A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 29 de abril de 2021

GILDA A INJUSTIÇADA - Henrique Schnaider

 



GILDA A INJUSTIÇADA

Henrique Schnaider

 

Gilda trabalhava a trinta anos desde a fundação da Empresa, sempre com muita dedicação e fidelidade. O patrão Carlo sempre a tratou com nenhuma consideração. Muito pelo contrário, a tratava de forma ríspida com casca e tudo.

A infeliz da Gilda andava sem paciência e a explosão poderia acontecer a qualquer momento. Continha-se a muito custo e além do que Carlo nunca deu nenhuma demonstração de reconhecimento por tantos anos de serviços prestados.

Gilda sentia-se humilhada, já que o patrão a tratava mal na frente de outras pessoas e não pode haver coisa pior do que você se sentir diminuído na presença de outras pessoas.

Gilda continuava solteira e sozinha, além de não ter casado, sua mãe faleceu e ela pouco via seus irmãos que moravam em outro País. Amigas tinha poucas e nenhuma mais chegada.

Quando ia para a Empresa onde entrava as sete da manhã, já chegava pensando com o estomago embrulhado de ter que olhar e passar mais um dia com Carlo.

— Quem este sujeito pensa que é! Não aguento mais tanta desconsideração e qualquer dia destes ele vai conhecer a outra Gilda que existe dentro de mim e tenho certeza de que não vai gostar.

Dali para frente, o desgosto foi tomando conta dela na forma de ódio e crescendo cada vez mais à medida que era maltratada e não reconhecida. Carlo para ela, se tornou o diabo em forma de gente.

Ideias estranhas e perigosas, começaram a fluir na mente dela num verdadeiro turbilhão de ódio incontrolável. Tomava conta de todo o seu ser. Começou a tomar forma, uma ideia de vingança contra Carlo e Gilda não conseguia mais dominar seus mais baixos instintos.

A perfeita funcionária iniciou um trabalho de sabotagem na Empresa. Carlo, apesar de como a tratava, tinha a mais absoluta confiança e entregava todos os seus investimentos nas mãos dela.

Sorrateiramente ela iniciou um trabalho para afundar a vida financeira de Carlo. Investiu em Empresas na Bolsa de Valores que tiveram uma desvalorização grande, dando um enorme prejuízo ao seu patrão.

Enquanto Carlo dormia tranquilo e confiante aceitando as explicações esfarrapadas dela, Gilda tratava de dar um fim a todo Patrimônio Financeiro do patrão.

Quando Carlo finalmente caiu na realidade, já estava quebrado e com muitas dívidas, totalmente enrolado. Gilda fez questão de ela mesma dizer a ele, que assim como foi tratada durante trinta anos de bons serviços de forma injusta e desleal, ela pagou na mesma moeda e se vingou por tudo o que passou.

Carlo teve que fechar a Empresa, pois faliu e ficou na miséria. Gilda sumiu e nunca mais foi mais encontrada, deve estar vivendo uma vidinha boa aposentada e vingada por tudo que passou na vida sendo maltratada pelo patrão.   

A Bruxa - Alberto Landi

 



A Bruxa

Alberto Landi

 

Próximo a um bosque situado num pequeno vilarejo de Portugal, na freguesia de Chaves, vivia uma jovem bruxa chamada Helen. Muito bonita, tinha cabelos longos enrolados, pretos como o céu em noite sem luar e os olhos eram verdes como folhas de arvores. Estava sempre com um vestido preto comprido, andando descalça pelo bosque.

As crianças traquinas tinham horror dela, pois, diziam que ela as transformava em sapo. Morava numa casa próximo a um riacho, um lugar aprazível, com muitas flores, plantas e pássaros. 

Helen tinha um cachorro Galgo e não um gato preto e malvado como normalmente as bruxas têm. Vivia feliz, estudava biologia, gostava de dar suas caminhadas diárias, de ler, escrever e fazer suas magias.

Porém, havia uma coisa que a deixava muito triste, não ter amigos, porque as pessoas do Vilarejo falavam sobre sua maldade, somente pelo fato de ser bruxa. E ninguém queria se relacionar com ela.

Certo dia, um grupo de jovens estava passeando pelo bosque, na maior bagunça, quando a viram. Começaram a gritar:

— Olha a bruxa! E saíram correndo, nem deixaram ela se aproximar, nem sequer dar um oi. Dentre eles havia um rapaz que não acreditava em tudo que lhe falavam. Resolveu ficar e saber mais sobre a tal bruxa malvada.

Seu nome era Alan, cabelos castanhos, olhos verdes, alto, inteligente estudante de Direito. Ele a seguiu, para descobrir onde morava e saber um pouco mais sobre ela. Ela percebeu isso e aguardou para ver o que Alan iria fazer, e quem sabe ela finalmente teria um amigo.

Helen entrou em casa e ficou fazendo suas coisas, deixou a janela aberta, e assim o rapaz poderia ver que ela levava uma vida normal. Era muito esperta. Alan distraído nem percebeu que havia uma raiz de arvore a sua frente, andou um pouco, e enroscou o pé nela e caiu. Ficou tentando soltar o pé que estava preso. Helen escutou o grito e correu para ver o que havia acontecido. Se aproximou do rapaz e perguntou se poderia ajudá-lo. Receoso falou que sim. Ela soltou o pé dele da raiz. Ofereceu-lhe um remédio dizendo que era feito de folhas de arnica, e que todo mundo usava. Alan aceitou, e ela então o ajudou a levantar-se e caminhar até a sua casa.

Cuidou dele e ofereceu um suco de frutas com bolo. Perguntou a ela sobre o fato dela ser uma bruxa com fama de malvada. E descobriu, que ela era igual a todo mundo e acabaram, se tornando grandes amigos.

Ficou feliz por ter conhecido Helen e rumou para casa, prometendo a ela retornar em breve. Helen ficou feliz por finalmente ter conseguido um amigo. Mas os dias passaram......... e Alan não aparecia.

