a porta para a rua.

— Me desculpe! E apagou o cigarro.

— O que o senhor deseja?

— Sou o investigador do caso do Sr Rodolfo.  Preciso fazer umas perguntas para o dirigente daqui.

A mulher levantou da cadeira, revirou os olhos e com a voz alterada despejou sua indignação. Que ninguém ali tinha a ver com a morte de Rodolfo.  Que todos eram pessoas de bom caráter e ligados a uma boa causa e que serem investigados era uma afronta.

Barbosa a encarou com calma e frieza.  Essa reação não era normal.  Algo deveria existir atrás disso.

Um homem apareceu atraído pela gritaria e ela apontando para o detetive lhe informou a que ele viera. O homem cumprimentou Barbosa e o dirigiu ao seu escritório.  No caminho pediu desculpas pela atitude da mulher, dizendo que ela tinha problemas mentais, mas era uma boa auxiliar. Disse estar chocado com o assassinato do benfeitor, que era querido por todos ali.

Barbosa, no entanto, não gostou daquele discurso pronto, que parecia ensaiado.  Algo, no jeito dele se expressar e no movimento da cabeça e das mãos, que se apertavam demonstrou uma certa impaciência e nervosismo, que a mansidão da voz procurava disfarçar.

Várias perguntas foram feitas pelo investigador sobre o funcionamento da Fundação e como eram financiados os trabalhos lá realizados. A maior parte do dinheiro vinha de Rodolfo e a outra parte de um grupo de doadores.

As respostas eram dadas com segurança, mas o homem desviou os olhos várias vezes do olhar penetrante de Barbosa.

Terminado o interrogatório, o investigador saiu.  Quando passou pela mulher destemperada, ela o encarou com desconfiança e raiva.  Quando ele desapareceu de sua visão, ela entrou na sala do chefe.

Lá fora, um segurança vigiava a entrada.  Barbosa dirigiu-se a ele.

— Olá! Você trabalha aqui há muito tempo? Ele assentiu com a cabeça.

— O Sr. Rodolfo vinha muito aqui?

— Uma vez por mês e se reunia com o Sr. Camargo. Era um homem bom.

— E o Sr. Camargo e aquela mulher louca?

— A Olívia? Não é louca não. É bem esperta! Finge que é maluca.

— O Sr. Camargo sabe disso?

— Claro.  Os dois estão sempre juntos.

— Você não gosta deles?

— Não.  Tem muita coisa errada aqui.  As pessoas falam, mas não podem fazer nada.

— Como assim?

O segurança lançou um olhar preocupado para o prédio. Barbosa perguntou-lhe a causa da preocupação e ele revelou que se eles o vissem conversando com o investigador, iriam interrogá-lo.

— Só uma última pergunta. O que as pessoas falam?

— Entra muito dinheiro aqui, mas os professores recebem os salários atrasados e equipamentos somem da noite para o dia. Algum tempo atrás, um professor ouviu uma discussão muito forte entre o Camargo e o Sr. Rodolfo.

Barbosa agradeceu ao homem.  Talvez ali estivesse o motivo do crime, mas como alguém conseguiria chegar à garagem daquele prédio sem ser visto.

Foi até lá.  Entrou e percorreu o jardim, observando a altura dos muros. Uma grande casa era vizinha de um dos lados. O muro era alto, mas poderia ser escalado por alguém ágil. Para a escalada, o invasor deveria ter as mãos nuas, se não, escorregaria.  Precisava verificar se tinha impressões digitais.

O celular tocou.  Era Helena, avisada pela portaria, de que ele estava no prédio.  Pediu que subisse. A voz trêmula demonstrava nervosismo.  Um arrepio percorreu seu corpo inteiro.  Como depois de tantos anos, aquela mulher ainda conseguia mexer com ele.

Ela abriu a porta. O rosto aflito o surpreendeu.  Desnorteada, segurou as mãos dele e, quase chorando, disse-lhe que soube que era a maior suspeita do crime.

— Calma! Vamos conversar.  Como o crime foi na garagem, é previsível que você seja alvo de suspeição.

— Eu amava e respeitava meu marido pela integridade de seu caráter.  Ele me ajudou no momento mais difícil de minha vida…

Aquela declaração incomodou Barbosa, que desviou a conversa, informando-a ter um suspeito em mira, mas ainda não podia revelar o que estava averiguando. Tranquilizou-a, afirmando que a verdade viria à tona.

O alívio descontraiu as feições de Helena, que derramou um olhar de gratidão em Barbosa. Nesse momento, um jovem entrou na sala.  Com um balançar de cabeça, cumprimentou o detetive. E comunicou à mãe, que iria para a faculdade fazer um trabalho e não demoraria.  Os olhos do rapaz espalharam tristeza pelo ambiente. A morte do pai o atingira duramente.  Uma perda violenta nessa idade fica gravada na alma da pessoa para sempre, pensou Barbosa.

— Seu filho é um bonito rapaz, Helena.

Um sorriso enigmático e tímido surgiu no rosto dela. Ele se levantou para ir embora. Ela segurou o braço dele e pediu que sentasse novamente. A surpresa fez com que largasse o corpo na poltrona, desajeitadamente:

— Preciso te fazer uma revelação. Não me sentiria bem se não o fizesse.

O inspetor a encarou confuso.  Ela suspirou fundo, como se estivesse procurando coragem e começou a falar com voz trêmula e emocionada.

— Naquele ano, em que meus pais me mandaram para Nova York, fiquei arrasada, como você soube pelas minhas cartas. Comecei minha pós-graduação e lá conheci Rodolfo.  Ficamos amigos.  Ele se apaixonou por mim, mas expliquei-lhe o que acontecera conosco.  Ele respeitou minha situação.

Tempos depois, comecei a me sentir estranha e descobri que estava grávida. O desespero encolheu meus sentidos.  Como daria essa notícia a meu pai.  Chorando, contei tudo a Rodolfo.

O corpo de Barbosa se enrijeceu:

— Mas vocês eram só amigos!

— Acorda, Inspetor! Ainda não entendeu?

— O que você quer dizer com isso? Os pensamentos rodopiando loucamente.

— O filho é meu… Não é possível! Por que não me contou? A raiva entrecortou suas palavras.

— Eu não sabia o que fazer.  Fiquei em estado de choque. O medo da reação de meu pai me paralisou. Sabia que ele seria capaz de me obrigar a abortar. Jamais mataria uma criança e ainda mais um filho seu.  Foi o tempo mais doloroso de minha vida.  Comecei a não responder suas cartas. Estava confusa e apavorada. O apoio de Rodolfo me salvou da depressão, que me estava abocanhando. Ele me pediu em casamento.  Casei para salvar nosso filho. Comunicamos nossa decisão aos meus pais.  Meu pai ficou possesso e chocado com o casamento inesperado, mas como sempre foi obcecado com posições sociais, aceitou Rodolfo ao saber que era herdeiro de uma grande fortuna.

