A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O MENDIGO OSÉIAS - Alberto Landi

 




O MENDIGO OSÉIAS

Alberto Landi


Todos os mendigos são solitários pois a própria pobreza os faz desconfiar inclusive de outros também mendigos a sua volta.

Quando um tinha um cobertor melhor ou um apetitoso prato de comida, o outro já o olhava com inveja e raiva fazendo todo o possível para inverter a situação, até roubar do companheiro aquilo que lhe faltava. 

Oséias, um mendigo sofrido e bom, morando num canto sujo e úmido de um bairro fino, nunca levantou os olhos a quem quer que passasse ao seu lado mesmo porque ele era invisível aos olhos de quem não queria ver a decadência de um homem ainda jovem e aparentemente saudável naquele canto sujo e fétido.

Todo mundo o evitava, passavam longe. Era um dia lindo e ensolarado para todos, menos para Oséias.

Os dias eram sempre iguais, cansativos, tristes, monótonos, pois não tinha TV para se distrair, não tinha um sofá para descansar suas pernas ossudas e nem mesmo uma cama para seu corpo cansado!

A única vantagem de Oséias era que a noite ele tinha uma visão surreal do céu, que as estrelas pareciam saudá-lo. Ele conversava com elas, lhes dava nomes... Havia a Tiquinha que parecia estar sempre sorrindo pra ele, a Destreza que era muito séria, mas a mais brilhante, a lzinda que ficava o tempo todo apagando e acendendo parecia brincar de esconde-esconde com ele. Elas eram suas únicas amigas.

Só depois que clareava o dia é que Oséias pegava no sono já com os ossos tão cansados e doloridos de dormir no cimento duro e só acordava quando o sol já estava alto no céu.

Um dia, Oséias estava muito triste pois se sentia muito só e abandonado que resolveu andar...andar...  Até não aguentar mais, até suas pernas dobrarem pelo cansaço e ele partir desta vida. Estava resolvido. Quem iria se importar com ele, um sujeito sujo e fedido? 

Caminhando por aquele bairro de gente fina e inesperadamente à sua frente surge uma criança:

Um menino magro alto, de cabelos encaracolados, olhos muito claros encarou e disse:

— Tio, olha o brinquedo que eu ganhei.

E, ficou ao seu ado, sem nojo, sem a repugnância que eu causava dos adultos. O menino mostrava, com bastante euforia, tudo do novo brinquedo, como funcionava, como se Oséias amiguinho dele fosse. Com voz embargada e comovida o mendigo perguntou:  

— Qual é seu nome? 

— Gabriel  

Sem perceber essa criança pura e inocente mostrou-lhe o caminho a seguir.

Há anos Oséias havia deixado a mulher e filho, numa cidade muito longe dali. E na época Oséias achava que era um irresponsável e inútil, pois estava desempregado.

Envergonhado decidiu sair pelo mundo e nunca mais teve notícias da família. Resolveu voltar para casa, minha vida, minha família.

Ao chegar, de longe com os olhos embargados, viu o filho jogando bola e mulher ao portão, parecia estar a sua espera. Ao vê-lo, eles correram e o abraçaram. Oséias se sentiu tão acolhido e amado que não parava de chorar.

Aos prantos agradeceu aquele garoto que surgiu no seu caminho como por encanto mostrando sem perceber que ele tinha que voltar à vida, lutar e nunca, nunca desistir da vida.

 

domingo, 17 de janeiro de 2021

O TÍMIDO ESQUELETO BRANQUINHO Um conto bem infantil - Leon Vagliengo

 


O TÍMIDO ESQUELETO BRANQUINHO

Um conto bem infantil

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Branquinho é um esqueleto muito especial. Vive sozinho, não tem filhos, não é casado. Recebeu esse nome justamente porque é, mesmo, muito branquinho. Seu corpo é absolutamente magro, feito só de ossos, e ele não tem medo de engordar, como as pessoas geralmente têm, porque não come nada. Nada mesmo. Além de ser branquinho é também completamente careca, o que o deixa muito engraçado e simpático. É um pouco tímido, mas está sempre sorrindo, e os seus dentes brilham e se destacam em sua cabeça redondinha. Com essa aparência tão leve e inofensiva, não entende porque as pessoas fogem dele apavoradas quando o encontram pelas ruas em seus passeios. Isso o deixa muito triste, porque parece que ninguém gosta dele.