Até que um dia ele resolveu visitá-la e deu-lhe rosas vermelhas, se desculpando pela demora em revê-la. Helen ficou muito alegre e emocionada.

Os encontros se tornaram frequentes e a amizade aos poucos se transformou num grande amor. Passeavam constantemente no centrinho da freguesia. Com o passar do tempo, apresentou-a para a família, informando que ela era bruxa, mas do bem, fazia magias para ajudar as pessoas. A família de Alan até pedia a ela para fazer algumas magias e se divertiam com isso.

As crianças por serem muito curiosas, também foram se aproximando e como ela sabia contar um monte de histórias, foram se afeiçoando a ela. E assim todos descobriram que ela era muito legal.

Muito tempo depois, eles se casaram, muito felizes, em uma cerimônia bem simples. Não sei se esta felicidade durou para sempre. Porque desentendimentos fazem parte da vida de um casal, mas com certeza, tinham tudo para serem felizes, enquanto superassem os seus problemas.


INSÔNIA - Hirtis Lazarin


 


INSÔNIA

Hirtis Lazarin

 

Denise acorda chorando outra vez.  Sono conturbado.  O travesseiro e o edredom jogados ao chão.  Acende a luz fraca do abajur.  Olha para o relógio que marca dez os minutos da terceira hora.  Já virou rotina acordar àquela hora.  O lugar dele na cama está vazio.  Um nó aperta-lhe a garganta.  E dói.  Como dói... Uma reviravolta na vida quando achava que tudo estava tão perfeito!

A madrugada está fria.  Ela veste o roupão vermelho.  Descalça, desce as escadas.  Já na cozinha, abre metade da janela.  Observa a chuva fina.  Fecha os olhos e respira fundo.  O “vitrô” embaça.  Ouve o tilintar suave das gotas de chuva que batem na cobertura da garagem.

Lembra-se da guerra de travesseiros, do edredom estampado com coraçõezinhos brancos que ele achava tão infantil...

Lembra-se dele dormindo, olhos apertados, sobrancelhas grossas e lábios carnudos querendo ser beijados.

Lembra-lhe o corpo aquecido e suado.  Denise respira vagarosamente tentando encontrar seu cheiro.

Não consegue entender o que aconteceu.  Sem desentendimentos, sem brigas...Tudo estava tão perfeito.

Uma buzina incessante na rua, liberta-a daquele torpor tão sofrido.

Caminha até o fogão, aquece uma caneca de leite.  Volta à mesa da sala iluminada por lustres pendentes.  Fotos esparramadas, outras amassadas e muitas rasgadas nas horas de angústia e desespero.  Lembra-se de cada momento vivido intensamente e eternizado no papel.  Hoje, tão longínquos, tão frios quanto a máquina que os registrou.

O cheiro do leite queimado escorrendo pelas bordas da caneca acorda Denise.  Larga-a vazia na pia e resmunga.  Antes de apagar a luz, olha pra cadeira vazia à sua frente.

A saudade é tanta que sente chover dentro de si e a chuva transborda pelos olhos.  A saudade é tanta que a revira por dentro e tira tudo do lugar. Não há cheiro, nem olhares afetuosos, nem voz.  Um vazio só.

Sente náuseas.  Limpa a boca e o molhado do rosto na manga do roupão.

Os pés descalços sentem o gelado do piso de cerâmica.  Tão gelado quanto aquele espaço feito a dois para dois. Denise volta à cama, beija a foto dele na tela do celular, reza baixinho mesmo sem ter fé.  Fecha os olhos e, como já era esperado, não dorme. 

O dia já amanhece.  A moça toma alguns medicamentos e apaga.

O sol se põe.  Sonâmbula, deixa a cama.  Veste a camisola branca, a mesma usada na última noite que passaram juntos.  Vai até a praia.  A lua é cheia e lumeia seu caminhar solitário.  As ondas mansas chegam frias aos seus pés.  O corpo teso segue em frente como uma esfinge morena tendo as estrelas por testemunhas.

Seus pensamentos estão do outro lado do oceano.  Venâncio voou pra lá com a intenção de não mais voltar.  Não lhe deu chance, mesmo sabendo que levaria junto o coração de Denise.


LAMENTAR O PASSADO É CORRER ATRÁS DO VENTO - Claudionor Dias da Costa

 



 LAMENTAR O PASSADO É CORRER ATRÁS DO VENTO

Claudionor Dias da Costa


Romeu era um homem taciturno. Até demais para seus cinquenta e sete anos.

Vivia naquela casinha apertada localizada nos confins da Zona Leste de São Paulo numa vila de dez casas que se aglomeravam exprimidas num terreno em que caberiam no máximo metade delas. A dele era a última da esquerda com placa torta e apagada que mal dava para ver o número dez.

A morada de paredes de blocos sem revestimento não passava de um quarto, um sanitário minúsculo e um corredor que servia de cozinha com pequena pia e um vitrô que mal entrava a claridade e um fogão espremido. Vivia com sua aposentadoria por invalidez, devido a acidente em sua perna esquerda o que fazia com que andasse mancando.

Às vezes, sentava-se em sua única cadeira na porta e ficava observando a vida que corria na pequena comunidade à sua volta.  

Eram pessoas pobres, muitas sem mais nada a perder...

Contudo, havia uma viúva da casa 5 que começou a chamar sua atenção disfarçada. Ela saia as seis horas da manhã para trabalhar como faxineira, após atravessar a cidade enfrentando transporte lotado que custava quatro horas ou mais do dia. Era morena clara, por volta de seus cinquenta anos, cabelos na altura dos ombros e sempre com um sorriso cumprimentava os vizinhos. Aparentava felicidade e parecia não existir problemas para ela. Voltava para casa no final de tarde, com o mesmo sorriso que saia. Era a Marialva, pernambucana simpática e cativante.