O silêncio se abateu sobre o ambiente, quando ela terminou sua confissão. O cansaço vibrava no rosto de Helena.  Barbosa recostou-se na poltrona e levantou a cabeça, fixando os olhos no teto. Estava sem palavras. O destino estava o esbofeteando sem piedade. Tirou o maço de cigarros: 

— Preciso fumar!

— Me perdoe! Eu era muito jovem e me senti completamente perdida.

Ele não respondeu.  Acendeu o cigarro e o tragou como quisesse sugar aquela revelação. Levantou e andou de um lado para outro, tentando digerir o que lhe estava sendo revelado.

— Rodolfo aceitou o menino como se fosse seu filho.  Caio não sabe sobre sua origem.

Barbosa não respondeu. A revolta embrulhou seu estômago e deu um nó em suas cordas vocais.  Estava investigando um crime e descobriu um segredo do passado.  De repente foi em direção à porta.

— Estou indo! Disse cuspindo as palavras.

— Por favor, me perdoe.

— Não se preocupe, vou seguir com a investigação!

E saiu batendo a porta.  Foi para um bar. Bebeu de um trago, um copo de cerveja gelada, como se quisesse esfriar os sentimentos, que borbulhavam em seu corpo e sua alma. Vários copos foram esvaziados. Saiu do bar.  Entrou no carro e apertou o volante.  Aquilo parecia um pesadelo.  Não podia dirigir naquele estado.  Resolveu caminhar até um parque próximo.  Precisava colocar a cabeça no lugar. A segurança e a frieza de sempre pareciam andar em uma corda bamba. Depois de uma longa caminhada, sentou-se em um banco.  Patos deslizavam em um lago à sua frente, mas ele não os enxergava, a imagem do filho reverberava dentro dele. O passado e o presente se misturavam.  De repente, levantou-se, apesar de sua revolta, ele tinha que continuar a investigação para descobrir o assassino.  Era sua missão, que estava acima da turbulência, que acontecera no caminho.

Andou até o carro com passos firmes.  Quando chegou à casa, o dia já cumprimentava a noite, que chegava. Empurrou a porta com violência.  Sandra estava na cozinha fazendo o jantar.  Ele foi direto para o banheiro.  Queria tomar um banho, antes de enfrentá-la.

Ao entrar na cozinha, a mulher dirigiu-se a ele, espantada:

— Não vi você chegar! Nossa, que cara é essa?

Barbosa a fitou com piedade.  Sandra era ranzinza, mas era uma boa companheira.  Tinha uma grande frustração de ser estéril. Qual seria sua reação ao saber que tivera um filho com Helena?

— Precisamos conversar! O rosto contraído e o olhar sério a assustaram.

Ela segurou a colher, que estava em sua mão, no ar. A surpresa e o medo, estampados no rosto.

— O que aconteceu? Ela sentou-se com a colher ainda em sua mão.

Barbosa pausadamente contou tudo o que acontecera naquele dia. A mulher pousou a colher. Sempre soubera de Helena, mas o que aconteceria agora que ela reapareceu na vida dele e ainda com um filho, que ela não pudera lhe dar. O estupor cobriu sua face.  Sacudiu a cabeça como voltasse a si:

— Você vai reconhecê-lo como filho?

— Não.  Já chega o golpe de ter perdido aquele que pensa ser seu pai.

— E quanto a Helena? O medo amargando sua boca.

— Não sei. Ainda estou tentando assimilar tudo. Tenho que focar em descobrir o criminoso.

O silêncio se abateu sobre o jantar. Cada um encerrado em seus pensamentos.

No dia seguinte, Barbosa voltou ao prédio da vítima, acompanhado por um policial, que procurou digitais no muro e mediu as pegadas, que ainda permaneciam no solo. Os rastros revelaram que a pessoa calçava 37 ou 38. Não podia ser do dirigente da Fundação, que era um homem alto e grande. Verificaram também onde ficava a escada, que levava à garagem.

Foram para a Fundação. Barbosa tinha a certeza de que o assassino era de lá.

Olívia os recebeu séria e contida. 

— Quero falar com o Camargo e com você.

O rosto dela empalideceu. Camargo os recebeu calmamente. O detetive foi direto ao assunto e disse precisar das digitais dos dois. Virando-se para Olívia, perguntou:

— Quanto você calça?

— 37! Respondeu com os olhos apavorados.

Conferiram as digitais dos dois.

— Você está presa pelo assassinato de seu patrão.

— Não fui eu! Não fui eu! E olhou para Camargo como que pedindo ajuda.

O homem ficou impassível e, desviando o olhar, permaneceu em silêncio.

Barbosa o encarou:

— Você também está detido para averiguações.

— Eu não fiz nada.

— Isso vamos ver

Olívia foi submetida a um intenso interrogatório e acabou por confessar que ela e Camargo possuíam uma loja de artigos para pets, onde lavavam o dinheiro desviado. O estabelecimento estava em nome de uma funcionária a quem prometeram participação nos lucros.

Rodolfo, ao ir à Fundação verificar os trabalhos, notou uma displicência na administração. Equipamentos que não eram consertados e sentiu a insatisfação dos que lá trabalhavam. Enviou, então, um auditor da empresa para analisar o que estava acontecendo e o rombo nas finanças apareceu. A discussão entre ele e Camargo foi fria e muito séria, em que ele ameaçou de entregá-lo a polícia.  Logo que ele saiu, o dirigente chamou Olívia para tramarem o assassinato de Rodolfo.

Barbosa saiu da delegacia exausto.  Aspirou o ar fresco vigorosamente.  Mais um caso resolvido. Entretanto, este deixou marcas profundas em sua vida. A descoberta de um filho desordenara seu caminho.  Amara tanto Helena e ela simplesmente o colocara de lado ao primeiro obstáculo. Apesar disso, precisava avisá-la de que o caso estava encerrado e os assassinos foram presos.

A porta do apartamento foi aberta por Helena, cujo olhar faiscava sentimentos opostos, um sorriso embaraçoso e triste disfarçava o prazer de tornar a vê-lo.

O inspetor a fitou sério:

— Os assassinos de seu marido já estão presos.

A aspereza de sua voz atingiu-a como uma bofetada. Com delicadeza, pediu-lhe que sentasse e trêmula agradeceu seu empenho. Ter sido feita a justiça era o único consolo para ela e Caio.

— Luis Carlos, não tenho conseguido dormir: a morte de Rodolfo, tornar a vê-lo depois de tantos anos…

Ele tentou retrucar, mas ela levantou a mão para não ser interrompida.


— Acho que será justo para você e Caio, que ele conheça a verdade.  Nesses dezoito anos, travei uma batalha íntima por ser tão covarde em enfrentar minha família, ao mesmo tempo, em que era grata pela dedicação e amor que meu marido nos dedicava.