Para evitar que isso aconteça, sabendo que as pessoas geralmente têm medo de locais escuros, quando vai passear prefere sair à noite e andar por ruas menos iluminadas, tentando não cruzar com ninguém. Mas sempre aparece alguém que se assusta ao vê-lo e sai correndo, em desespero, deixando-o cada vez mais chateado.

Ele não, não tem medo do escuro. O que lhe dá medo, de verdade, é encontrar-se com algum cachorro faminto quando sai para passear. Na verdade, ele gosta de cachorros, e tem muita vontade de brincar com eles como fazia quando era uma pessoa inteirinha, mas para um esqueleto esses bichinhos são muito perigosos porque gostam de roer ossos. Sabendo como os cachorros gostam de roer ossos, Branquinho já imagina o quanto os cachorros gostariam dele. Mas, que pena! Desse jeito não, não é assim que ele espera ser querido.

Uma vez ele resolveu se aventurar. Aproveitou que estava chovendo um pouco, criou coragem e se arriscou a sair em plena luz do dia, pois estava com muita vontade de passear e não esperou o anoitecer. Para não ser visto e não espantar ninguém, como sempre, caminhou pelas ruas que lhe pareceram mais tranquilas, com a esperança de que as pessoas não estivessem circulando por causa da chuva. Levou um grande guarda-chuva preto, que serviria para que não se molhasse e também para escondê-lo, caso encontrasse alguém no caminho. Se surgisse alguém, abaixaria o guarda-chuva e ficaria atrás dele.

Quase deu certo. Passou uma pessoa, ele se escondeu atrás do guarda-chuva e não foi visto; depois passou outra, também não o viu escondido. Foi fácil porque eram poucas pessoas. Porém, com a atenção voltada para o movimento na calçada, não se lembrou de se esconder de quem passasse de carro.

E não é que vieram dois carros ao mesmo tempo, um de cada lado? Quando os dois motoristas viram aquele esqueleto, caminhando pela rua em plena luz do dia e ainda segurando um guarda-chuva, se assustaram, perderam o controle da direção e deram uma bela e barulhenta trombada: BLUUUM!

Percebendo que tinha provocado um acidente, Branquinho também se assustou, arrependeu-se de ter saído para passear durante o dia e resolveu correr de volta para casa; mas errou o caminho, entrou numa rua movimentada, cheia de gente. Naquela corrida maluca os seus ossos estalavam, fazendo muito barulho plec, plec, plec chamando a atenção de todo mundo por onde passava e causando um grande alvoroço, muita gente fugindo e gritando, assustada com aquele esqueleto que apareceu de repente correndo por ali.

Era tudo o que Branquinho não queria.

Nesse momento a chuva diminuiu e agora era apenas uma garoa, mas ele ainda estava longe de casa. Foi quando começou um vento muito forte, carregando muitas folhas das árvores bem na direção da sua casa. Então, teve a ideia de levantar o guarda-chuva para que o vento o carregasse também, pois é levezinho e iria muito mais rápido, sobrevoando aquela gente toda.

E assim foi.

Logo, ao passar por uma esquina voando pendurado no guarda-chuva, viu um jacaré verde que estava lambendo um sorvete de morango. Indignou-se com aquela invasão, mas não conseguiu parar para discutir, pois a ventania o levava. Porém, não conteve a exclamação:

Que atrevimento! Esta não é história de jacaré! E ainda mais de um jacaré tomando sorvete!  Será que eu vi direito? Que absurdo!

Por sorte, justamente aquele jacaré verde que apareceu de repente na história errada, todo lampeiro, chupando sorvete de morango sem ligar para a chuva, serviu para apavorar ainda mais as pessoas, que já estavam assustadas com o esqueleto e agora corriam e gritavam também com medo de levar uma mordida do jacaré. Bobagem delas, era um jacaré bem mansinho.

Foi a maior confusão!

Pendurado no guarda-chuva e levado pelo vento, Branquinho foi deixando tudo para trás e finalmente conseguiu chegar a sua casa, parar segurando-se no galho de uma árvore e aterrissar em seu quintal. Seu alívio foi tão grande que até achou graça quando se lembrou do jacaré e nem ficou bravo com a invasão de sua história. Mas desse dia em diante nunca mais se esqueceu do tremendo susto e das fortes emoções que teve ao sair à luz do dia. Agora só passeia à noite, mesmo.

            Por falar nisso, quem sabe você ainda se encontra com o Branquinho numa rua escura qualquer noite dessas, hein?     

RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM - Claudionor Dias da Costa

 

                                                 


RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM

Claudionor Dias da Costa            

                  

                    Sentado na varanda de casa naquela tarde quente e tranquila de verão, tomando gostosa cerveja gelada e olhando nuvens de formatos curiosos, as imagens de minha alegre infância vinham à mente aos borbotões. Fiquei matutando com a cara risonha do Zé Pudim, folclórico amigo de infância. Como era bom aquele menino tímido e, por ser um tanto quanto rechonchudo surgiu o apelido, pois quando corria balançava a barriga e era motivo de risadas da turma endiabrada de moleques daqueles bons tempos.

                     A nostalgia me faz cismar sobre a personalidade daquele amigo que sempre procurava ajudar e agradar e não fazia conta do apelido e das gozações. Ele participava de todas as brincadeiras e até no futebol não era tão mau jogador e, quando disputávamos partidas contra a turma da rua de cima aparentava ser forte e nossos adversários até o respeitavam.

                    Ele foi criado por sua tia Lilica, que por sua vez tinha três filhos e uma filha, tendo sido abandonada por seu marido, assumindo a responsabilidade de criar todos. Era uma mulher de fibra, trabalhadora e muito amorosa e conseguia manter a disciplina deles.

                     Assim, aquele garoto tinha a simpatia de nosso grupo e dos vizinhos adultos pela sua educação, amabilidade e sorriso franco. Enfim, o que se denomina “um boa praça”.

                     A seguir, conto o que aconteceu conosco e principalmente com o Zé Pudim.

                   Nesses pensamentos surgiu a aventura vivida por nossa turma num dia em que combinamos de provocar os cães do rabugento velho Menelau Ortega. Nós o apelidamos de Menelau “Urtiga”, aquela planta que arde demais quando tocada, devido ao seu temperamento. Muito raivoso, mal-educado, conservava sempre um olhar ameaçador. Este homem não se dava bem com nenhum vizinho e não tolerava proximidade dos outros. Casado com Dona. Hermengarda, que para variar, apelidamos de “Espingarda”. Formavam um casal perfeito, voltados para tudo que era ruim na nossa avaliação infantil e que se pudéssemos os expulsaríamos do mundo.

                    A antipatia daquele casal era um prato cheio para que em nossas maquinações do que aprontar, tivessem um sentido de vingança que nos dava mais satisfação por aumentarmos aquele rancor naquela pessoa ignorante.

                    Assim, à noite como era nosso costume fomos à rua brincar.

                    Com nosso plano perfeito, sorrateiramente nos dirigimos à casa do velho Urtiga. Nossos corações batiam mais aceleradamente e ficávamos empurrando uns aos outros para ver quem ia na frente. Sobrou para o Zé Pudim.

                     A casa antiga estava situada num terreno bem grande, possuía uma lateral de cada lado que ia ao fundo do quintal. Já sabíamos que do lado esquerdo, poderíamos ter acesso porque possuía um portão gradeado de ferro e os cães não teriam acesso. O muro de entrada na rua era baixo.

                    Desta forma, pulamos facilmente e caminhamos pela lateral até os fundos.

De repente, os cães nos viram e vieram correndo até o gradil latindo muito e rosnando com agressividade. É o que queríamos para provocar.

Aquele ruido agudo fez com que o velho Urtiga olhasse pela janela de cima do sobrado. Se deu conta do que acontecia, urrou como uma fera e principiou a descer ameaçadoramente. Disparamos desabaladamente, saímos à rua e quando olhamos para trás vimos o Urtiga com uma espingarda na mão, soltando muitos palavrões. O medo tomou conta da turma e tratamos de nos safar. O Zé Pudim, coitado ficou para trás e bem mais próximo do perigo. Só escutamos um tiro e vimos nosso amigo cair ao chão, gritando muito. Até paramos e pudemos ver o velho ir embora apressadamente, talvez por medo das consequências.

Nesse momento, o Sr. Álvaro, nosso vizinho se aproximou e fomos todos ver o que havia acontecido com o Zé Pudim. Ele chorava muito e o Sr. Álvaro examinou e viu que ele havia recebido um tiro nas nádegas. Para alívio nosso ele exclamou:

                        — Deve estar doendo muito, mas, foi um tiro de sal. Este era um procedimento usado para espantar intrusos.

                           Zé Pudim foi levado ao médico e tratado voltou para casa.