Romeu ficava intrigado como poderia uma pessoa ser assim. Comparava com sua vida imersa no passado, após abandono de sua mulher que o traíra, empregos efêmeros e um acidente em sua perna que o empurrava por um abismo de pesadelos.

Os dias se sucediam e ele não via a hora da noite chegar e, se atirar numa cama tosca, como se pudesse renascer diferente.

Mas, aquela morena com seu belo sorriso e andar elegante e formoso começou a ocupar seus pensamentos.

Assim, tomou coragem e, toda a tarde procurava com seu caminhar lento, ficar na entrada da vila só para ver Marialva chegar. E, quando a via subir a pequena ladeira, virar no beco e ouvir “Boa tarde Romeu”, parecia que só os dois estavam no mundo e seus pés não estavam no chão. Os dias se sucediam nesse pequeno instante que parecia ser eterno para ele.

Numa tarde qualquer daquele quente verão, o encanto de Marialva com seu sorriso, provocou a coragem de Romeu a puxar conversa com ela. Palavras banais sobre o tempo e outras levaram-no a conhecer um pouco mais dela. Sua infância, adolescência e a perda prematura dos pais a tornaram sozinha com dezessete anos de idade. Veio de sua terra para São Paulo para trabalhar e morar em casa de família como doméstica. Não foi bem tratada e, sobreviveu residindo aqui e ali na imensidão da cidade grande. Seus amores, pouco ajudaram em sua vida, porque a maltratavam com agressões. Assim, passou a buscar a paz solitária.

Não foi uma vida fácil.

Romeu num rompante misto de indignação e curiosidade perguntou a ela:

“Como com tudo isto, você leva uma vida sempre alegre e cordial com todos? ”

Marialva sorriu e disse: “Por que deveria ser diferente? Eu tenho tudo que preciso.

Um teto modesto que me atende, a possibilidade de a cada manhã ver o sol, conviver com as pessoas e respirar a vida.... Lamentar o passado é tudo que não quero, com belos dias que ainda tenho para viver.

Aquelas palavras calaram fundo em Romeu. A partir daquele dia, parece que a vida começou novamente. Passou a se arrumar melhor, fazia a barba diariamente e até aquele xampu que escurecia os cabelos passou a usar. Tudo para ver Marialva e seu otimismo radiante, além daquele belo sorriso.

Suas tardes passaram a se chamar esperança e, quem sabe o despertar de um grande amor.

 

O CAPITÃO RAMOS - Claudionor Dias da Costa

 

 


O CAPITÃO RAMOS

Claudionor Dias da Costa

 

Esta história começa com Josué, homem forte, com mais de um metro e oitenta, pele morena enrijecida pelo sol em suas pescarias na luta pela sobrevivência dele e de sua família com esposa e quatro filhos.

Morava naquela ilha pequena, perdida a mais de uma hora de navegação do litoral com não mais do que duzentos habitantes que viviam basicamente da pesca e pequena agricultura.

Com quase sessenta anos, tornou-se um líder motivado por sua dura experiência de vida e sabedoria adquirida em conversas sozinho ou com poucos companheiros nas longas jornadas no mar. Era o Seu Josué Ramos, mestre navegador e amigo conselheiro para a gente do lugar. Conhecido por todos como o Capitão Ramos.

Naquele belo dia de outono, com seus dois fiéis companheiros Felício e Zé Pitéu, amigos de longa data, partiram para mais uma grande viagem em busca de pesca ambiciosa que ajudaria a suportar a vida por um bom tempo e alimentar a família e vizinhos.

Após uma semana, a pesca foi boa e propiciou uma carga bem grande que quase arriava aquela rústica embarcação como são todas a desses heróis anônimos pescadores valentes e esperançosos.

Radiantes viajavam cantando, porque  Zé Pitéu tinha grande repertório aprendido nas rodas de bar com os companheiros de cachaça e grandes filosofias.

E assim soltava a voz que encantava até as gaivotas:

− Vem comigo é só alegria nessa pescaria vamos viajar... Vida boa é pescar... Bem longe da cidade contemplando a mãe natureza com suas belas paisagens.

Aquela cantoria e os “causos” desses dois companheiros ajudavam a passar o tempo e traziam uma agradável sensação de conquista e realização.

O capitão Ramos, mesmo entretido naquele encontro gostoso com os amigos após o trabalho exaustivo da pesca, começou a se intrigar observando o horizonte ao sul. Aquelas nuvens mais escuras ao longe, não indicavam boa coisa. Experiente e tarimbado com sentido aguçado nos sinais do céu, sol, ondas e voo dos pássaros passaram a inquietá-lo.

Os companheiros entre alguns goles de cachaça para amenizar a viagem, não haviam percebido ainda.

 

Depois de algum tempo, virou-se para Felício e Zé Pitéu:

— Vejam ao longe... aquelas nuvens preocupam. E o vento passou a ser mais forte.

Concordaram com ele e passaram a ficar mais quietos e providenciar organização nos equipamentos, proteger apetrechos menores na pequena cabine do barco, amarrar as caixas dos pescados e outros objetos.

Sabiam que não viria boa coisa, pois já haviam passado por intempéries desagradáveis e não gostavam nem de lembrar.

E muito mais rápido do que imaginavam o tempo mudou e o vento forte assobiava trazendo uma tempestade violenta que começou a abalar a estrutura da embarcação, tornando-a instável e jogando-a em grandes saltos nas ondas gigantescas que se formaram.

Embora com medo, o sentido de sobrevivência falou mais rápido e procuravam um em cada ponta compensar os movimentos violentos que deixavam o barco parecendo feito de papel.

Os gritos e as chamadas de atenção do capitão pouco adiantaram e ficou ofegante quando em forte balanço viu Zé Pitéu cair no mar. O desespero de Felício o fez ir para o lado em que ele havia caído, mas, em novo solavanco, também foi jogado para fora.

