A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

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quinta-feira, 28 de março de 2024

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

 



Quem era ela?

Hirtis Lazarin

 

 

A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantinho. Não havia nenhuma estrela. Uma sexta-feira diferente. Bem que meu avô falava que não devemos andar em noite de sexta-feira, principalmente se não tiver estrela. Nessas noites, da escuridão vêm visões para assustar as pessoas.

Mas é claro que Rafa, doze anos, não sabia dessas coisas, quando resolveu partir pra uma aventura. Ou, se já ouvira falar, não acreditava. Morria de rir quando contavam histórias de fantasmas e ele caçoava dos amigos medrosos.

Naquela sexta-feira, os pais chegariam bem tarde.  Estavam na Capital resolvendo negócios do trabalho. O menino achou, então, que era sua oportunidade de conhecer uma tal casa abandonada. Fazia tempo que essa vontade não saía de sua cabecinha fantasiosa.

Já ouvira muitos comentários a respeito. Uma história que vinha sendo contada de geração a geração e que virou lenda na pequena cidade do interior.

A curiosidade do menino só aumentava a cada detalhe acrescentado ao que já sabia.  Há quarenta anos, aconteceram várias mortes suspeitas na família que lá morava.  Sobrou apenas o pai. Ele abandonou tudo e desapareceu. Nada foi levado. E nunca mais tiveram notícia dele.

As pessoas foram assassinadas ou contraíram alguma doença contagiosa? 

Não havia registros médicos nem na justiça.

E o povo foi inventando coisas e a história foi aumentando. Não tinha fim.

Rafa não podia deixar sozinha sua irmã Bia, de apenas cinco anos. É claro que não lhe contou a verdade. Seria apenas um passeio. A menina pulou de alegria e queria levar bichinhos de pelúcia. É lógico que o irmão proibiu, garantindo outras surpresas.

Estavam caminhando há mais de meia hora e já estavam bem longe. As casas da rua ficaram poucas. Os galhos de árvores muito altas e copadas atrapalhavam as luzes dos postes elétricos. E, ainda mais, um vento não muito forte balançava as folhas verdes. Nesse vaivém divertido, tênues sombras eram projetadas como se fossem fantasmas irreverentes e zombeteiros.  Bia, na sua inocência, brincava com eles. 

Ei… Afinal… Lá estava a tão famosa casa, bem afastada da rua e rodeada de mato alto. 

Não foi fácil chegar até a porta de madeira apodrecida. As paredes eram verdes por conta das ervas que foram crescendo ao seu entorno; cresceram agarradas à construção e se apoderaram dela. 

O trinco… Ah! O trinco… Não ofereceu resistência. Tudo escuro.  Não se enxergava e não se ouvia nada. A lanterna? O menino era precavido e não se esqueceu dela. Clareava muito pouco, talvez um palmo diante do nariz. Deu pra ver um rato magricelo e comprido correndo pela sala. Saiu debaixo de um sofá e, silencioso, desapareceu num raio só. Ainda bem que Bia nem viu, empolgada pela descoberta de coisas diferentes. Era tudo igual ao desenho animado do “Menino que morava sozinho na floresta” e ela adorava.


Os móveis estavam cobertos por panos que já foram brancos.  Era poeira e teias de aranha que não acabavam mais. O assoalho estalava a cada passo. Era o som desafinado da corda única de um violão guardado e esquecido no armário.

Os dois chegaram à cozinha. ENORME!  Um estival de baratas zanzava por tudo. Pareciam as donas do lugar e ignoraram os visitantes. Em cima do fogão enferrujado estavam panelas sujas e destampadas. O cheiro era forte.  As crianças tossiam sem parar e foi preciso interromper, por um tempo, a exploração. Mas a empolgação continuou firme e forte. Um armário alto estava aberto e cheio de louças e vidros. Tudo bem arrumadinho. Acho que não faltava nada. As cadeiras em volta da mesa estavam organizadas, mas faltavam duas delas, as da ponta. Um vaso que já viu uma flor estava no centro, sozinho e triste. 

Rafa, em algum momento, sentiu medo. Não medo de fantasmas, mas que aparecesse alguém. Faltavam os quartos, lá em cima, no primeiro andar. Eram vários. Tudo era muito espaçoso. Muita gente morou ali.

Ele tirou o celular do bolso e fotografou tudinho. Olhou as horas e se assustou: oito horas da noite. Não tinha tempo pra enrolação. Agarrou as mãos de Bia, prontos pra acessar a parte de cima. A esperança era que lá encontrariam coisas interessantíssimas.

Estavam ainda nos primeiros degraus da escada quando uma luz forte clareou tudo. 

Uma voz rouca e brava gritou:

— Quem são vocês? O que fazem aqui?

Era uma velha, mas tão velha, que seu rosto parecia jornal de ontem dobrado e amassado. O nariz era comprido, igual ao da bruxa que envenenou Branca de Neve. 

 

UM POUCO DE HISTÓRIA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



UM POUCO DE HISTÓRIA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Senhor Hiroto Kurasawa, imigrante japonês radicado há anos no Brasil, medita e lembra os fatos da vida que conheceu. Recebeu de sua neta, Paula Yumi, um convite para acompanhá-la à cidade de Kyoto, no Japão. Ela estuda cinema e é louca para conhecer a famosa indústria cinematográfica e televisiva japonesa, sediada em Kyoto, com muitos jidaigeki, filmes de ação samurai.