                           Nos dias que se passaram fomos visitar nosso amigo que nos contou a sensação de dor, precisava dormir de bruços e o bom tratamento que recebia da mãe.

                           Os protestos de todos contra o velho Urtiga foi se tornando intenso por esse fato e outros. Tanta pressão redundou na mudança dele para outra cidade. Trabalhou de meeiro numa fazenda e se meteu em brigas e confusões. Até que soubemos que foi morto numa dessas ocasiões devido ter agredido um outro agricultor.

                           Quanto ao Zé Pudim, teve que aguentar as gozações da turma que passaram a chamá-lo de “Bundão carimbado”. Até ele achava engraçado

                           Éramos felizes e esse personagem de nossa infância bondoso e amigo de todos surpreendeu mais ainda por ter se transformado num grande médico cirurgião.

AMADO, O JACARÉ PROTAGONISTA Versinhos infantis - Leon Vagliengo

 



AMADO, O JACARÉ PROTAGONISTA

Versinhos infantis

Leon Vagliengo

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Olá, meu amiguinho!

Permita que eu me apresente:

Eu sou um jacarezinho,

Mas sou muito diferente.

Não moro numa lagoa,

Nem mesmo moro num rio.

Não fico dormindo à toa,

Pode dizer quem me viu.

Mas onde será que eu moro?

Você vai me perguntar.

Tua paciência eu imploro

Para poder te explicar.

Eu moro nos livros de história,

Trabalho aqui como ator.

Você me terá na memória

Se eu despertar teu amor.

Um jacaré personagem

Parece um pouco esquisito.

Mas te oferece a viagem

A um mundo muito bonito.

Nesse mundo existe ilusão,

E há também muita alegria,

Que aquecem a imaginação

E alimentam a sabedoria.

 

Aqui não existe impossível.

Cada coisa que acontece!

Por mais que pareça incrível,

Você nunca se aborrece.

Onde mais você acharia

Jacaré lambendo sorvete?

Por mais que você sorria,

Saiba que tem no livrete.

Uma vez eu me enganei

E entrei na história errada.

Um esqueleto assustei

Que passava em revoada.

Ele pareceu não gostar

Dessa minha intromissão.

Nem pude me desculpar,

Parecia um avião!

Num guarda-chuva pendurado

E levado pelo vento,

Foi-se embora apressado

Sem nenhum entendimento.

Isso pode acontecer,

Mas não prejudica em nada.

A história dá mais prazer

Quando é assim contada.

 

Espero que tenha gostado

De minha apresentação.

Meu nome é Jacaré Amado,

A sua disposição.


sábado, 16 de janeiro de 2021

O confronto - Adelaide Dittmers

 



O confronto

Adelaide Dittmers

 

As vielas da grande favela estavam vazias.  Os moradores fecharam-se em seus barracos, assustados.  O medo pairava no ar.  Um tiroteio zumbia alto naquela tarde quente de verão.  Dois chefes, que controlavam o tráfico se enfrentavam.

Rato, cognome do maior traficante do local queria manter o seu poder diante de Dodó, um menino, que tinha sido seu aviãozinho e, agora, já um rapaz, desafiava-o para dominar o lugar.

Rato estava no alto de uma laje protegida por um muro de alvenaria.   Seus olhos eram frios, inquietos, atentos. Suas feições contraídas pelo ódio que sentia pelo antigo ajudante, distorciam seu rosto, transformando-o. Era um homem alto e forte.  Impiedoso, tirava com crueldade qualquer um que lhe entravasse o caminho.

De repente, outros tiros foram ouvidos.  A polícia subira o morro para acabar com o embate e tentar prender os traficantes. Dodó desviou sua atenção ao sentir que os policiais se aproximavam e, neste momento, Rato aproveitou para fuzilar o ex-companheiro.  Um sorriso de satisfação aflorou em seu rosto.   Era o chefe supremo daquele lugar.  Em seguida, rapidamente começou a fugir, saltando pelos barracos, desapareceu pelos becos da favela.

Pulou á frente de um barraco e com um pontapé abriu a frágil porta, entrando abruptamente na minúscula sala daquela casa pobre.

Uma mulher magra e três crianças soltaram um grito e assustados se agarraram uns aos outros, seus olhos estavam arregalados e tremiam de medo.  A criança menor, que devia ter perto de três anos desatou a chorar, um choro alto e descontrolado.

Rato gritou: ¨

— Faiz esse pirralho parar de berrar já, senão eu atiro.