Josué ficou apavorado e viu seus amigos desaparecerem ao longe com o barco à deriva em ondas gigantescas.

Nesse momento, só conseguiu se agarrar firmemente no mastro e com uma corda conseguiu se afirmar melhor.

Como num filme começou a vir em seus pensamentos a imagem da mulher e dos filhos, seguido de passagens de sua vida.

Antevendo que seria difícil se safar, olhou para o céu e rogou a Deus que o ajudasse.

Em constantes súplicas, resistiu firme na posição que estava e após algum tempo o vento e tempestade acalmaram.

Chegou após hora e meia à ilha, onde encontrou a família e vizinhos preocupados.

Exausto, mas aliviado, muito entristecido entre lágrimas contou o desfecho de Felício e Zé Pitéu o que deixou o pessoal arrasado.

No dia seguinte final de tarde, após homenagens aos amigos perdidos, sentou-se na praia a olhar o mar e com o coração apertado ainda, percebeu que dali a alguns dias deveria voltar a navegar e exclamou para si mesmo:

− É a vida ...a minha vida



CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS - Claudionor Dias da Costa

 

                          


CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS

Claudionor Dias da Costa

 

- SARAH

Menina de seus quase quinze anos. Família de classe média. Vive com a mãe e mais dois irmãos.  Um deles com dezessete anos e outro com doze anos.

Seus pais se separaram quando tinha oito anos e a mãe voltou ao mercado de trabalho para completar a pensão que recebe do marido. Contudo, a renda da família não é alta o que pede controle e sacrifícios de cada um.

Sarah tem uma personalidade inquieta e pela própria ausência do pai se mostra ansiosa e, tenta se afirmar perante os colegas do colégio e professores. Com isto, procura ser independente e mostrar determinação como sua mãe.

Como contraponto a isto, devido a pouca idade e contexto familiar demonstra insegurança e certa ingenuidade, o que faz por vezes adotar atitudes abaixo de sua idade. Como exemplo, mascar chicletes em sala de aula, perder muito tempo com leituras e filmes infantis. Talvez, para compensar ausências e emoções contidas tentando fugir da realidade.

Começa a se apaixonar por um garoto mais velho do bairro, já com dezoito anos e nesse envolvimento muitos problemas surgem. Ele trabalha para traficante perigoso e havia se envolvido em confusões e mesmo com a família morando a muito tempo no bairro, passou a ser olhado com desconfiança e temor pelos vizinhos. Sarah passa a viver e enxergar outra realidade o que transforma sua vida.

 

 

-VELHO NICK

Aquele pequeno lugarejo no velho oeste americano, inserido num vale pitoresco da California tinha um xerife, chamado Nicholas, apelidado de Nick que desfrutava de prestígio entre os habitantes do lugar.

Possuía personalidade forte e marcante e com isto mantinha ordem e os aventureiros e bandidos não se arriscavam a praticar assaltos e ataques aos moradores.

Expulsou e prendeu muitos delinquentes até ajudando cidades vizinhas, o que dava fama e prestígio a ele.

Aquela cidade possuía um “dancing” dentro de um bar, típico do faroeste onde se apresentavam diversas garotas que se ofereciam aos frequentadores entre muitos drinks e algazarra com música e falatório. E como sempre um cheiro e fumaça no ar devido ao fumo.

Nick também visitava o lugar para inspecionar se tudo corria bem e procurava conversar e manter convívio social com todos.

Observava sempre uma corista bonita, sexy e charmosa chamada Corinne. E não é que Nick começou a se apaixonar por ela.  Contudo, ela procurava ser simpática a ele, mas, não correspondia a essa paixão.

Este envolvimento provocou uma reviravolta na vida de Nick, que o conduziu a um destino inesperado.

 

- Springfield – o herói noturno

 

José era um modesto mecânico, trabalhando naquela ruela da periferia da zona leste de São Paulo.

Emigrou do Nordeste a alguns anos e sobrevivia no ofício que aprendeu a duras penas, com o Carlão, dono de oficina de conserto de carros que ficou sensibilizado com sua penúria.

José vivia sozinho, tendo experiencias desastrosas de amores não correspondidos. Procurava nas horas vagas matar a solidão lendo romances em folhetins baratos de heróis justiceiros.

Assim, dentro de seu mundo pequeno e sem grandes perspectivas passou a se identificar com seus heróis e fantasiar aventuras e conquistas.

Trocou a frequência ao bar da esquina nas horas vagas por um “grande ideal” de buscar resolver problemas que acreditava poder, como limpar o bairro de meliantes e desocupados.

Com suas poucas economias, foi a lojas da Rua Vinte e Cinco de Março e comprou um belo cinturão com grande fivela, um cordão de metal com símbolo medieval, calça camuflada e um tênis preto barato.

Voltou com os apetrechos, mas, não se conformava e queria algo que pudesse complementar e mostrar dignidade e força. Daí lembrou-se de um brechó de roupas que havia visitado certa vez na Bela Vista. Foi até lá e não é que descobriu tudo que faltava: uma bela capa longa, com detalhes madre pérola brilhante.

Preparou-se em casa, não esquecendo de gel nos cabelos.

E assim, nasceu o herói Springfield, nome que adotou de romance que havia lido.

E aquele personagem saia no bairro à noite e a sua figura impressionava e realmente as aventuras de justiceiro começaram.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

OS TRÊS PORQUINHOS MAUS E O LOBO - Leon Vagliengo

 



OS TRÊS PORQUINHOS MAUS E O LOBO

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Leon Vagliengo

 

Era um lugar bonito mesmo, com um clima muito gostoso. Tinha muito mato, muita relva, muitas árvores frutíferas, e nunca faltavam alimentos para os bichinhos que viviam por ali. Para saciar a sede deles, também havia um riacho de águas cristalinas.

Um verdadeiro paraíso, cuja tranquilidade só era perturbada, às vezes, pelas maldades daqueles três porquinhos, Lu, Jô e Arquibaldo, o mais gordinho.

