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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

 



O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA

Pedro Henrique

 

     Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afeto e passado. Tantos elementos e, ainda assim, os mais torturantes insistem em emergir.

     Reflito, talvez seja um fato inerente a esse ecossistema. Assim como existe a verdade, também há a mentira. É inevitável.

     Começamos pensando no vento. Exatamente, o vento; esse elemento que, aos olhos de muitos, é tão banal. A princípio, ele é brando e gentil. Refresca com sutileza a alma daqueles que, pelo sol escaldante do cotidiano, são castigados. 

     Depois, ele aumenta seu impacto, fecundando-se mais forte até chegar em seu estágio de maior prestígio.

     O vento, então, anseia todo o espaço, e penetra cada milímetro que pode até adentrar uma rua um tanto deserta, com uma vegetação calorosa que lhe permite saltos espontâneos e vibrantes.

     Nessa mesma rua, lá… longe, vê-se uma casa: pequena, simples, e sem uma gota minúscula sequer de paz.

     Curioso, o vento se aproxima sorrateiro, chega de fininho, bem na ponta dos pés, atraído pela janela.

     Ele observa calmo e sereno a movimentação. Depois de alguns segundos, o pânico cessa.

     Primeiro, há medo, logo em seguida, subjugação, depois lágrimas. O vento, portanto, decide entrar e fazer daquele ambiente seu mais novo lar. Nunca, até então, havia encontrado uma residência assim: nebulosa.

     Descobriu a origem da lágrima. Seu nome era Vicentina, a menina nascida marcada.

     O vento tinha pena dela, como eu tenho. Coitada, soubera desde muito nova como carregar seu manto de horror e aceitou que era assim mesmo.

     Quando bebê, nascera bela e edênica. Era daqueles cujos indivíduos se entusiasmavam de olhar, com isso, não bastando aos olhos, queriam pegar, apertar, beijar e fazer caretas e vozes pueris.

     Cresceu, como toda criança, com devaneios intocáveis e indeléveis.

     Ela tinha a Via Láctea em suas ínfimas mãos. Queria ser tudo e mais um pouco se assim pudesse ser.

     Também era inteligentíssima. O vento muito gostou disso. No entanto, a lágrima, a bendita lágrima, o perseguia.

     “O porquê daquela garota pulcra, que tinha o QI de poucos, chorar tanto?”

     “Quais segredos, se perguntava o vento, residem debaixo daquele teto?” “Como é possível?” “Eu escutei aquele choro, sei que ele vem das entranhas, da alma, daquele lugar escondido e inabitável que há em cada um de nós.” “O que será que aconteceu?”.

     E querendo saber mais, o vento seguiu. Porque a vida exige de nós o prosseguimento independente “de”.

     Com o tempo, vislumbrou nossa querida Vicentina florescendo para o mundo.

     A menina ganhou forma rápido e os gaviões, famintos por carne, não demoraram a atacar.

     O vento afirmava que ela, minha bela e doce lírio-do-vale, era muito simplória. Isso porque, caiu na cova do masculino, como mosca que se agarra à teia e dela jamais consegue se soltar. Enfim.

     Cabe ao gentil leitor saber, no entanto, que ele lhe prometera beijos, casa, vestido de noiva, viagens… Tudo aquilo que uma garota mais pode desejar no mundo.

     Entretanto, no final das contas, o que realmente lhe dera foi um lindo presente que carecia de duzentos e setenta dias para vir ao mundo.

     Portanto, o vento soube, soube, pois ouviu “vagabunda”, “Eu sabia que você só ia me trazer desgosto”, “Eu não vou criar”, “Ah, é? Foi mulher pra fazer, agora vai ser mulher pra cuidar”, “Não me chame mais de mãe, eu morri pra você”, “Puta”.

     E assim a lembrança de outrora voltou calma e segura, anunciando que aquela lágrima tinha por nome “família”.

     O vento pode chamar de inocência, eu, porém, digo ser afronta.