— Helena, nossos caminhos se afastaram há muito tempo. A realidade hoje é outra. Não acho certo contar isso ao Caio, agora, em que ele tem que absorver a morte daquele que ele considera seu pai.  Seria outro grande abalo para o menino.  Talvez depois de um tempo… Respirou fundo e acrescentou: de ele ter vivido seu luto.

Levantou-se, segurou carinhosamente as mãos de Helena:

— Temos um elo, que nos unirá daqui para frente. A amizade pode ser mais profunda que uma paixão.

Não tinha mais raiva dela, apenas compaixão.  Virou-se e saiu.

 

 

Episódio II


Traição


Clara saiu de casa animada. O vestido vermelho realçava sua pele morena e os cabelos negros enfeitavam o rosto delicado.  Queria surpreender Mario, que ultimamente se mostrava distante e indiferente. O casamento de quinze anos entrara em uma rotina morna, em que um dia era igual ao outro, sem surpresas, sem objetivos em comum.

Queria mostrar ao marido, que ainda era aquela mulher por quem se apaixonara.  Sentia-se culpada por negligenciar sua aparência ao se dedicar aos dois filhos.

Resolveu surpreendê-lo, indo ao seu consultório e mostrando-lhe a beleza que o dia a dia tinha escondido, e lembrá-lo dos velhos tempos em que estavam sempre juntos, viajando, frequentando restaurantes e aproveitando cada momento.  Que, além de ser mãe, era a sua companheira de vida.

Ansiosa, pisou forte no acelerador do carro para chegar rapidamente ao destino, dominada pela excitação da surpresa que iria fazer.

Desceu do veículo e com passos rápidos, entrou no prédio e pegou o elevador.  Os olhares masculinos a capturaram.  Ficou radiante.

No entanto, ao entrar na sala de espera, estranhou a ausência da antiga recepcionista, que não ia embora, antes do marido sair. Não ouviu vozes no consultório, mas ele devia estar lá, já que a porta estava entreaberta.

Resolveu empurrar devagar a porta e estacou petrificada.  Mario beijava com sofreguidão sua melhor amiga. Recuou. A surpresa e o ódio paralisaram seus movimentos. Abriu a boca e arregalou os olhos.  Cobriu o rosto com as mãos, como se não quisesse acreditar. Voltou-se e saiu sem ser notada. Não derramou uma lágrima.

Ao contrário da ida, voltou devagar.  Pensamentos desencontrados a sacudiam. Estacionou na garagem, respirando fundo várias vezes para se acalmar.  Quando entrou, os filhos vieram correndo, para lhe perguntar por que voltou tão depressa e sem o pai. Fingindo um ar decepcionado, disse que ele não estava mais lá.  Devia ter ido atender alguém no hospital. E pediu a eles que mantivessem segredo de sua surpresa, pois queria repeti-la em outro dia.

No quarto, arrancou o vestido, jogando-o no chão e pisoteou–o com força. Lavou o rosto, esfregando a pele sem piedade.  Isso não iria ficar assim.  De jeito nenhum.

Mario chegou tarde, dizendo que teve que atender um paciente em estado grave no hospital. Clara não conseguiu olhar para ele. Fez um enorme esforço para não esbofeteá-lo. Queixou-se de que estava com muita dor de cabeça e iria dormir no quarto de visitas. 

Levantou muito cedo, olheiras profundas pela noite insone.  Levou as crianças à escola.  Os pensamentos se chocavam, ora com autopiedade, ora com raiva de si mesma, de nunca ter percebido nada. Precisava desabafar com alguém.  De repente, uma ideia surgiu em sua cabeça confusa.  Como não tinha pensado nisso antes. Tinha que ir ao escritório de Fausto, marido de Denise, e contar-lhe essa traição infame. Ele já devia estar lá, absorvido com seus processos de advogado. 

Quando entrou na sala, o amigo assustou-se com o aspecto dela. Pálida, abatida, parecendo desnorteada.

— O que aconteceu, Clara?

— Preciso conversar com você. É algo muito grave.

Ele olhou sério e preocupado e indicou uma cadeira para ela.

— Nem sei como começar.  Cobriu o rosto com as mãos e chorou pela primeira vez depois do acontecido.

— Aconteceu alguma coisa com Mario?

— Sim, mas não é o que você deve estar pensando e, descobrindo o rosto, o surpreendeu com um olhar de decepção e asco. E continuou:

— Ontem, resolvi surpreendê-lo.  Me arrumei, coloquei um vestido, que me deixou atraente e sedutora, porque nossa relação estava muito fria e distante. Quis esquentar nosso casamento novamente.

— E então?

Ela deu um profundo suspiro e o encarou:

— Ele estava aos beijos, agarrado outra mulher.

Fausto empertigou-se. A piedade misturada à confusão. Por que viera contar isso a ele e não à Denise?

— Sinto muito! Mas por que me procurou para revelar isso e não a Denise?

Ela o olhou com firmeza.

— Ele estava com sua mulher.

— O quê? Os olhos quase saltaram das órbitas.  Jogou o corpo para trás. A fúria contraiu seu rosto e dando um soco na mesa, levantou-se.

— Desgraçados!

Clara se levantou e apoiou a mão no braço dele:

— Precisamos fazer alguma coisa para atingi-los.  Não sei o que.

— Só a morte vingará uma traição como essa.

— Matar não!

— Deixa comigo.

Clara saiu do escritório atordoada, mais nervosa do que chegara.

Horas depois, ele lhe telefonou.  Não conseguiu trabalhar.  Adiou seus compromissos e fechou o escritório, permanecendo lá dentro. Tinha elaborado um plano e combinaram de se encontrar em um café.

O ódio superou o medo de Clara, quando ele lhe contou o que tinham que fazer. A dupla traição chicoteou seus sentidos e a cegou completamente.

Dias depois, ela chamou um colega do marido logo cedo.  Chorando, contou que fora acordar o marido e ele permaneceu imóvel.  Sacudiu-o e nada.  Estava morto. O amigo examinou-o. Deduziu que tinha tido um enfarte fulminante. Penalizado, assinou a certidão de óbito.

No velório, Clara ficou imóvel, olhos sem vida.  Denise, a grande amiga, aproximou-se dela e a abraçou, chorando.  Ela recebeu o abraço como um autômato, o corpo rígido e fechou os olhos para esconder o ódio, que lhe escorria pelo corpo e a alma. Nesse momento, Fausto e ela trocaram um olhar de indignação.

Certa tarde, quando ajudava a filha com a lição de casa, o celular tocou.  Atendeu e o rosto se contraiu.  Uma amiga, com voz entrecortada pelo choro, comunicou que Denise fora atropelada e morreu instantaneamente. Clara fingiu ficar horrorizada com a notícia. Os lábios se contraíram para disfarçar o sentimento de missão cumprida.