Eles se achavam muito importantes porque tinham um pai muito famoso, chamado Prático, célebre mesmo, pelo exemplo que havia dado aos irmãos, Cícero e Heitor, salvando-os do Lobo Mau.

Cada um deles tinha construído uma casa para se abrigar, mas Cícero e Heitor, por preguiça, fizeram casas frágeis, uma de palha e outra de madeira, que não deram muito trabalho para construir, de maneira que sobrasse mais tempo para as brincadeiras. Só que, quando precisaram delas para escapar do Lobo Mau, ele as derrubou com um belo assopro e eles tiveram que fugir, pedindo socorro para o seu irmão Prático, que os acolheu em sua casa.

Foi assim que prático mostrou a seus irmãos como é importante fazer as coisas bem-feitas, pois não teve preguiça de construir uma casa de tijolos, que lhe deu mais trabalho, mas ficou muito mais segura e não cairia com um assopro. Com essa casa conseguiu salvar os seus irmãos do Lobo Mau.

Esse exemplo ficou para sempre na história, e prático se tornou um porquinho célebre.

Voltando a falar daquele lugar bonito, havia lá muitos outros bichos que conviviam em paz, apenas perturbados, como já disse, pelas travessuras dos porquinhos malvados.

Joãozinho era um deles. Um lobo civilizado e de bons instintos, o seu pai o chamava de ovelha negra da família, só porque Joãozinho se alimentava apenas de frutas silvestres e nem pensava em devorar outros animais. Achava isso um crime absurdo contra a animalidade e nunca aceitaria praticá-lo.

Na sua cabecinha de lobo novinho, ser chamado pelo pai de ovelha negra o deixou, por muito tempo, com uma grande crise de identidade, causando-lhe muita insegurança. Ele via as ovelhas, com aquela cobertura de lã que ele não tinha, que falavam a língua dos balidos, muito diferente dos uivos dos lobos, e achava que o seu pai estava enganado, ele não podia ser uma ovelha. Muito menos, negra, pois a sua pelagem era cinzenta. Com o tempo entendeu que era apenas uma comparação maldosa e humilhante que o seu pai lhe fazia.

Pois é! Não era de se estranhar essa maldade. O seu pai era justamente o Lobo Mau que tinha tentado pegar os porquinhos Cícero e Heitor, irmãos do Prático, pensando em fazer com eles um belo churrasco, mas não conseguiu. Era mesmo um fracassado. Já tinha tentado pegar o Chapeuzinho Vermelho e sua avó para devorá-las, mas também não deu certo. Ninguém contou direito como foi, mas dizem até que acabou morrendo de fome.

Agora que já ficou mocinho, Joãozinho entendeu tudo e superou as suas inseguranças de infância. Com o seu comportamento sempre gentil, tornou-se amigo de quase todos os animais da região, que confiavam nele e até o ajudavam quando enfrentava alguma dificuldade.

Por exemplo, nunca precisaria dizer que as uvas maduras estavam verdes, como a raposa fez como desculpa porque não as alcançava. Algum macaquinho, um serelepe ou outro bichinho pegaria uns cachos para ele, com certeza. Por incrível que pareça, só tinha problemas quando encontrava Lu, Jô e Arquibaldo, os três porquinhos filhos de Cícero, o herói. Eles azucrinavam a vida de todos os animais da região, mas a sua vítima favorita era justamente o Joãozinho.

Lu, Jô e Arquibaldo só lhe faziam maldades e riam-se da sua boa índole. Sempre que ele passava, cantavam, como naquela música de bossa nova, o versinho “Lobo booboooo”, apenas para provocá-lo.  Outra vez, ficaram se exibindo com uma maçã na boca, sugerindo a própria caça, sabendo que Joãozinho não iria atacá-los porque era vegetariano. Dessa vez ele até achou graça daquela bobagem tão ridícula, mas, como sempre, fingiu que não viu.

Até que um dia eles lhe atiraram pedras, muitas pedras. Joãozinho tentou abrigar-se, mas uma delas, bem grande, o atingiu fortemente na cabeça, ativando, com o impacto, o seu instinto natural de lobo. Ao ouvirem o forte rosnado que se seguiu, Lu, Jô e Arquibaldo perceberam o perigo e puseram-se a correr, conseguindo chegar em casa e trancar a porta antes que o alterado Joãozinho, agora um verdadeiro Joãozão, os alcançasse. Quase que o gordinho Arquibaldo não chegou a tempo.

Assim, mais uma vez a casa de tijolos do Cícero salvou a vida de três porquinhos.

Infelizmente, Joãozão nunca mais voltou a ser Joãozinho. Transformou-se num lobo comum, para tristeza e preocupação de seus amigos animais, tudo por causa dos porquinhos.

Lu, Jô e Arquibaldo, os porquinhos maus, nunca mais tiveram coragem de provocar o lobo, e agora vivem com medo, sempre bem pertinho da casa.


A Bruxa - Adelaide Dittmers

 



A  Bruxa

Adelaide Dittmers

 

O sol derramava raios pelos campos e por um pequeno bosque, que o circundava.  Mais adiante, um vilarejo com estreitas ruelas de terra e casas de pedra equilibradas na encosta de uma montanha coberta por pinheirais, cujo pico coberto de neve, brilhava em contraste com um céu profundamente azul e bordado por pequenas nuvens, que formavam várias figuras para quem as quisessem imaginar.

À beira do bosque, uma jovem dobrava-se para colher ervas e plantas silvestres.  Usava vestes simples e a saia comprida atrapalhava seus movimentos, enroscando-se nos pequenos caules da vegetação.  Seus longos cabelos negros eram parcialmente escondidos por uma pequena touca.  Pele clara com muito traços delicados, assim como os olhos de um verde esmeralda completavam sua beleza. 