Hiroto sente vontade de voltar ao Japão, todo modificado, restaurado depois da segunda guerra, principalmente Kyoto, que conserva até hoje habitações antigas, não atingidas pelas guerras sofridas, com alguns detalhes ainda medievais. Na cultura, certas danças e músicas como Takigi-noh e Gagaku ainda são tocadas e muitos parques e templos budistas, lembram a sua infância.

Sentado na sua poltrona predileta, não consegue deixar de pensar no passado, quando foi uma das crianças foragidas de Hiroshima com o ataque da bomba nuclear lançada pelos Estados Unidos, em 6 de agosto de 1945, matando cerca de 250.000 pessoas, sendo as crianças vivas levadas para recuperação em Kyoto, que era ainda a capital do Japão.

O alvo seria Kyoto, que foi salva da bomba atômica pela intervenção do Secretário de Guerra americano Henry L. Stimson, que queria poupá-la por ser grande centro cultural, conhecido por ele, anteriormente, durante viagens diplomáticas e lua de mel.

Escolheram então Hiroshyma por ser sede do governo militar japonês. Esse incidente trágico colocou um ponto final na guerra do Pacífico, e transformou a cidade de Hiroshyma hoje, como a escolhida para ser o centro da paz mundial. Com o Tratado de São Francisco, em 1951, o controle da cidade foi devolvido ao Japão.

Em menino, Hiroto foi criado por uma família jovem, que resolveu, juntamente com outras crianças, emigrar ao Brasil, em busca de melhores condições de vida. Isso em 1958, quando já entrava na adolescência.

De espírito rebelde e revoltado, passa por terríveis situações, desde a dificuldade da língua na escola, ridicularizado pelos colegas, até os costumes alimentares, econômicos, etc.

Inicialmente, o padrasto se estabelece num bairro popular e pobre, em São Paulo, na tentativa de montar uma tinturaria. Sabia mexer bem com algodão e outros tipos de pano.

A família aumenta, nascem novas crianças que dificultam muito o sustento e a educação.

O pai falece cedo, por excesso de fumo e bebidas, e o menino, aprende a viver sozinho, deixando a mãe criar e educar os outros irmãos. Foge de casa, vai ao interior, à busca de qualquer trabalho que o sustente. Na plantação, descobre, que para juntar dinheiro, a maioria dos imigrantes o escondia em buracos, na terra.

Aprende a lidar com tudo, desde a fazer barbas e bigodes até a viver algum tempo na praia, vendendo peixes e colares de conchas. Percorre lugares estranhos, queimado pelo sol, cabelos compridos, era aceito entre pescadores, tribos indígenas, grupos de hippies, enfim, como jovem, passa por várias experiências.

Percebe que os japoneses que queriam viver bem, no Brasil, adotavam a religião cristã, e colocavam à frente dos nomes japoneses, um português, para ser melhor aceito como cidadãos brasileiros. Isso causava-lhe revolta.

Mais velho e amadurecido, faz amizades com um grupo de japoneses que moravam no interior de São Paulo, Araras, sentindo-se mais comunicativo e adaptado com os da mesma origem e raça. Uma comunidade evangélica.

Com o tempo, converte-se ao Cristianismo e ameniza suas revoltas íntimas.

Como característica de todo japonês, torna-se sistemático, trabalhador e produtivo, estabelecendo-se como plantador de laranjas, em fazendas. Mais tarde, conhecido no ramo, aumenta o trabalho e a produção, e compra novas terras.

Hiroto se transforma em fazendeiro de renome, resolve formar família e ajudar os irmãos que havia deixado. Contribui também à riqueza do estado, sendo, atualmente, São Paulo, um dos maiores exportadores de laranjas do país.

Casa-se com Alice Sayoko, tem quatro filhos, dois homens, Milton Mikio e Pedro Takashi e duas mulheres, Ana Yoko e Olívia Tieko, todos direcionados à agricultura e aos estudos, com diplomas universitários.

Alguns costumes conservam até hoje, na bela e confortável casa de fazenda, em alimentação e cultura.  Gosta dos pratos e sopas com tofu, cozinha peixes temperados com shoyo, muitos vegetais e frutas. Não se acostuma com os talheres brasileiros, usando até hoje os famosos palitos japoneses. Um pouco de saquê, ocasionalmente, bebida semelhante à nossa pinga, ajuda a aumentar o apetite. Muito saboroso é o seu yakissoba, de carne, vegetal e frango.

As músicas e os filmes japoneses, assiste na moderna televisão, dando preferência e descartando os ocidentais. A saudade do Japão que ficou, a modernização e a paz atual, o atraem. A vontade de voltar, às vezes, o ataca, não para morar, adotou o Brasil como sua pátria, mas para reconhecer as boas mudanças.

Gosta de lembrar da batchan, a pseudo avó que ficou no Japão quando vieram, fortemente budista, visitou o Brasil somente para assistir ao casamento dele, já convertido ao cristianismo. Teve que fazer dois casamentos: um em casa, com a estátua de Buda e vestimentas budistas, e, assim que ela se foi, o casamento na igreja cristã, a qual seguiam. Foi muita correria e atrapalhação, mas deram risadas depois.

Com muitos trabalhadores a seu serviço, sendo, atualmente, só o administrador dos negócios, dedica-se aos netos, com paixão, seus herdeiros na descendência. Não consegue negar a eles nenhum pedido ou vontade.

— E aí, vovô, vamos ao Japão? Não quero perder essa oportunidade, pergunta a neta Yumi.

— Acho que sim, Paula, vou gostar muito de rever a minha Terra e a minha gente.

E teve Hiroto a mais bela de suas aventuras, no final da vida!

 

 

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