Um morador da rua em que ocorreu o atropelamento assistiu a tudo e testemunhou à polícia que o carro veio com velocidade e acelerou mais ao avistar a mulher. Conseguiu guardar o número da placa. Essa informação acendeu a luz de que poderia ter sido um assassinato.

Barbosa estava em casa, o olhar perdido, fumando seu cigarro, com uma xícara de café em sua frente. A visão do filho projetada em sua mente, quando o celular tocou, foi chamado para outra investigação.

Chegou à delegacia, com a tranquilidade de sempre, e ouviu com atenção o relato do atropelamento.  Examinou as informações disponíveis.  Sentou-se frente a um computador e pesquisou sobre a placa do carro.  Era um carro alugado.  Foi até a locadora.  Lá, foi informado que o locatário era um homem e lhe deram o CPF dele. 

  Descobriu que a vítima era mulher do atropelador. O detetive saiu de lá com um sorriso irônico. O peixe estava fisgado.  Dirigiu-se ao escritório do homem.  Chegando lá, identificou-se.  Fausto o recebeu com uma calma estudada. E quando foi acusado de atropelar a mulher, negou.  Tinha realmente alugado aquele carro para fazer uma curta viagem e podia comprovar isso. Barbosa disparou várias perguntas, mas o investigado disfarçava habilmente as respostas.

Barbosa gostava de lidar com acusados inteligentes e enredá-los pouco a pouco. Avisou-o que não podia sair da cidade e que tornaria a procurá-lo.  Tinha que descobrir mais sobre o casal.

Contatou parentes e amigos do casal e soube que o marido da melhor amiga de Denise tinha morrido recentemente de morte natural. Teria que conversar com essa amiga, perceber como ela via o relacionamento dela com o marido.  Seu faro lhe dizia que poderia chegar a alguma coisa importante do caso.

Clara o recebeu com uma aparente tranquilidade, mas o tremor da mão que o cumprimentou e o piscar incessante dos olhos não passaram despercebidos pelo crivo do experiente investigador.

Várias perguntas foram feitas sobre a amizade dela com o outro casal.  Barbosa notou impaciência e uma umidade no rosto da mulher.  Ela estava visivelmente nervosa, que procurava disfarçar com uma voz pausada. Com a agilidade mental que o tornara um investigador ímpar, ele foi a enredando cada vez mais.

— A senhora não acha muita coincidência que seu marido morreu e pouco tempo depois sua amiga foi atropelada de maneira claramente criminosa.

A exaustão cobriu o semblante de Clara.  Não aguentava mais todo aquele interrogatório. Um choro convulsivo explodiu dela:

— Eu peguei meu marido e Denise em flagrante. O ódio da traição me torturou e me cegou.  Foi terrível.

Barbosa a encarou com piedade. A traição fere as pessoas de maneira profunda.  E essa tinha sido uma apunhalada nas costas em dose dupla. Pensou no filho que lhe fora escondido e como ele ficou enraivecido por isso.

— Foi um duplo homicídio.  Como isso aconteceu?

Ela calou.  Não queria denunciar Fausto e ele percebeu sua angústia.

— Sei que foi um acordo entre a senhora e o marido de Denise.

Ela suspirou aliviada e relatou como planejaram os assassinatos. Fausto lhe forneceu um veneno, que ela colocou no copo de suco do marido e o resto o detetive podia deduzir.

Um silêncio se abateu sobre eles, só interrompido pelo choro desalentado de Clara. 

Barbosa olhou para ela. A frieza costumeira tinha o abandonado.

— Não teria sido melhor a senhora ter se separado e seguido sua vida...

 

 

 

 

 Opção II de desfecho deste episódio:



Três dias depois, ela chamou um colega do marido com urgência. Recebeu-o com um ar desesperado. Fora acordar o marido, mas ele permaneceu imóvel. Não estava respirando.  Estava morto. A aflição de Clara o comoveu.  Examinou o amigo.  Com certeza, foi um enfarte fatal, declarou e assinou um atestado de óbito.

No velório, Clara ficou imóvel, olhos sem vida. Denise, a grande amiga, aproximou-se dela e a abraçou chorando.  Ela recebeu o abraço como um autômato, o corpo rígido e fechou os olhos para esconder o ódio, que lhe percorria o corpo e a alma.

Um mês se passou.  Clara seguiu sua rotina, cuidando dos filhos e do trabalho de professora. Denise telefonou, mas ela lhe disse que não tinha vontade de conversar com ninguém, porque ainda estava muito abalada com a morte do marido.

Certa tarde, quando ajudava a filha com a lição de casa, o celular tocou.  Atendeu, o rosto se contraiu.  Uma amiga, com a voz entrecortada pelo choro comunicou que Denise fora atropelada e morreu instantaneamente.  Clara se mostrou horrorizada com a notícia. O rosto, porém, disfarçou um sorriso satisfeito e tranquilamente voltou à lição da filha.

Barbosa foi chamado a investigar o caso.  Um morador da rua em que ocorreu o atropelamento assistiu a tudo e testemunhou à polícia, que o carro veio com velocidade e acelerou ao chegar perto da vítima.  Não conseguiu ver quem estava dirigindo, mas guardou o número da placa.

O detetive começou a busca pelo veículo.  Descobriu que era um carro alugado e na locadora foi informado, que quem o alugara era um homem, fornecendo o CPF do locatário.  Levantou os dados do suspeito e o contatou.  Ele disse ter alugado o carro para fazer uma viagem, que podia comprovar, não estava na cidade naquele dia.

Barbosa saiu de lá, acendeu seu amigo inseparável para ajudá-lo a pensar.  Começou a investigar o caso e averiguar quais as relações sociais do homem.  Descobriu que a vítima era amiga de uma mulher, que perdera o marido recentemente.  Precisava conversar com ela para saber da relação do casal ultimamente.

Foi até a casa de Clara, que o recebeu com desconfiança, mas tentou manter a calma. Ele a interrogou sobre o casal.  Ela respondeu que eram um casal normal, mas o tremor em sua voz despertou uma suspeita no detetive. Perguntou se tinha alguma relação com o marido da vítima. Ela desviou o olhar e negou, como se tivesse sido ofendida.

O olhar penetrante de Borges a atingiu. 

— Seu marido morreu recentemente.  Como foi sua morte?

— Um enfarte. Fui acordá-lo e ele estava morto. Chamei um colega dele, que constatou o ataque de coração.

— Estranho, tanto seu marido como a esposa atropelada morreram em um espaço de tempo muito curto, não acha?

Ela contraiu o rosto:

— O que o senhor está insinuando?

— Muita coincidência! O tom frio a enregelou.


Episódio III

O assalto ao banco.


 

A polícia cercou a agência bancária. Um policial com um megafone incitava os bandidos a se entregarem. Reféns amarrados foram mostrados nas janelas. Enquanto isso, uma parte da tropa tentava alcançar o andar superior do prédio pelo edifício vizinho.