O anão de Nova Odessa - Alberto Landi

 

 


 

O anão de Nova Odessa

Alberto Landi

 

Ninguém sabia ao certo quando ele havia chegado à cidade. Apareceu de repente numa tarde bem abafada, caminhando pela Rua dos Patriotas.

Chamava atenção não somente pela baixa estatura, mas pelo jeito de encarar as pessoas, olhos firmes, como se cada olhar fosse um desafio. Tinha o corpo baixo e robusto. A face marcada pelo sol. Pequeno na sua estatura, mas impossível de ignorar. Quando falava, a voz firme impunha respeito maior que seu tamanho.

Na praça central, próximo ao Coreto, abriu uma pequena banca de consertos, relógios, rádios antigos e até brinquedos quebrados, que voltavam a funcionar em suas mãos hábeis.

Rapidamente ganhou freguesia, porém com a admiração vieram os cochichos…

— Esse anão não é daqui da cidade. Tem algo estranho nele, você reparou? As pessoas comentavam.

 

A suspeita cresceu quando começaram a desaparecer objetos de uma feira noturna que havia.

Primeiro frutas, depois ferramentas, até que um feirante jurou ter visto o anão Elói próximo de sua banca.

O boato se espalhou feito pólvora. Uma noite, reunidos em frente à banca, os comerciantes exigiram explicações.

— Olá, baixote, ou você devolve o que roubou, ou vai embora daqui. O açougueiro gritou alisando o facão num gesto ameaçador.

Ele não recuou. Ergueu o queixo, respirou fundo e abriu uma pequena caixa de madeira. Dentro, havia muitos objetos, sim, mas não roubados. Eram peças restauradas, devolvidas à sua forma original. 

Não roubo nada. Devolvo o que vocês esqueceram de valorizar, disse com a voz firme e alto.

O silêncio caiu sobre a praça. Alguns abaixaram os olhos envergonhados, mas o açougueiro avançou um passo, ainda bem desconfiado, e a multidão observava dividida, sem saber se acreditava nele ou não.

Naquele instante, o destino de Elói ficou suspenso como o ponteiro de um relógio que hesita entre dois segundos.

O silêncio pairou sobre a praça. Ele mantinha os olhos fixos no açougueiro que ainda segurava o facão.

— Palavras bonitas, as suas — rosnou o homem.

Mas quem garante que não é truque?

O anão respirou fundo, mergulhou a mão na caixa e retirou um pequeno rádio de pilha que havia restaurado, dando vida a esse objeto.

Colocou-o sobre a banca e girou o botão. De repente, a velha melodia de uma valsa ecoou no ar. Uma senhora na multidão ofegou, levando a mão no peito.

— Esse rádio era do meu marido. Estava quebrado há anos, disse ela, emocionada, aproximando-se.

Ele apenas assentiu.

— Encontrei-o jogado num canto da praça, achei que merecia uma vida nova.

Um burburinho percorreu o local. Outros objetos da caixa foram reconhecidos: uma boneca de pano restaurada, uma caneta antiga polida, um relógio de bolso que voltou a marcar as horas. Aos poucos, a desconfiança se transformou em vergonha.

O açougueiro baixou o facão, desconcertado.

— Então… Você só queria consertar o que estava perdido?

— Não somente objetos, às vezes pessoas também.

Um silêncio respeitoso tomou conta do lugar. A partir daquele dia, ninguém mais ousou acusá-lo. Ele tornou-se guardião silencioso da memória da cidade, não por causa de sua estatura, mas porque enxergava valor onde os outros só viam descartes.

E foi assim que o estranho forasteiro, com mãos pequenas e firmes, consertou não apenas rádios e brinquedos, mas também a confiança de uma comunidade inteira.

 

 

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE FURA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE FURA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Michele é uma formiguinha muito laboriosa! A mais esperta e trabalhadeira do seu formigueiro. Geralmente, é a preferida da rainha e, quando fala, é a mais atendida.

Moravam numa pequena fresta entre rochas, difícil de escalar, mas sentiam-se protegidas dos bichos e das ondas do mar ao redor, quando eram muito revoltas, devido ao vento, nas marés altas.