Terminada a colheita, colocou tudo em uma cesta, que estava ao seu lado, ergueu-se e com passos lentos caminhou em direção da aldeia.

Com imensa satisfação, aspirava o ar fresco da manhã.  Adorava aqueles vastos campos.  Enquanto caminhava, começou a recordar, com melancolia, as inúmeras vezes, que pequena, de mãos dadas com a mãe, percorreu aquele caminho para colher ervas para fazer remédios, unguentos que curavam doenças e mitigavam as dores de muitos.  Tinha aprendido com ela a manipular plantas, sementes e raízes, que eram transformados em poções medicinais.

Com a morte dos pais em um acidente na montanha, ficou sozinha e, além de trabalhar no campo, ganhava o pão de cada dia, como curandeira da aldeia.

Era malvista por muitos daqueles ignorantes aldeões, que não admitiam uma mulher viver só, sem marido e filhos.  Muitas vezes era molestada pelos jovens e até por homens mais velhos, mas sempre conseguia escapar de suas investidas.   Aprendeu a se defender e procurava levar uma vida discreta e apagada.

Depois de uma longa caminhada, chegou ao vilarejo e subiu a ladeira, que a levou a uma pequena casa, onde uma primavera de flores vermelhas coloria o cinza escuro das pedras das paredes. Entrou, colocou a cesta em cima de uma tosca mesa de madeira e foi acender o fogo em um pedaço de rocha plana, onde havia uma estrutura de ferro, em que estava pendurada uma panela também de ferro, que não só servia para cozinhar os alimentos como aquecia o ambiente.  A parede, em que se encostava esse fogão primitivo, era escurecida pela ação do fogo.  A moça encheu a panela com a água retirada de uma tina e começou a preparar suas poções.

Ultimamente estava preocupada com as reações de algumas pessoas do lugar.  Era olhada de esguelha e muitos a chamavam de bruxa por ser uma curandeira.  Principalmente o pároco do vilarejo a olhava com muita desconfiança e se afastava quando passava por ela.

O século XVI começou com grandes perseguições da igreja católica a todos, que professavam outras religiões ou realizavam cultos considerados pagãos.  Judeus eram perseguidos e qualquer manifestação contrária aos severos ditames do papa e seu séquito era perfidamente julgada.  Fogueiras eram acesas por toda Europa, queimando supostos infratores das leis cristãs, vigentes na época.  Os ensinamentos sábios e amorosos do verdadeiro Cristo foram esquecidos e substituídos pela ambição e desejo de poder da igreja.

Por tudo isso, o medo e a preocupação da pobre moça não eram infundados, mas ela confiava em sua missão, transmitida pela mãe, de ajudar a quem lhe pedisse socorro. E corajosamente enfrentava a desconfiança de muitos da aldeia, mesmo quando alguns a aconselhavam a agir de maneira mais oculta. Ela, no entanto, não conseguia entender porque tinha que esconder o que fazia.

Naquela manhã, enquanto preparava suas poções, bateram à sua porta.  Era Jonas, seu vizinho e amigo, que com uma voz exasperada gritou:

- Ana, você precisa fugir daqui agora. Há gente se encaminhando para cá com o pároco e outros da igreja.  Ouvi que querem levá-la para a masmorra.

A moça estremeceu.

- Não faço mal a ninguém.  Por que não entendem que minhas ervas são para curar? Sou cristã, só não tenho frequentado as missas, porque sei que o padre não gosta de mim.

- A igreja está perseguindo muitas pessoas, que nada fizeram.  Por favor, venha comigo.  Vou escondê-la na cabana de caça, que tenho na montanha.

Ana sabia que vizinhos não gostavam dela por ser só e independente. Invejavam-na por conseguir sobreviver com seu trabalho no campo e as exíguas moedas, que cobrava pelos seus remédios.

Ficou indecisa por um momento, mas o terror de ser presa a impulsionou.  Deu a mão a Jonas e saíram da casa correndo. Rapidamente percorreram os caminhos que os levariam à montanha.

Poucos minutos depois, a turba chegou à casa de Ana, invadindo-a com turbulência.  Derrubou o caldeirão de ferro e destruiu tudo o que encontrou pela frente. Os homens estavam cegos pelo ódio de não a terem encontrado ali.  Iriam procurá-la por todo o canto.  Ela não ia escapar. Era uma bruxa perigosa e em nome de Deus, precisavam castigá-la.

Enquanto isso, Jonas e Ana, subiam a montanha o mais depressa possível, enroscando-se em galhos de vegetação, que afastavam com as mãos. Finalmente chegaram a uma pequena cabana, feita de madeira.  Jonas empurrou a porta, que se abriu com um guincho e abriu também a única e pequena janela, que iluminava um pouco aquele ambiente quase vazio.  Havia um pequeno e rústico colchão de feno ao fundo, uma espécie de lareira para cozinhar e o chão era de terra batida.

Ana estremeceu, teria que ficar ali sozinha, cercada pela floresta de pinheiros, onde habitavam lobos.

Jonas disse-lhe que tinha que ir para não levantar suspeitas e que mais tarde voltaria para lhe trazer algo para comer.  Desceu, quase correndo, as escarpas da montanha e chegou à sua rua, onde viu com angústia, o que tinham feito com a casa da amiga.  A bela primavera jazia espicaçada no chão.

Sua mulher o esperava à porta de sua morada.  Ele foi ao seu encontro.  Eram muito gratos àquela jovem, que muitas vezes os tinha socorrido com suas poções.  Entraram em casa e a mulher relatou o que tinha visto e ouviu.  Iriam vasculhar toda a região em busca da pobre Ana. 

Ao anoitecer, Jonas subiu a montanha, levando uma trouxa com algum alimento para a amiga.  Pendurada no ombro, carregava uma arma de caça para disfarçar seu objetivo e também se defender de algum lobo, que cruzasse seu caminho.