A tensão vibrava nos movimentos e semblantes dos soldados. Não poderia haver erro. A operação tinha que ser milimetricamente pensada para que vidas não fossem perdidas.

De repente, um disparo foi ouvido dentro do lugar. Gritos foram ouvidos.  Os policiais estacaram.  Ordens desencontradas ecoaram. O policial avançou ameaçando que iriam invadir o banco.  Um silêncio pesado caiu sobre todos.  Um celular tocou.  Parte da tropa conseguira alcançar o prédio e os surpreendera. O tiro foi dado por um deles e atingiu um dos comparsas.  Havia mais três homens mascarados com armas encostadas na cabeça de pessoas.            Cercados e ameaçados de morte, baixaram os fuzis e se entregaram.

Os três bandidos foram presos e levados para a delegacia. O gerente do banco foi chamado a depor.  Ainda muito abalado com o assalto, sua voz tremia ao relatar a abordagem ameaçadora dos homens.

Barbosa, o competente investigador, foi convocado a conduzir os interrogatórios, auxiliado por Mendonça, um colega do grupo de elite. O experiente detetive perguntou sobre cada detalhe da movimentação dos bandidos.  Se eles pareciam saber sobre a rotina do banco, sobre o acesso ao cofre ou o horário mais propício ao êxito da ação. Mendonça ouvia calado as informações do homem, anotando tudo em um pequeno bloco.

Barbosa dispensou o homem e encarregou o auxiliar de interrogar os funcionários, descobrirem principalmente a índole e o desempenho do tesoureiro, que, segundo o gerente, fora demitido recentemente.

Mendonça levantou-se imediatamente e foi ao banco.  Barbosa tirou um cigarro do maço e o fumou, jogando a fumaça para o alto.  Seus pensamentos fluíam devagar com a lógica costumeira. O assalto decorrera como o tocar de uma orquestra, cada instrumento entrando na hora certa. O maestro precisava ser encontrado.

No caminho, Mendonça travava uma batalha íntima, por que ele foi chamado apenas para auxiliar o outro?  Era tão capaz como ele, mas só enxergavam os êxitos de Barbosa. O despeito envenenava-o todo, deixando um gosto amargo em sua boca.  Tinha que agir para mostrar que era o melhor.

No banco, interrogou os funcionários ligados ao tesoureiro, que elogiaram o caráter do homem. Um assessor confidenciou que ele tinha se desentendido com um dos diretores e que esse era o provável motivo de sua demissão.  Ao procurar esse dirigente, foi informado de que estava fora do país.

De volta à delegacia, omitiu essas informações.  Barbosa, porém, notou algo discrepante no seu discurso.

No dia seguinte, foi ao banco para se inteirar do que supunha que lhe fora omitido e dirigiu suas armas para saber sobre a vida do diretor. Descobriu que o homem fora indicado ao cargo por um empresário milionário amigo do filho do banqueiro.   Ao se aprofundar mais, veio à tona duvidosos negócios praticados por ele.

A mente ágil funcionou como um computador compilando dados.  Foi até a casa do tesoureiro, que se esquivou de dar informações.  Todo o corpo do homem transpirava de medo.  Teria ele sido ameaçado?

A vida do diretor foi dissecada pelo inspetor, que descobriu que ele tinha uma dívida de milhões de dólares em uma firma da família, que estava quase indo à falência. O vício de jogar altas quantias continuamente na Bolsa o estava levando para uma derrocada financeira. O ingresso ao trabalho no grande banco serviu para ter acesso a volumosas quantias, que desviava em doses homeopáticas. Com certeza, o tesoureiro descobriu os desvios, que motivaram sua demissão.  Cada vez mais, enterrado em dívidas, urdiu o plano de assaltar o banco e conseguir o montante desejado, ligando-se a bandidos perigosos.

O homem tinha se despido de qualquer pudor e princípios para salvar sua pele. Estava no exterior, mas foi pedida sua extradição.

A chefia da polícia o cumprimentou pelo êxito da investigação.  Mendonça tentava disfarçar a raiva, que fervilhava em seu rosto.

Barbosa se aproximou dele e bateu em suas costas:

— Rapaz, você precisa aprender a colaborar, dirigir sua atenção e habilidades, as quais são muitas, para resolver os casos.  Aqui não é um lugar para se querer aparecer, ao contrário, temos que ser quase invisíveis para atingirmos o alvo certo.

E saiu. Estava exausto.  Precisava urgentemente de umas férias.



Episódio IV

A Viagem.



Barbosa entrou no barco que o levaria às férias há tanto esperadas. O semblante tranquilo e confiante de quem iria relaxar e se distanciar do trabalho absorvente de inspetor, que consumia sua energia.  Descansar a mente de tantas conjecturas e elucubrações.   Abraçar a natureza, mergulhar, sentir o vento salgado no rosto.  Saboreava antecipadamente os dias tão esperados.

Olhou em volta e cumprimentou o grupo com quem iria desfrutar a viagem, analisando cada um deles. A observação e acuidade desenvolvidas em anos de profissão tornaram-se parte dele, uma segunda pele, que o vestia.

O mar calmo da manhã ensolarada embalava a embarcação, que, sem pressa, deslizava pelas águas azuis. Debruçado na balaustrada, os rostos de Sandra e Helena projetavam-se em sua mente.  Ele, o respeitado detetive, demorara dezenove anos para descobrir que tinha um filho.  Um sorriso solitário surgiu em sua face. A vida era uma criatura irônica e surpreendente.  Essa escapada solitária seria importante para encontrar-se consigo mesmo, relaxar e achar um rumo certo a ser seguido.

Uma hora depois, um ponto verde e montanhoso surgiu ao longe. E lentamente, a ilha foi se mostrando.  Praias de areias brancas debruavam o verde de coqueiros e árvores tropicais. As pessoas apontavam entusiasmadas para a paisagem, que se entregava a eles como um presente da natureza.

Logo depois, o grupo desembarcou no ancoradouro como crianças, transpirando expectativas de bons e inesquecíveis momentos e novas descobertas. O cheiro poderoso do mar acariciando seus olfatos.

A pousada tinha um estilo rústico e acolhedor. Grandes sacadas abriam-se para o entorno verde da vegetação e o azul da imensidão do mar. Barbosa colocou sua pequena bagagem sobre a cama e foi até a sua varanda.  Respirou fundo, inalando com imenso prazer o ar puro e a beleza do lugar.  Precisava dessa paz para se afastar da violência, que fazia parte de seu trabalho.  Olhou no relógio.  Era hora do almoço.  Desceu para o restaurante e sentou-se à mesa perto de uma grande janela.  Mal se acomodara, uma senhora pediu licença para dividir a mesa com ele. Ele assentiu sorrindo. Era simpática e comunicativa e sua conversa leve o divertiu.