Pela manhã, a primeira que saía da casinha era Michele. Ia procurar algum resto de bichinho ou folhinha de árvore que pudesse carregar. Algumas companheiras iam junto, mas, geralmente, ia só. Eram meio preguiçosas e dormiam até tarde, ou se acostumaram com o esforço da coitada.

Numa manhã, Michele percebeu que a água do mar estava mais próxima, batia forte, bem perto delas.

Algumas pedras ao redor da fenda, de tão sovadas e empurradas, escorregaram e caíram.

Michele voltou para a casa muito preocupada e advertiu a rainha. Precisavam mudar de lugar. Com o tempo, mais alguns dias e a toca seria invadida. Poderiam morrer afogadas.

A maioria do grupo começou a rir, comentava ser difícil serem invadidas. A entrada do formigueiro ficava no alto de uma rocha, bastava apenas que colocassem uma pedra na entrada, para impedir a água de entrar.

Michele, espantada, perguntou à rainha:

— Quem de nós consegue empurrar uma pedra para tampar a entrada? Mal conseguimos alcançar a praia para pegar comida! Melhor seria mudar daqui.

As formigas se entreolharam e nenhuma conseguiu responder ou sugerir alguma ideia.

Os dias vão passando e a maré vai subindo. Elas já escutavam o estrondo das ondas ao bater nas pedras, cada vez mais forte.

Michele continuava tentando abastecer o formigueiro, não descansava de suas obrigações, mas tinha muito medo.

Chamou umas amiguinhas, que confiavam muito nela, e tentaram empurrar uma pequena pedra até a entrada da toca. Faziam grande esforço e ufa… ufa… a pedrinha mal se movia. Não saia do lugar.

As outras formigas, diante disso, comovidas, agruparam-se e auxiliaram-nas a empurrar mais a pedra. Até conseguirem fechar a entrada.

Ficam radiantes, receberam elogios da rainha! O medo da invasão das águas vai embora, mas Michele, mais esperta, continua achando melhor irem embora. Água pode ser mais forte que a pedra.

O mar sobe rápido, o barulho das ondas se chocando contra as pedras fica cada vez mais próximo, e a formiguinha experiente, cada vez mais preocupada.

Advertiu novamente a rainha. Dispôs-se a procurar nova moradia. Existiam terrenos atrás das pedras que pareciam bastante calmos e mais seguros.

As outras companheiras agora davam gargalhadas e achavam que Michele era uma medrosa. Que continue seu trabalho, o qual é o que faz de melhor.

Numa tarde, Michele pôs a cabecinha para fora de casa e olhou o céu. O azul límpido se transformou em grossas nuvens escuras. Alguns raios, seguidos de trovões, anunciavam pesada chuva. O uivo do mar, à frente delas, revelava altas ondas, que logo aumentariam o percurso das águas.

Assustada, chamou algumas formigas, pegaram suas mochilinhas e gritaram:

— Não dá mais para esperar, se ficarmos seremos tragadas pelo mar e morreremos afogadas.

As mais humildes a seguiram. Rapidamente, atravessaram por cima das pedras em busca de refúgio num terreno mais elevado e mais seguro, cheio de pequenos orifícios que davam em enormes galerias.

A rainha e a maioria, mal tiveram tempo de caçoar delas. Foram arremessadas para longe, pelas águas que invadiram a toca, preenchendo cada galeria que encontrava.

Morreram afogadas mesmo, como Michele previa.

Quando tudo se acalmou, tentaram voltar ao formigueiro antigo para ver o estrago. Mas, nada mais encontraram. Nem os corpinhos das outras formigas existiam mais.

Michele, entristecida, foi abraçada pela minoria que restou e ficou sendo, agora, a rainha do novo e seguro formigueiro.

E assim, podemos concluir também: “Água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura!”

 

 

O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA - Pedro Henrique

  O SEGREDO DE UMA LÁGRIMA Pedro Henrique        Curioso é pensar na vida e em toda sua construção e forma: medo, terror, desejo, afet...