 A mulher em desespero pegou o menino no colo com mãos trêmulas, abraçou-o fortemente e sem conseguir conter os soluços, cochichava ao seu ouvido, tentando tranqüilizá-lo.

O homem empurrou a mulher e o menino com força e segurou o pescoço da pobre criança.  As duas meninas, um pouco maiores, não se moviam, aterrorizadas.

A pobre mulher, com uma voz fraca, implorou:

— Não faiz mal a nóis!

— A polícia está atrás de mim e se esse filho da mãe não parar de gritar.  Vão me achar. 

— Para de berrar seu diabinho!  Gritou, com os olhos faiscando de ódio.

O menino, no entanto, não parava de chorar.  Então Rato, apertou o  pescocinho  da criança até  sua cabecinha cair  sobre o ombro da mãe.

A mulher despencou no chão da pobre morada.  As meninas se debruçaram e soluçando baixinho, abraçaram a mãe e o irmãozinho.

 Rato olhou a cena com desprezo.  Era um homem cruel demais para sentir piedade por quem quer que seja.  O silêncio era só quebrado pelo choro contido e abafado das crianças. 

Ao longe, os tiros cessaram. Parecia que nada se movia naquele lugar.  Depois de algum tempo, com muito cuidado, o homem abriu a porta e espiou para fora, olhando de um lado para outro.     Apenas um gato passou correndo e se escondeu embaixo de um carrinho de mão.

Sem olhar para trás, o criminoso saiu e correndo sumiu entre os becos da favela.

Dentro do barraco, Joselina começou a voltar a si.  As meninas choravam convulsivamente.  Aturdida, levantou-se com dificuldade e sentou-se no chão, olhou para o menino, que caíra ao seu lado, pegou-o, abraçou-o e desatou a chorar, um choro doído, revoltado, maior que ela, maior que o mundo que a rodeava e com um ódio e uma revolta jamais sentidos, grito então:

— Monstro, monstro, monstro!

Josué era um homem trabalhador, honesto e de bom coração.  Trabalhava como pedreiro em várias obras da cidade e muitas vezes ajudava os vizinhos e amigos, quando queriam melhorar alguma coisa em seus pobres barracos.  Era muito estimado e respeitado por todos que o conheciam.

Seu único objetivo era proteger sua família e fazer tudo ao seu alcance para não faltar o arroz e feijão de cada dia.  Sua companheira, Joselina, era diarista em casas de família.  Assim viviam com muita dificuldade, mas não lhes faltava o essencial.

Naquela tarde, subia o morro, depois de um longo dia de trabalho, quando viu uma aglomeração numa das ruelas da comunidade.  Todos falavam ao mesmo tempo.

— O que aconteceu? Perguntou.

Um rapazinho assustado respondeu:

— Rato e Dodó se enfrentaram e teve um monte de tiros.  Rato matou Dodó.  A polícia chegou e Rato fugiu por ali.  E apontou para a direção em que Rato tinha fugido.

— A polícia tentou caçar ele, mas não deu, completou o rapaz.

Josué estremeceu. Rato tinha ido para o lado de onde morava.  Um mau pressentimento o assaltou e com passos rápidos dirigiu-se para casa.  Odiava e temia aquele homem horroroso e cruel, que tinha matado e torturado tanta gente.  Sempre evitava passar por ele.

Quase correndo chegou ao seu casebre.  A porta estava aberta e várias pessoas estavam lá dentro.  Choros e lamentações eram ouvidos. Seu coração disparou, empalideceu e quase sem forças, com as pernas bambas, entrou. O que aconteceu, perguntou-se.

— Meu Deus! Gritou.  Lá estava Joselina sentada em uma cama, chorando copiosamente e sendo ajudada pelos vizinhos, que a abraçavam e a consolavam.  Tinham tirado o menino de seu colo e o colocado na cama. Uma das vizinhas havia levado as outras duas crianças para sua casa, afastando-as de tudo aquilo.

Josué ficou um momento paralisado e, depois, em desespero, compreendendo o acontecido, lançou-se sobre o corpinho do pequeno, gritando a sua profunda dor.

O rosto daquele bom homem estava transtornado. De repente, levantou-se e com uma voz cheia de ódio falou:

— Eu mato esse miserável!  Eu mato!

Os presentes se entreolharam.  Não podiam acreditar naquele desabafo.  Ele era muito bom para isso.  Acalmaram-no e deram-lhe algo forte para beber.