Ao redor deles, um casal com uma criança. Outro casal mais velho e sorriso aconchegante. Um rapaz que trouxera uma grande prancha de surfe. Um homem solitário. Três mulheres que tagarelavam sem parar. Outro homem, que dedilhava um notebook, e o guia da excursão, que conversava com a equipe da pousada. Dois rapazes de uns trinta e tantos anos chegaram atrasados e se sentaram em uma mesa distante.

Depois do almoço, todos eles fizeram uma caminhada pela ilha, que os levou para o alto de um morro, de onde se avistavam grandes ondas, que se chocavam com as rochas, cobrindo-as de espuma, num vai e vem preguiçoso.  Fotos espocaram ao sabor da exuberante paisagem.

Os dias passaram lentamente e o grupo aproveitava cada segundo, ora se acomodando nas areias brancas da praia, mergulhando e nadando, ora percorrendo os caminhos sombreados da floresta.

Em uma manhã ensolarada e quente, Barbosa foi até o fim da praia e sentou-se em uma rocha protegida pela sombra das árvores, que ladeavam uma pequena elevação de terra.  Os pés descalços celebravam as ondas, que os cobriam mansamente.

Os olhos fixos na imensidão do oceano mergulharam nas águas profundas do passado.

Um menino travesso, que pulava muros em busca de balões de São João ou descia a rua em seu carrinho de rolimã e voltava para casa sujo de felicidade.

O adolescente, cheio de emoções desencontradas, que o impulsionavam para cima ou o faziam cair céu abaixo. A curiosidade, que o empurrava para descobrir mistérios. Como isso já era forte dentro dele, um sorriso brotou em seus lábios.

As dificuldades financeiras, que os pais tentavam disfarçar, esforçando-se para que ele estudasse e tivesse uma vida com mais facilidades.

O ano em que completou dezoito anos surgiu nítido em suas lembranças. A convocação para o exército, que o levou às fronteiras do país, onde presenciou e teve que lutar contra o contrabando de armas, a entrada de drogas ilícitas e a invasão de terras indígenas. A saudade que sentira dos pais. O cumprimento da missão, que o devolveu para sua vida e para a família na época do Natal.  Diante dele, uma pequena e singela árvore, com luzinhas coloridas, brilhou em sua memória. Foi o mais feliz e significativo Natal de sua vida por voltar ao aconchego do lar, em que aprendera a valorizar os bons princípios, apesar das dificuldades do caminho.

A decisão de fazer o curso de Direito e o sacrifício dos pais para ele realizar esse sonho veio bater em seus pensamentos, assim como as ondas batiam na rocha em que estava.

E... Helena! A jovem por quem se apaixonara e ficara perdida nas brumas do passado até reaparecer subitamente com um filho seu.

A decisão de se distanciar de tudo e de todos para repensar seu rumo e escolhas, juntar sua alma, peça por peça, como um quebra-cabeça e resolver qual caminho tomar.

Alguém gritou o seu nome e o arrancou de seus pensamentos. A senhora, simpática, acenava para ele.

— Que dia lindo! Disse, aproximando-se.

Ele concordou com um balançar de cabeça.

— Vão fazer um luau, hoje à noite! Disparou entusiasmada.

Ele sorriu.  Ela era uma boa companheira, sempre bem-humorada e feliz.

— Você vai participar, não? Acrescentou.

— Vou sim! Nunca fui a um luau.

Levantou-se e os dois andaram pela praia de volta à pousada.

A noite chegou com seu manto prateado pelo luar. A praia enfeitada com flores e barracas coloridas esperava pelas pessoas.  Tochas e velas iluminavam o ambiente e uma mesa entremeada de frutas e pratos cuidadosamente elaborados com peixes grelhados e diversos vegetais, cujo aroma atiçava o paladar de cada um, que ia chegando para aproveitar a festa. Colares floridos e roupas coloridas enfeitavam as mulheres e os homens. A alegria dançava entre os presentes. O inspetor chegou discretamente, observando tudo com curiosidade. O ar fresco marítimo levava a música e animação para toda a praia.  Pequenos grupos se formaram em volta da mesa, conversando e rindo.

De repente, um funcionário chegou esbaforido e gritando:

— Tem um homem morto no jardim!

As pessoas se entreolharam assustadas.  Barbosa percorreu com o olhar o lugar.  Estavam todos presentes, menos o homem solitário. Um esgar de raiva crispou seu rosto.  Viera para essa ilha para se desligar de tudo e relaxar… e agora isso. Mas era seu dever investigar.

— Quero ver o morto.  Sou inspetor da polícia.

Todos olharam para ele surpresos. A senhora simpática o encarou com admiração.  Adorava histórias policiais e havia feito amizade com um detetive.  Com passos largos, acompanhou o funcionário, que, nervoso, não parava de falar.

O homem estava caído de bruços no gramado, o sangue ensopava a camiseta.  Barbosa abaixou-se e descobriu as costas dele.  Fora esfaqueado.  Levantou-se e à sua volta estavam várias pessoas, o gerente da pousada e o guia com um ar apalermado.

— Precisamos comunicar esse assassinato à polícia costeira.  Ninguém pode sair da ilha antes de este caso ser solucionado.

Um homem saiu da pousada com uma camisa colorida e um colar de flores.  Ao chegar ao jardim, parou e colocou a mão na boca aberta.  Correu e ajoelhou-se perto do morto. Era o amigo do assassinado.

— Não toque nele! Ordenou Barbosa. Horas depois, a polícia chegou. O inspetor esquivou-se de participar do caso. Estava de férias para descansar.  Retirou-se do local e foi para seu quarto, mas contra a sua vontade, o espírito investigativo não o deixou dormir.  Levantou-se para dar uma volta pela praia e um vulto cruzou com ele.  Era o homem solitário. A expressão carregada como sempre. Não conversava com ninguém, apenas seguia o grupo em silêncio.  Seus sorrisos eram raros. O olhar fugidio. Por que ele veio para a ilha? O que ele carregava em seu íntimo.

Barbosa sentou-se na areia fofa.  Contrariando sua vontade, seu espírito procurava por respostas. Ele não era conhecido pelos dois amigos.  Levantou-se decidido. A polícia precisava interrogá-lo.

Os policiais já tinham feito os exames periciais. O inspetor chegou devagar e em voz baixa, informou-os de sua suspeita. O homem taciturno foi chamado, mostrando-se indignado por tal suposição. Barbosa deteve-se no seu olhar.  Algo ali era contraditório e, ao mesmo tempo, firme, próprio de assassinos de aluguel.

O quarto dele foi revistado. A mala aberta.  Debaixo de algumas roupas, um fundo falso.  Abriram, estava vazio. Os policiais se entreolharam, balançando as cabeças.

Barbosa ligou para seu departamento e enviou a foto do suspeito. O nome fornecido para a excursão era falso e estava sendo investigado pela polícia pela suspeita de vários crimes como assassino profissional. Foi preso.

