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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

TEMPOS MODERNOS DA BUROCRACIA - M.luiza de C.Malina



TEMPOS MODERNOS DA BUROCRACIA
M.luiza de C.Malina

A tecnologia avançada, o foguete, o celular, Google, toda a modernidade não serviu para facilitar nada, ao contrário, veio para dificultar toda a nossa vida que era mansa e previsível.

Pagar uma conta, por exemplo. Meu Deus! Sim, só clamando Ele para que permita que nossa paciência não se evapore, como a pouca água nas ressecadas represas.

Alguém vai dizer, coloca suas contas em débito automático! Débito automático, jamais! Deste mal já me livrei. Sou mais a moda antiga. Mas, para não me passar por tão antiquado, aceito o uso da internet, que tem lá os seus cuidados.

Muito bem. Aí vem a “coisa”. Viajei, viajei bem. O pensamento de quando retornar acerto tudo, não é seria problema. Vou pagar os juros que provavelmente virão na próxima conta.

Lá fui eu ao Banco mais popular da cidade pagar a tal conta, conforme instruções.

- Senhor, desculpe não posso receber e nem calcular a multa.

Pareceu-me engano, já que estava eu no Banco Popular para pagar uma conta cujo boleto é do próprio Banco Popular.

- Senhorita, a multa virá na próxima conta, está escrito aí.

A caixa olha para o papel, como se estivesse frente a um marciano e arguiu:

- Senhor, o Banco não possui caixa habilitado a fazer este tipo de cobrança, use a Internet.

- Srta. Eu preciso pagar isto! Estou aqui justamente porque, o título está vencido e a Internet não o recebe, fui orientado a vir direto ao caixa do Banco Popular, pela própria empresa, digo, pela atendente computadorizada. E, aqui estou.

- Sinto muito senhor. Tente pagar esta conta no Supermercado LevaFour até às 19:00 horas, uma vez que eles possuem caixa de cobrança.

Desanimado, lá fui eu, pensando pelo caminho. A que ponto chegamos! Um supermercado recebe o boleto de um Banco Popular. E, o que faz este Banco, apenas recebe e lucra com os clientes?

Bem, acredito que vou guardar o dinheiro no colchão.

No LevaFour.

Quantos caixas e que fila!  Bem, é melhor perguntar se isto está certo,  se posso pagar aqui.

- Sim. O senhor pode dirigir-se a qualquer caixa. Incrédulo, lá estava eu, apresentando meu boleto ao caixa.

- O que o senhor deseja?

- Pagar esta conta – outra que olha o papel como se estivesse decifrando uma análise de urina.

- Não posso receber. O senhor precisa ir ao Banco Popular.

Minha paciência estava pedindo muletas ao Deus.

-  SenhoritAA! Acabei de chegar do Banco e fui orientado a pagar neste local, porque eles não tem caixa de cobrança.

- Ora, senhor, se o senhor esteve lá, por que eles não cobraram ou calcularam a multa? - minha paciência estava no limite de olhos esbugalhados e boca salivando. Era mais uma que estava analisando letras que não conseguia entender.

- Sem oras, minha filha, aqui está escrito que a multa virá na próxima conta. – disse batendo o indicador no papel sobre a informação - Por favor, é só receber. Aqui está o dinheiro, uma nota sobre a outra, não tem sequer troco.
- Ah! Um momento. Vou apertar o botão, a luz vai acender e a gerente já vai chegar.

Enquanto isto a fila crescia e via os clientes resmungando e virando bocas,“principalmenteaqueestavaatrásdemimquejáhaviadescarregadotodooocarrinho”. 

Eu já estava no limite.

Mais uma pergunta, uma só, acredito que me transformaria em “Hulk”.

Para minha surpresa, a gerente chega mais rápido do que eu pensava, deslizando corredor afora em cima de patins, equipada com um belo capacete.  Ouve, dá clique, e ordena:

- Pode receber o valor que está aí. A multa virá na próxima conta. Você deveria ter lido as instruções. – Sem mais nenhuma palavra, retorna ao seu deslize levando minhas nuvens no embalo dos patins.

A verdade é que você cai numa rede, tal qual um peixe e não consegue sair, nem sequer comprar um McInfeliz, se o sistema cai.

A burocracia é que deveria estar sobre os patins, porque eu, pobre eu, já estava de patins na rampa, à beira de um colapso.


Resíduos - Jany Patricio



Resíduos  
Jany Patrício                   

        
Acordei cedo naquela quarta-feira. Levantei com cuidado para não incomodar Marcio. Calcei os chinelos e com um casaco sobre o pijama fui até o portão para deixar o lixo. Fazia frio. O sol tentava furar a neblina. Vi que a luz da casa em frente estava acesa e percebi que a cortina da sala se mexia.

            Aquela vizinha tinha o poder de me irritar. Certamente estava me espionando. Ela nunca aceitou a separação, e muito menos que Marcio e eu estivéssemos juntos.

            Foi há cinco . Eu havia me mudado para esta casa que comprei com as minhas e economias e um financiamento bancário. Numa sexta-feira  parei o carro em frente ao portão. Ao chegar na garagem o motor parou de funcionar. Tentei ligar várias vezes, mas não funcionava, ficando o automóvel atravessado na calçada.

            Neste momento, chegava Márcio para buscar seus dois filhos para passarem o final de semana com ele, como havia determinado o juiz durante a separação do casal. Ofereceu-me ajuda. Relutei um pouco, mas aceitei quando percebi que as crianças correram em sua direção e o abraçaram.

            Num instante ele conseguiu ligar o veículo. Fiquei um pouco constrangida, mas dei um sorriso e agradeci.

            Semanas após, no mesmo horário, eu não havia puxado direito o freio de mão do meu carro  movimentou-se, e bateu no carro dele, amassando a lateral. Ele balançou a cabeça negativamente e sorriu.

Eu me ofereci de pronto para pagar o reparo e foi nesta transação que começamos a conversar e estamos unidos até hoje.

           Mas ela não aceita, e inferniza nossa vida. Faz de tudo para colocar os filhos contra ele. Tentou impedi-lo de vê-los. Inventa calúnias.          
 
            Agora achou de vascular o lixo. Logo nesta viela que a vizinhança é tão educada e deixa tudo organizado para facilitar o trabalho dos garis.

Ela abre o lixo orgânico, o reciclável. Tudo!

            O que ela pensa que vai encontrar lá?

            O pior é que deixa tudo espalhado pela calçada. Então, vêm os cachorros de rua e os pombos, e terminam o serviço!

            Ah meu Deus, eu não sei mais o que faço! O pior é que não consigo pegá-la em flagrante.

            Mas já combinei com os outros vizinhos que vamos instalar uma câmera de vigilância na rua. Aí ela não escapa!



A OUTRA - Another Woman - (Woody Allen 1988)

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...