Quando a noite caiu, os amigos se juntaram.  Sabiam onde Rato costumava se esconder. Silenciosamente seguiram pelos becos, concentrados no seu objetivo.  Um deles levava uma lanterna, outros tinham armas escondidas em seus bolsos.

Chegaram a um lugar em que tinha uma pequena mata. No meio dela havia um casebre. Com muito cuidado, muito quietos aproximaram-se do esconderijo, Entreolharam-se. O lugar estava escuro.  A portinhola estava fechada e nenhum movimento era sentido dentro do lugar. Uma única janela estava entreaberta.  Postaram-se em frente a ela e com um gesto calculado e muito devagar para não serem ouvidos, abriram-na. Da escuridão Rato atirou.  O homem que havia aberto a janela foi atingido no braço. Uma rajada de tiros de ambos os lados ecoou e tudo ficou silencioso.  O homem da lanterna iluminou o interior.  Rato jazia no chão.  Os homens abriram a porta e se aproximaram.  Estava morto.  Satisfeitos, deram-se as mãos. A justiça tinha sido feita.  Tinham ajudado o amigo e evitado que ele sujasse suas mãos com o sangue daquele facínora.

No dia seguinte, uma multidão acompanhou o enterro do inocente menino.  Quando seu caixãozinho desceu a uma simples cova, a tristeza era geral.

Josué, Joselina as meninas abraçavam-se unidos pela mesma dor.  Josué olhou para os amigos, balançou a cabeça tristemente e seu olhar cansado dizia um muito obrigado.


AS VOLTAS QUE A VIDA DÁ - Henrique Schnaider

 






AS VOLTAS QUE A VIDA DÁ

Henrique Schnaider

 

Maciel levava uma vida cheia de espinhos, mas dava duro para sobreviver.  Nasceu numa família de pais pobres trabalhadores rurais e quando tinha polenta na única refeição que faziam, era uma festa.

Ele era magrinho, corpo arqueado, e por causa disso ganhou o apelido de Taquara na escola onde estudava.  Os amiguinhos não lhe davam folga, era sempre escolhido para ser alvo das brincadeiras, algumas de muito mau gosto e outras até perversas.

Quando chegava em casa ia para seu quarto, não querendo que a mãe percebesse o drama porque passava. Chorava escondido pelo destino pobre que a vida lhe reservara, e as lágrimas com gosto amargo molhavam seus olhos.

Porém,  Maciel era resiliente,  sonhava com um futuro brilhante,  tinha um coração doce não guardava rancor e nem pensava em vingança.

O rapaz sofreu ainda por alguns anos sendo vítima de troças dos colegas, mas tinha um objetivo e sabia que alcançaria. Sua vontade era determinante e foi em frente nos estudos. Venceu, e por mérito acabou se formando médico cientista especialista nas pesquisas de remédios para cura do câncer.

Conheceu Alice colega nas pesquisas e casou-se com ela. Formou uma boa família tiveram filhos e vivia só no ambiente familiar ou nos laboratórios de pesquisas. Quase não sobrava muito tempo para o lazer.

Nas voltas que a vida dá Maciel e sua equipe estavam próximos de encontrar um remédio revolucionário que poderia curar alguns tipos de câncer, mas precisavam de mais verbas para continuar e indicaram para ele um empresário rico que poderia ajudar com doação.

Maciel agendou uma reunião com o empresário e no dia marcado para o encontro em um prédio de alto luxo, foi conduzido pela secretária até a sala de reuniões.

Entrou cumprimentando o diretor que estava de cabeça baixa e quando se olharam sentiram um choque. Era nem mais nem menos do que Fernando o antigo colega de escola que tantas vezes fez Maciel sofrer.

Maciel se recompôs da decepção de encontrar alguém que ele preferia nunca mais ver na vida e em seguida disse:

— Olá como vai Fernando? Veja você depois de tantos anos nos reencontramos, assim é a vida que nos prega tantas peças.

— Pois é Taquara, verdade. Mas, diga o que você quer de mim?

Maciel explicou sobre as pesquisas de um medicamente que revolucionária a medicina de oncologia, que precisaria de mais verbas para terminar com sucesso e seria uma revolução na Medicina na cura do câncer...

Fernando respondeu com desdém e disse que procurasse outra pessoa porque ele não ajudaria com nenhuma verba, e ainda voltou a chamá-lo de Taquara.