Restava apenas uma pergunta.  Por que matara um dos amigos? Essa pergunta ficou sem resposta.

 

 

Episódio V

Crime Cibernético

 


Barbosa chegou ao trabalho e foi rodeado pelos colegas, que riam e o provocavam por ter que resolver um crime nas férias tão esperadas.

— Haja paciência para aguentar vocês! - Disse, segurando o riso.

Após conversarem sobre o acontecido, ele foi para seu escritório e começou a ler os papéis sobre a escrivaninha. O chefe entrou e o cumprimentou:

— Bom dia, Barbosa!  Já temos uma investigação para você, só que é sobre um crime cibernético. Estão invadindo documentos de uma empresa para roubar dados importantíssimos, que vão resultar em prejuízos vultosos para eles.

— Nem bem chego e você já vem com trabalho.  Você sabe que não entendo nada de como funcionam esses golpes digitais. A voz soou ríspida e o olhar faiscou.

— Calma! Entrei em contato com um hacker para ajudá-lo nesse caso.

— E essa agora!  Fazer uma investigação com o auxílio desses invasores. Eles é que deveriam ser investigados. 

— O mundo está mudando com uma velocidade incrível.  Temos que acompanhar essa transformação.

Barbosa não respondeu.  Apertou os lábios com raiva.

O chefe ignorou seu mau-humor e acrescentou:

— Amanhã ele virá para ajudá-lo. E saiu da sala.

O inconformado detetive empurrou com força os papéis à sua frente.  Acabara de voltar e já tinha que encarar um desafio e dividir com um desconhecido.  Para amenizar sua revolta, passou o dia esclarecendo as dúvidas e orientando os colegas em seus casos.

Chegou à casa com um semblante fechado, respondendo às perguntas de Sandra com monossílabos. Os anos de convivência a ensinaram que o melhor era ignorá-lo, quando chegava com tal humor.

No dia seguinte, chegou cedo à Delegacia.  Estava digerindo com dificuldade a nova missão, mas, com sua habitual persistência, pronto para deslindar o caso, mesmo tendo que aturar o tal do hacker.

Sentou-se à mesa e começou a ler o jornal. Uma batida na porta fez com que levantasse a cabeça. O chefe entrou seguido por um rapaz.

— Bom dia, Barbosa.  Este é o Caio, que vai ajudá-lo a destrinchar esse caso.

O jovem olhou para ele confuso e estendeu a mão.  Barbosa ficou estático. 

— Não foi o senhor que descobriu os criminosos, que mataram meu pai?

Ele voltou a si como se tivesse levada uma bofetada.

— Sim, fui eu.

O chefe sorriu: 

— Então já se conhecem.  Fique à vontade, Caio. E virando-se, saiu.

— Sente-se rapaz.  Então você é um hacker!

— Nas horas vagas, sou.  Faço curso de Ciências de Computação e pretendo fazer uma pós para me aprofundar cada vez mais nesse novo universo, que está mudando tudo a nossa volta. Além disso, gosto de descobrir os processos, que levam outros hackers a roubarem dados alheios.

Barbosa sorriu. O filho gostava de investigar como ele. Sentiu o orgulho adoçar sua boca. Nunca acreditou em destino, mas naquele momento colocou sua descrença em dúvida. 

Durante horas, Caio mostrou a ele o funcionamento do sistema digital e como poderiam chegar aos invasores digitais.

Almoçaram juntos e o inspetor procurou outros assuntos para conhecer um pouco mais o filho. Entusiasmo e o ideal por um mundo mais justo transpiravam do jovem.

Caio chegou em casa muito animado e contou à mãe a coincidência de estar trabalhando com o detetive da morte do pai, ajudando-o a entender os mecanismos para se chegar a uma invasão por meios digitais. O entusiasmo transbordava das palavras do rapaz.

Helena disfarçou a tensão ao saber do contato entre Caio e seu verdadeiro pai.  Temor e alegria se misturaram nela ao perceber a admiração e simpatia que Barbosa tinha despertado no filho. Quando ficou só, ligou para o detetive. Na longa conversa, percebeu o quanto esse convívio tinha mexido com ele. Os dois decidiram que esse segredo tinha que ser revelado, mas na hora certa.

Passaram juntos vários dias, destrinchando o roubo de dados.  Ao mesmo tempo, em que Barbosa aprendia a entender os processos cibernéticos, levava o filho a percorrer o rumo certo, seguindo sua lógica apurada e, por outro lado, o jovem conduziu o conservador detetive a se deparar com um mundo, que desconhecia e que o deslumbrou.

Finalmente, chegaram aos autores da invasão de dados.  Barbosa o convidou para um almoço para comemorar o sucesso da investigação. O rapaz estava muito feliz por participar de um caso com um famoso inspetor da polícia. E, quando Barbosa o convidou para ser seu colaborador na elucidação de outros crimes cibernéticos, que por ventura aparecessem, os olhos de Caio se acenderam de entusiasmo.

Barbosa chegou a casa com o rosto iluminado por uma alegria há muito não experimentada. No olhar de Sandra misturava-se satisfação pela felicidade do marido e apreensão pelo desfecho dessa relação. 

Ele a acalmou, ao notar o seu desconforto, afirmando que Helena pertencia ao passado, mas ele queria conquistar o afeto do filho.  No entanto, o temor de perdê-lo ainda a assombrava.  Seu instinto feminino lhe dizia que a chama daquele amor de um passado tão distante ainda estava acesa.

Meses se passaram. Caio participou de várias investigações junto ao pai. Uma sólida amizade se consolidou entre os dois.

Um dia em que conversavam, o rapaz surpreendeu Barbosa: 

— Vou confessar uma coisa, Barbosa.  Às vezes sinto que o conheço há muito tempo. É muito estranho. Nem com o meu melhor amigo, sinto essa ligação.

O frio inspetor tentou disfarçar a emoção, que embaçou seus olhos e aprisionou suas palavras.  Apenas estendeu o braço e bateu nas costas do rapaz.  Estava na hora de revelar a verdade, fosse qual fosse o resultado.

Combinou com Helena que iria à sua casa e ambos contariam o que acontecera no passado dos dois. Marcaram para um sábado à tarde, a difícil revelação.

Amanheceu cinzento, nuvens pesadas anunciavam chuvas iminentes.  Barbosa acordou cedo. A costumeira firmeza deu lugar a uma inquietude, que balançava seu íntimo.  Após o café da manhã, fumou um cigarro após o outro.  Sandra tirou o maço de perto dele.

— Para de fumar tanto! Você vai acabar com seus pulmões!  Cadê a sua coragem? Você nunca temeu nada.  Enfrente essa situação como sempre enfrentou tudo em sua vida.

— Você e seus sermões... Mas você tem razão.  Vou caminhar para pôr meus pensamentos em ordem. 