Ao chegar, encontrou Ana sentada no chão, fora do abrigo, com o olhar perdido pela floresta.  As primeiras estrelas brilhavam no céu.  A jovem levantou-se rapidamente ao sentir que alguém se aproximava.

- Sou eu, Ana.  Vim lhe trazer comida, como prometi.

Chegando perto dela, estendeu-lhe a trouxa e contou-lhe o que acontecera.  A pobre moça ficou desolada.  O que seria de sua vida?

Ela agradeceu e se despediram com um aperto de mão.  Jonas voltou para casa sobressaltado por pensamentos sombrios.

No dia seguinte, as buscas para encontrar a bruxa do imaginário daqueles homens rudes de ignorantes continuaram.  Vasculharam palmo a palmo os campos e o bosque ao redor do vilarejo e a cada fracasso, o ódio daqueles fanáticos crescia como erva daninha, entorpecendo suas mentes fantasiosas.

O dia sucumbiu a uma noite estrelada e o luar banhou de prata aquele belo cenário.  Todos voltaram para casa, não sem antes combinar que no próximo dia iriam varrer a montanha de alto a baixo.

Mal o dia tinha acordado e se espreguiçado pela paisagem do lugar, já a turba subia a montanha em sua procura desvairada.

Jonas e a mulher estavam apavorados.  Iam encontrar a jovem e estavam de mãos atadas, nada podendo fazer.

Ana levantou-se ao amanhecer e abriu a portinhola de seu frágil abrigo.  A floresta estava tingida de tons laranja da aurora, que se debruçava sobre o pinheiral, iluminando cada canto, tornando aquele lugar um pequeno paraíso.  Um pássaro cantou no alto de um pinheiro, anunciando o dia que nascia.

A moça olhou para a paisagem.  Amava e respeitava a natureza.  Encheu seus olhos e sua alma com a beleza do lugar.  Estava muito cansada. Quase não tinha dormido.  Além do medo do que iria lhe acontecer, o uivo dos lobos a deixaram em permanente estado de alerta.

De repente, ouviu um tropel de passos e um alarido de vozes subindo a montanha.  Seu coração disparou e a jovem entrou na cabana, fechou a porta e se encolheu em um canto do pequeno e único cômodo do lugar que a escondia.

As vozes foram se aproximando e seu pavor foi aumentando cada vez mais.

Um homem gritou;

-Olhem, vamos procurar naquela cabana!

E chegando ao abrigo, empurraram a porta com violência e logo enxergaram um pequeno vulto encostado à parede.  Ana cobriu o rosto com as mãos, como se esse gesto pudesse a proteger. Eles a puxaram com força e a levantaram.  Ela implorou:

- Por favor, não me matem. Não sou bruxa, só procuro curar as pessoas com minhas plantas.

- É sim! Gritou o homem que a agarrara. Você tem um pacto com o diabo para fazer feitiçarias.  E a empurrou para fora.  Ela levantou os olhos para ele e na claridade do dia, reconheceu-o.  Muitas vezes aquele homem tinha se aproximado dela com as mais duvidosas intenções, obrigando-a a fugir dele, como as presas fogem de seus predadores.

O padre apareceu à frente do grupo, aproximou-se e a amarrou com uma corda e, puxada como um animal, foi  levada para a aldeia, e enquanto percorriam as vielas, algumas pessoas apedrejavam-na sem piedade.  Alguns, no entanto, choravam ao vê-la passar.  Muitas vezes ela diminuiu ou curou seus males com suas poções, que achavam ser mágicas.

Ao chegar à igreja, foi jogada em um cubículo escuro para esperar seu julgamento. Ferida e assustada, não conseguia entender tudo aquilo,

Religiosos das redondezas vieram e se reuniram para julgá-la.  A inquisição corria solta naquela época tenebrosa e a maldade humana se manifestava com todo o seu furor nas pobres criaturas, que contrariavam crenças católicas.

Ao fim de alguns dias e depois de várias reuniões do clero, foi considerada culpada e transgressora das leis de Deus. Uma herege que praticava bruxaria.

Com varas e madeiras foi erguida uma estrutura na praça à frente da igreja,  para que nela fosse aceso o fogo da expiação e parte dos habitantes do lugar se reuniu para apreciar o espetáculo.

A pobre curandeira foi trazida e amarrada àquela estrutura.  Não chorava.  Seus olhos estavam vazios, perdidos em algum lugar distante.

Jonas aproximou-se dela para lhe demonstrar sua tristeza e lhe dizer umas palavras de consolo, mas foi afastado com brutalidade por um dos algozes da indefesa vítima.

O fogo foi aceso e começou a crepitar.  As chamas foram devorando a pobre criatura, que soltava gritos de dor.

Muitos gritavam, enfurecidos, palavras contra a bruxa.  Outros procuravam esconder lágrimas, que teimavam em inundar seus rostos.

Jonas saiu dali arrasado.  Não conseguira salvá-la.  Que justiça de Deus era essa, que matava tão cruelmente pessoas inocentes, perguntava-se enquanto descia a ladeira.  E não encontrou uma resposta.

 

CONTO MEMORIALISTA SOBRE BRUXAS - Henrique Schnaider

 

 


CONTO MEMORIALISTA SOBRE BRUXAS

Henrique Schnaider


Na minha infância, era um menino peralta, juntamente com o meu amigo Carlos Azolini, pois no bairro onde nasci, as pessoas eram ou de descendência italiana como o Carlinhos, ou judeu como eu.

Nós dois aprontávamos muito. Sempre dando dor de cabeça para nossos pais, mas com a ingenuidade de crianças, acreditávamos em histórias de fantasmas, da mula sem cabeça e do saci Pererê de uma perna só fumando seu cachimbinho e que chegava num rodamoinho de vento.

Bastava a empregada da minha mãe sentar-se com a gente e lá vinham as histórias assombradas que nunca vou saber se ela mesma acreditava.