Maciel saiu completamente frustrado e constrangido por ver que seu antigo colega continuava um mal caráter e com o mesmo espírito de quando fazia de sua vida um inferno na escola.

Ele voltou às pesquisas, mas realmente continuou com problemas financeiros. Apesar disso, não desistiu.

Fernando, depois de ter sido inoportuno com Maciel continuou a vida de Empresário do mal até que um dia sua esposa lhe dá uma péssima notícia... de que a filha deles depois de muitos exames feitos constatou-se no laudo um câncer muito agressivo e ela tinha poucas chances de sobreviver.

Fernando desesperado e sem opções, lembrou do encontro com Maciel e tratou de agendar uma reunião urgente com ele. Depois de chamá-lo pela primeira vez na vida de Maciel, explicou o drama da filha e ele estava disposto a financiar o fim das pesquisas e assim o fez.

Maciel depois desta injeção de verbas acelerou o programa para chegar com sucesso aos resultados, e num dia glorioso, o medicamento foi fabricado,

Maciel que já torcia pela reabilitação da filha Fernando, imediatamente ligou para o amigo para iniciar o tratamento da menina, quando o colega lhe informou que no dia anterior a filha havia falecido.

Maciel ficou muito triste com a notícia, mas ao mesmo tempo feliz pois sabia que com o remédio pronto salvaria milhares de vidas.

"NATURALMENTE" - Hirtis Lazarin

 



"NATURALMENTE"

Hirtis Lazarin

 

 

A abelhinha Belita

                       esvoaça

                       perambula

                      à procura da mais apetitosa flor.

 

 

                                                          A abelhinha Belita

                                                          em espaços curtos

                                                          e tempos breves

                                                         satisfaz seu sabor.

 

A abelhinha Belita

poderosa, atrevida

pica forte a borboleta-cor

 

                                                          A borboleta-cor

                                                         meiga, delicada, 

                                                         chora, cheia de pavor.

 

O beija-flor irritado

meia-volta, apressado

justiça vai impor.

 

                                                       O beija-flor conselheiro

                                                       papo-cabeça consciente

                                                      restaura a harmonia.

 

O jardim florido

abre-se colorido.

Uma chuvinha amiga

encerra o dia feito cantiga.

 


Peraltices - Adelaide Dittmers

 



Peraltices

Adelaide Dittmers

 

Era época de Natal.  As ruas já cintilavam, e o riso das pessoas parecia que vinha mais facilmente. Minha mãe conversava com uma grande amiga, que tinha uma loja na rua principal de Bebedouro, cidade do interior de São Paulo. A conversa fluía animada e já entrava no clima da festa tratando de compras e arrumações.

Estava sentada à porta ouvindo-as distraídas com seus planos, enquanto eu e minha amiga Maria Luisa apreciávamos o ¨footing” tradicional movimento de vaivém dos jovens pela rua naquela época.

Tinha nos brações um boneco do qual não me separava.  Devia ter três anos e meio de idade, não tenho certeza.  O ócio logo desmotivou minha amiga que resolveu ir para casa.  Era comum andarmos sozinhas pela cidade que não oferecia perigos, e grande parte dos habitantes nos conhecia.

Havia ainda muito que conversarmos, muitas curiosidades para se ver, então fui com ela até a esquina. Nossos passos curtinhos regados a brincadeiras fez desse trajeto uma alegria. E, quando passamos pelo cinema, eu quis entrar, tinha vontade de ver o que se passava lá dentro, tinha vontade de ver as imagens que traziam os sons até a rua. Mas, logicamente, o porteiro não permitiu. Vai pra casa, garota!

Aquilo não me saiu da cabeça. Involuntariamente me aguçavam pensamentos e a vontade de conhecer o cinema, aumentava em mim. Na volta, percebi que o porteiro não estava no seu lugar. É fácil entrar agora, pensei. Então entrei, empurrei uma porta e adentrei no escuro da sala. A luz que permiti entrar ao abrir a porta, fez com que alguns me olhassem. O som alto me atraía mais do que a escuridão que amedrontava. Sentei-me o mais perto possível da entrada.  Os olhos vidrados na telona na tentativa de adivinhar o que se passava ali. Lembro-me de mais olhares na minha direção. Não havia cor na tela, apenas imagens em movimento.  

Depois de algum tempo sem identificar o que faziam na tela, cansei, e decidi ir embora. Lembrei de pronto do porteiro que agora devia estar de volta ao seu posto, então, com muito cuidado, sai carregando meu boneco.