Saiu para andar como sempre fazia para resolver seus casos. Sandra soltou um profundo suspiro. O dia iria ser difícil.

Depois do almoço em que ele mal tocou na comida, saiu para o importante encontro.

A porta foi aberta por uma Helena séria e tensa. As mãos frias e trêmulas apertaram as dele, como se buscasse força e apoio. Caio já estava na sala. O rosto sério e um olhar interrogativo atingiram Barbosa. A mãe tinha lhe falado que os três se reuniriam para tratar de um assunto muito importante. Será que era algo relacionado ao assassinato do pai? Passara tanto tempo, já.

Estendeu a mão para Barbosa. O rosto sério e um olhar ansioso.

— Por que esta reunião? Não estou entendendo nada.  Alguma novidade sobre a morte de meu pai?

O inspetor apenas balançou a cabeça, a voz presa na garganta.

— Calma, filho! O que eu tenho que contar é algo muito difícil para mim.  Sente-se aqui ao meu lado e segurou as mãos do rapaz.

— É uma longa história, que estava trancada no passado.

— História? Passado? Inclinou o corpo para frente e abriu um pouco os braços, com as palmas das mãos para cima, o olhar procurando respostas.

 – E por que o Barbosa tem que estar presente?

O olhar de Helena procurou Barbosa, como pedisse coragem. O medo contraiu suas feições.  Ele balançou a cabeça, incentivando-a a continuar.

— Você vai entender! A voz saiu entrecortada, quase inaudível. E pausadamente, começou a contar o que tinha sucedido no passado.

O avô, com seu temperamento duro e dominador. A arrogância por sua riqueza e a descendência tradicional. O namoro com o inspetor. O amor que os uniu.

Caio soltou a mão da mãe. A surpresa estampada no rosto.

— Vocês foram namorados? Por que me esconderam isso?

Ela passou a mão no braço do filho e não respondeu.  O olhar angustiado se fixou em Barbosa. O medo transbordava de seu corpo. E com muito esforço, continuou a relatar tudo o que aconteceu, a viagem para os Estados Unidos, a amizade com Rodolfo, a gravidez e a verdade sobre a origem do rapaz.

Ao compreender o que lhe estava sendo revelado, Caio se levantou.  Dos olhos incrédulos saíram faíscas de raiva e revolta. Varreu furiosamente o vaso de flores de cima da mesinha, que voou e se espatifou no chão, espalhando o perfume das flores pela sala.

Barbosa se levantou. A voz firme ecoou pelo lugar.

— Pare com isso, Caio.

O jovem virou-se para ele, transtornado.

— Por que você não me contou? Trabalhamos juntos. Fiz papel de bobo todo esse tempo. Gritou transtornado. O rosto crispado de indignação.

Um suspiro saiu das profundezas da alma de Barbosa.

— Essa revelação tinha que ser feita pela sua mãe.

— E você simplesmente aceitou isso, quando soube?

— Não, não aceitei.  Fiquei tão surpreso e revoltado como você, mas conheci seu avô.  Ele era implacável.  Entendi então a aflição e o pavor de sua mãe de lhe contar a verdade e aceitei que tivesse feito esse grande erro.

O rapaz fixou o olhar em ambos, balançando a cabeça e dirigiu-se para a porta.

— Aonde você vai? Perguntou, assustada, Helena.

Ele não respondeu, abrindo a porta com violência, saiu e a fechou com força atrás de si.

— Está caindo um temporal!  Gritou a mãe

— E eu lá tenho medo de chuva!  Respondeu com a voz alterada do hall.

Os dois se entreolharam.  Barbosa abraçou carinhosamente Helena.

— Ele tem que ter um tempo para assimilar tudo isso. É natural que se sinta revoltado e sem chão. O perfume dela o envolveu. Ele se afastou.  Isso não era certo.  Beijou-a na testa:

— Seja forte e paciente.  Dê tempo a ele.  Ele vai voltar para você.  Tenho que ir. Disse, afastando-a.

– Me ligue sempre que precisar.

No elevador, passou as mãos pelos cabelos.  As mãos, sempre firmes, tremiam e uma lágrima teimosa desceu pelo seu rosto.

Chegou em casa e Sandra o esperava ansiosa.  Ele contou o acontecido.

— Era de se esperar uma reação dessas.

Ele balançou a cabeça, concordando.  Abriu a porta do pequeno bar, alcançando uma garrafa de uísque e um copo, que encheu e o emborcou de uma só vez. Nem nos casos mais difíceis e perigosos se sentira tão instável.

Passaram-se alguns dias.  Barbosa entrou no escritório e se jogou na cadeira. Helena lhe telefonara todos os dias lamentando que o filho entrava e saia de casa sem lhe dirigir a palavra. A revolta do rapaz era natural.  Sentiu-se enganado.  Ela precisava ter paciência.  Estava cansado de repetir isso.

Fechou os olhos para tentar relaxar.  Essa reviravolta em sua vida o tirara do eixo. O barulho da porta ao ser empurrada com força fez com que se endireitasse e abrisse os olhos.  Diante dele, estava Caio.  Ele se levantou. O olhar do rapaz era um enigma. Com passos rápidos, o filho deu a volta pela escrivaninha e abraçou o pai.

Surpreendido, Barbosa ficou um segundo imóvel, mas depois envolveu Caio com os braços fortes.

A conversa entre os dois foi longa, em que o duro inspetor se tornou apenas um homem com fragilidades e inseguranças. Com sutileza, pediu ao filho que perdoasse a fraqueza da mãe e compreendesse a situação difícil por que ela passou.

Ao saber do inesperado encontro, Sandra se sentiu feliz e insegura ao mesmo tempo.

Será que o marido voltaria para a mãe de seu filho.  Com a cabeça fervilhando, não conseguiu fazer nada o dia inteiro. 

Quando a porta se abriu, no fim do dia, seu coração galopou desenfreado. O marido entrou sério.  Um calafrio a percorreu.

— Podemos conversar?

Ela prendeu a respiração. O medo contraiu suas entranhas.

— Antes de voltar para casa, tive uma necessidade premente de sentar à mesa de um bar e beber.  Toda essa história surpreendeu minha vida e me tirou do chão firme do meu caminho.  Eu, o investigador, tive a surpresa de um flagrante em minha vida.

A mulher permaneceu quieta. A mudez escondendo o turbilhão que lhe ia ao âmago. O marido a encarou, os olhos avermelhados pela bebida.

— Ainda estou atordoado, mas estou de volta à minha realidade e à minha vida, mais rico em afetos. Ganhei um filho e uma amiga, Helena. E tenho você, a companheira mais ranzinza e, ao mesmo tempo, mais compreensiva e leal, que me está aguentando todos esses anos. 

Aproximou-se dela e a abraçou.  Sandra se desmanchou nos braços de Barbosa.  Dentro do grande e frio investigador, havia um homem com sensibilidade e fragilidades.

                           

 Episódio VI

 


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