A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

O "VOZ DE TROVÃO” - Claudionor Dias da Costa

 

 



O  "VOZ DE TROVÃO”

Claudionor Dias da Costa

 

                   

                     A nossa infância saudosa com pés descalços e muitas fantasias na cabeça, passada no rincão perdido do bairro da Zona Norte, deixou lembranças de lugares, pessoas, emoções e sentimentos que parecem não existir mais.

                    Corríamos pela rua de terra empinando pipas que desapareciam naquele céu de brigadeiro como se quiséssemos dominar o universo, pois éramos fortes e destemidos e nada nos detinha, até o primeiro tombo e o joelho ralado. Aí era correr para casa e pedir à paciente mãe que fizesse o milagre com suas mãos santas e cura rápida. E o mercúrio cromo na ferida, esfregado com algodão, só de lembrar, parece arder até hoje.

                    Nunca estávamos sozinhos.  Sempre com uma turma de garotos que competiam pela travessura maior. As idades variavam de sete a doze anos.

                     Andar de bicicleta, rodar pião, jogar bolinha de gude, soltar balão, jogar futebol no campinho de terra, guerra de mamonas com estilingue eram praticados em épocas próprias que dividíamos ao longo do ano, como se elaborássemos um grande planejamento combinado entre todos e até com as turmas de outras ruas.

                      Pela manhã eu, meu irmão e quase sempre algum amigo vizinho caminhávamos para a escola, a quase dois quilômetros de distância, da qual gostávamos muito, talvez motivados mais pelo recreio com os colegas do que pelas aulas. Na volta, entravamos ruidosamente em casa, gritando:

                   - Olá mamãe, chegamos!

                      Era o sinal de que estávamos com fome e não arredávamos pé até o saboroso almoço sair.  No atropelo, praticamente engolíamos a comida, escutando a recomendação:

— Comam devagar, crianças!

                      Numa esquina próxima, entre nossa rua e uma viela estreita, ficava uma residência com vasto terreno, muro de quase dois metros onde morava o velho Afonso. Devido a nossa pouca idade ele parecia muito idoso, quando na realidade deveria ter por volta de cinquenta anos na época.        

                       Esse local era o nosso preferido pelas frutas apetitosas que roubávamos e pela adrenalina que percorria nossas veias quando, com a ajuda dos amigos, escalávamos aquele muro alto e pulávamos para dentro do terreno. Um companheiro sempre ficava em cima do muro sentado como vigia e, anunciava quando o dono surgia ao fundo vindo em nossa direção.

                       Contudo, ficávamos preocupados com a fúria do Senhor Afonso que ao nos surpreender gritava com sua voz de trovão:

— Saíam já daí, cambada de moleques safados!

                       Aquilo nos aterrorizava e nos obrigava a disparar e pular o muro para a rua.  Fugíamos acelerados para longe dali, levantando poeira e depois de muita energia gasta e ainda suados, sentávamo-nos na calçada. Dividíamos as mexericas e os famosos caquis chocolate de forma justa para ninguém ficar fora daquela festa.

                       Essa aventura se repetia muitas vezes e a voz de trovão do Senhor Afonso permanecia até em nossos sonhos. Mas, mesmo com medo não pretendíamos deixar de sentir o aroma gostoso das mexericas e as mordidas nos caquis. Imperdíveis.

                        Aquele homem viúvo, morava sozinho e saia muitas vezes para comprar mantimentos no armazém do bairro. Era o momento em que o observávamos a boa distância, pois ninguém da turma queria ser reconhecido por ele.

                        A famosa voz de trovão, apelido que usávamos entre nós, causava temor em nossa turma. Contudo, ele era bem visto e até elogiado pelos adultos demonstrando educação, conversa inteligente e até solidário contribuindo e participando das obras sociais da igreja. Essa característica de personalidade era para nós um contraste dado o temor que tínhamos de seu vozeirão, ameaça real do que poderia nos acontecer, caso nos alcançasse dentro do terreno dele.

                     As nossas tardes transcorriam alegres e descompromissadas, recheadas de brincadeiras e travessuras.

                     Porém, não esperávamos o que aconteceu no início da noite da quela primavera quente em nossa família.

                     Meu pai começou a sentir-se mal, dizendo que estava meio zonzo. Minha mãe o colocou sentado, deu-lhe um copo com água, procurando acalmá-lo e dizendo que era cansaço pelo trabalho e que passaria. Contudo, minha tia Alzira, que morava na casa ao lado e estava conosco preocupada saiu para buscar ajuda. Correu em direção ao armazém e no caminho passou pelo Sr. Afonso, que dada a agitação dela, a interrompeu e, sabendo do ocorrido se dispôs a ajudar. Imediatamente, tirou seu velho carro da garagem e veio para nossa casa com a tia.

                      Entraram em casa apressados e foram atender meu pai.

                      Eu e meu irmão ficamos num canto, calados observando tudo preocupados com o pai e também com medo pela presença do “Voz de Trovão” tão perto.

                     Ele somente olhou para nós com pequeno sorriso, o que nos deixou constrangidos e ruborizados, e de imediato passou a atender meu pai, fazendo algumas perguntas para nossa mãe e tia Alzira.

                      Resolveram levar nosso pai para o hospital. Foi a sorte! Ou melhor, a providência divina, porque durante o percurso ele começou a sentir dores no peito e a reclamar muito. Chegaram até bem rápido, prontamente ele foi atendido. Estava tendo um infarto. Algumas horas depois ele saia da cirurgia.          

                     Todo este ocorrido foi acompanhado e contou com a ajuda do “Voz do Trovão”, que dias depois visitava nossa casa para incentivar a recuperação de nosso pai. Passou a ter relacionamento mais próximo com nossa família.