Voltei para a loja, e encontrei minha mãe já aflita me procurando. Tinha pouco mais de três anos, e levei uma tremenda bronca, daquelas que não se esquecem jamais.

A HISTÓRIA DA VIDA DE UM PROFISSIONAL - Henrique Schnaider

 


A HISTÓRIA DA VIDA DE UM PROFISSIONAL

Henrique Schnaider

Cecilia  batalhou muito na vida e venceu. Só que as custas do suor dos outros, menos do seu.

Era empresária, tinha uma indústria de embalagens plásticas que abastecia sua própria loja montada no bairro central da capital.

Cecilia era muito dura nos negócios, não possuía a suavidade própria das mulheres. Era terrivelmente centralizadora e chegava a ser cruel com  funcionários. Ela dirigia a loja, e seu filho a fábrica.

 O departamento de telemarketing  era composto por uma equipe de dez vendedoras, dirigida pela proprietária de maneira precária e desumana.   Controlada por Cecilia, as pobres coitadas eram exigidas ao máximo, mal tinham tempo para a refeição.

Na parte de baixo do prédio ficava o caixa e o estoque de material e havia um balcão atendido por vários funcionários para suprir as peruas das Empresas que vinham buscar os pedidos feitos no telemarketing.

Na parte de cima junto com as vendas ficava o departamento pessoal e sala de Cecilia. Ela possuía duas TVs de circuito fechado de onde ficava o tempo todo fiscalizando os seus funcionários, e qualquer coisa, a mínima que fosse, lá vinha ela descendo as escadas para chamar a atenção pelos mais variados motivos, constrangendo a todos pois fazia questão de falar para todos ouvirem.

Ela fazia essa fiscalização durante toda a jornada de trabalho, criando um ambiente de terror na Empresa. Ainda tinha o Merval, que gerenciava da parte de baixo. Ele era puxa-saco de primeira da Cecilia, pessoa amarga que não dava um único sorriso nem por favor. Levava a ferro e fogo os coitados sob seu comando, num verdadeiro campo de concentração em plena cidade.

Arnaldo nem imaginava no ninho de cobras que estava prestes a entrar, era formado em Administração, mas nunca exerceu a profissão foi comerciante, chegou a ter quatro lojas do ramo de moveis e eletrodomésticos por muitos anos, mas os novos tempos não facilitaram nada para ele. O surgimento dos grandes magazines não deixou outra opção a ele senão fechar as lojas.

Trabalhou no Consulado da Áustria por doze anos, arrumou muitos inimigos e teve que ir embora. Desta feita foi trabalhar com amigos Advogados por mais doze anos. Mas sempre tem um dia, e Arnaldo ficou desempregado.

Foi parar na sala de Cecilia para uma entrevista, mal sabia ele na fria que estava entrando. Num primeiro momento a patroa,  toda solícita agradando ao máximo, escondeu as garras e Arnaldo foi contratado achando que tinha entrado na casa de amigos.

Com o tempo as desavenças começaram. O pobre do Arnaldo ficou no caixa e mal ele se mexia lá vinha a víbora chamar a sua atenção. Era vigiado o tempo todo e a convivência com o Merval era a pior possível. O ambiente era desagradável.  

Arnaldo tolerou toda essa situação por três anos apenas trabalhando e baixando a cabeça, fez de tudo para que as coisas melhorassem, tentou dialogar com a naja, mas tudo em vão e ela cada vez pior. Até que um dia ele se encheu e pediu demissão.

Depois de ficar seis meses em casa. A patroa maléfica chamou o Arnaldo de volta, prometendo mudar algumas coisas e inclusive nomear ele para Gerente da parte de baixo.

Tudo balela, pois, na verdade o lobo perde pelo, mas não perde o vício, e Cecilia estava pior do que antes, Arnaldo era um Gerente de araque pois Cecilia desceu outra funcionária para a parte de baixo que disse que a patroa falou para ela, que seria a nova Gerente e isso com o capitão do mato o Merval lutando para não perder o poder, o inferno de Dante.

Arnaldo ficou ainda mais dois anos sofrendo calado até que um dia deu o seu grito de liberdade, foi à sala da Cecilia e soltou os cachorros e disse que estava indo embora desta vez para sempre.

Cecilia nunca mudou sua maneira de ser, até que um dia morreu corroída por um câncer. Quanto a Arnaldo vive uma vida tranquila, aposentado e nunca mais quis saber da vida de Cecilia.      

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