Certo dia a Maria veio cheia de teretetê e começou a contar para nós sobre a vizinha, que morava num barraco, na entrada da oficina mecânica do senhor Felício. Deixou-nos cheios de pavor, contando que a mulher que morava ali, na verdade era uma bruxa.

Disse a Maria, que ela tinha um tacho enorme de água fervente que estava sempre no fogo. Segundo ela, já havia várias crianças que sumiram da região e que os boatos que rodavam soltos no bairro, é que elas haviam sido raptadas pela bruxa, assadas e devoradas por ela.

Criança é criança, pois a gente morria de medo, mas o espírito de curiosidade e peraltice nos levava a fazer molecagens. Um atiçando o outro, lá íamos eu e o Carlinhos bater na porta do barraco e pernas para que te quero. Insatisfeitos começamos a atirar pedras na porta da bruxa.

A tal da bruxa se encheu e veio reclamar justamente com a Maria. Falou cobras e lagartos para ela e ameaçou dar queixa na delegacia. Enquanto isso eu e o meu amigo dentro de casa tremendo de medo.

Depois que a mulher foi embora, a danada da Maria veio procurar a gente e pôs fogo no caldeirão, disse para a gente que a bruxa estava ameaçando que ia nos pegar num momento de distração e levar-nos para dentro do barraco e assar a gente no tacho fervente.

É evidente que a Maria estava inventando toda aquela história, pois queria na verdade se divertir às nossas custas.

Que saudades daquele tempo de inocência e peraltices, e da Maria que enchia nossa vida de histórias assombrosas. Mas no fundo eu e o Carlinhos adorávamos a malandra da empregada. Como diz o velho ditado espanhol “Yo no creo en las brujas, pero que las hay, hay” .

Quanto a nossa bruxa vizinha, nunca se provou nada contra ela e realmente era apenas pura fama e maledicência.

A BRUXA QUE MORAVA AO LADO - Claudionor Dias da Costa

 



A BRUXA QUE MORAVA AO LADO

Claudionor Dias da Costa   

 

Minha vizinha, Dona Anastácia, senhora de mais de setenta anos tinha aspecto estranho e com suas atitudes me deixava intrigado e com medo.

Usava um lenço na cabeça, com os cabelos que saiam para fora e ficavam desgrenhados à mostra, vestido longo amarrotado e  velhas sandálias e empoeiradas pelas andanças em seu quintal de terra batida.

Por vezes, ela saia para o fundo daquele quintal entrando num emaranhado de plantas malcuidadas próximo à um muro baixo, que funcionava como uma bancada para um grande caldeirão de ferro velho e enferrujado, enfiava algumas coisas dentro. Num cantarolar agudo e inaudível, acendia, por baixo daquela bancada, o fogo com lenha e ficava com um pedaço de pau mexendo e mexendo...

Uma fumaça intensa saia dali com cheiro estranho.

Eu ficava na espreita olhando pela janela, com receio que me visse. Para os meus oito anos tudo aquilo era emocionante, mas, amedrontador.

A figura dela, o que fazia e todo aquele cenário me conduziram a uma certeza só: ela era uma bruxa.

Esta imagem era reforçada pelos livros que havia lido e que lembravam muito a “Bruxa Anastácia” que eu conhecia tão bem e vivia tão perto de mim.

Na época, alguns fatos começaram a acontecer que só aumentaram minha preocupação com as atitudes daquela bruxa aterrorizante: nosso cachorrinho Pocó morreu atropelado; num dia uma tempestade com raios e trovões derrubou o toldo de lona de nosso quintal; o carro do papai quebrou: eu escorreguei na escada e quebrei a perna.

Tudo muito esquisito e sem explicação, que na minha compreensão infantil só poderia ter acontecido por maquinações das bruxarias dela.

 Eu contava aos meus amigos e cada um acrescentava um tanto de forma que não havia criança na redondeza que não sabia de coisas terríveis dela.

Como vivia isolada e pouco contato tinha com vizinhos só aumentava o ar de mistério que cercava sua vida.

Segui até os meus onze anos fantasiando o que cercava aquela história e não poucas vezes acordei com pesadelos a respeito.

Numa tarde escura e fria de inverno, vimos uma ambulância chegar e levar à bruxa. O que teria acontecido?

No dia seguinte eu e três amigos que estavam em casa perguntamos a minha mãe sobre o ocorrido e a notícia nos inquietou:

“Dona Anastácia morreu. Teve um AVC”.

Nos entreolhamos e num misto de surpresa apesar da notícia impactante ficamos até aliviados por saber das histórias dela e o que causava em nós.

Minha mãe com olhar profundo e triste começou a contar a vida daquela senhora e de suas dificuldades de ter sido abandonada, por viver sozinha, com poucos amigos e sofrendo numa solidão sem saída.

Eu fixei o olhar nela e com voz alterada e alta questionei:

− Mãe, mas ela era uma bruxa!

− O que é isso, meu filho?

− Sim, eu a via fazendo bruxarias no quintal, dentro do caldeirão no fogo, com muita fumaça e cheiro ruim.

− Não filho. Naquele caldeirão ela só tingia roupas para sobreviver.

Pronto!

Eu e meus amigos ficamos desconcertados e depois daquele dia continuamos a comentar tudo que ocorreu. Nas nossas conclusões confusas de fantasias com o choque da realidade começamos a nos arrepender do que pensamos da Dona Anastácia.

E até hoje, passados mais de quarenta anos, quando vejo uma senhora com lenço na cabeça, passos lentos, olhar perdido, lembro da história da minha vizinha com poderes. Aprendi que envolvido pela minha imaginação infantil fui traído por julgar pelas aparências.

E me vem à mente a máxima que escutei não sei onde: O tempo se encarrega de ser um grande mestre para nós.

Esta lição me permitiu seguir pela vida, conseguindo avaliar que atitudes erradas e más são fraquezas humanas que nos prejudicam por vezes e não originarias de bruxos ou bruxas que não existem. Ou será que existem?

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

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