                     A disposição, energia e grande solidariedade demonstrada por aquele homem fez com que passássemos a admirá-lo e comentávamos isto com todos. Nossa turma da rua passou a respeitar o Sr. Afonso e não entravamos mais no seu terreno.

                     Para surpresa nossa   o que aumentou mais ainda o conceito daquele bom homem conosco, foi que ele nos chamava em seu portão e distribuía aquelas deliciosas frutas para todos os meninos.

                     O “Voz de Trovão” passou a ser um apelido de força e amizade.

                     Passados vinte anos quando lembramos, de sua imagem e da voz grave que virou um símbolo, mesmo após ter nos deixado nesta vida, sentimos saudades e certo arrependimento pelas travessuras que tiravam seu sossego.  

                     E, até hoje quando ouvimos um trovão paramos, olhamos para o céu e nosso pensamento vai até ele.                               

Conto natalino - Marlene Laudares

 







Conto natalino

Marlene Laudares

 

Numa pequena cidade do interior já nota-se a movimentação para as comemorações natalinas. Luzes coloridas brilhavam na sacada dos sobrados. Uma linda árvore começava a ser arrumada na pracinha próxima a igrejinha da nossa Senhora Aparecida. Crianças brincavam e conversavam sobre o que pediriam ao Papai Noel. Observando esse cenário, me deparei com uma garotinha de olhar tristonho que a tudo ouvia e nada dizia. Eu que observava senti vontade de falar com ela. Então cheguei bem pertinho e ela nem notou a minha presença.Perguntei: menina, porque está aí sozinha? Vá, e se junte as coleguinhas! Ela se assustou ao me ouvir e disse: Não posso! Aqui estou sozinha e nem as conheço. Seus olhinhos estavam molhados. Imaginei até que estava a chorar. Ela me disse: eu queria um presente, mas é para dar para minha mãezinha que está doente, um remedinho pra ela sarar e se levantar pra cuidar de mim! No momento fiquei sem saber o que dizer. Peguei a pela mãozinha e disse: vamos pedir ao menino Jesus ali na igrejinha! E a menina chorosa me acompanhou. E lá ficamos por algum tempo. É Natal e tudo é possível àquele que crê!

O TRONO E A COROA - Henrique Schnaider

 




O TRONO E A COROA

Henrique Schnaider

 

O trono e a coroa vivem juntos desde os primórdios da humanidade sempre muito amigos, já perderam a conta da própria idade. São milhares de anos com certeza, são inseparáveis. Porém de tempos em tempos acontecem desavenças, mas a reconciliação sempre acontece.

Os tempos modernos desvalorizaram os dois e hoje são raros os lugares onde eles ainda têm espaço na vida dos reis. Mas em outros tempos a importância era grande e invejada pelas cadeiras mais finas.

No reino dos sonhos o Monarca Cedros tinha um trono todo coberto de ouro e pedras preciosas, rubis, diamantes, esmeraldas de uma beleza invejável. A coroa tinha um brilho especial recheada de ornamentos raros, ficava perfeita na cabeça dele, dava-lhe um porte e uma presença incomuns.

Leonino, o trono do rei, tinha conversas intermináveis com a cabeça coroada, Mirela. Um dia ele numa conversa de egos disse a ela:

— Nossa, hoje me sinto poderoso o maior entre os maiores, meu rei não sabe o que fazer para me agradar, minha limpeza é diária. Serei eternamente grato e mostrarei fidelidade sempre que ele precisar.

Mirela cheia de inveja e presunção disse ao Trono.

— O rei Cedros me adora, me trata com um carinho que só tem por mim. Fico toda arrepiada, meus ornamentos brilham com força por causa do amor que o rei nos dedica.

A conversa corria solta entre Leonino e Mirela, cada um querendo se mostrar melhor que o outro, parecia uma briga entre plumas e paetês que estavam ali por perto se mostrando todas.

Neste momento o rei deixou Mirela delicadamente em cima do trono e se ausentou. Nisso aparece o Ministro do rei que estava escondido atrás de uma pilastra. Vinha   muito tempo tramando um golpe para derrubar Cedros e assumir o trono. Parou em frente ao desejado lugar real e ficou apreciando tamanha imponência, deslumbrado imaginando-se sentado e coroado.

O secretário do Ministro aparece e lhe diz baixinho:

— Senhor, está tudo pronto para tirar o poder do rei Cedros, para que sua Excelência assuma o trono.

O Ministro todo empolado respondeu:

— Quando O rei voltar o prenderemos e finalmente assumirei o trono e a coroa. Leonino e Mirela ouviram incrédulos toda aquela trama urdida pelo Ministro.

Leonino fala a Mirela:

— Jurei, sempre ser fiel ao Rei Cedros e não permitirei que este traidor derrube nosso Soberano e você vai me ajudar nesta tarefa. Usaremos nosso poder mágico para não permitir que isto aconteça.

O rei Cedros retorna à sala do trono, para sua surpresa, como não estava acompanhado da guarda real é preso pelo Ministro e seus fiéis traidores, fica ali triste vendo seu trono ser usurpado.

Carnal, o ministro traidor, ansioso, não perdeu tempo, sentou-se no trono e colocou a coroa na cabeça. Neste momento Leonino e Mirela exercem seus poderes mágicos e imediatamente raios poderosos atingem Carnal e seus comparsas. Mirela aperta a cabeça do traidor até ele desmaiar.

Neste momento chegam à sala do trono os guardas reais que prendem o Ministro e os insurgentes. Libertam o rei Cedros que feliz se dirigiu ao trono, leonino e Mirela o recebem carinhosamente.

Ele diz a Mirela:

— Nem sempre, minha cara, a história tem um final feliz, mas ficaremos unidos para defender o rei Cedros toda vez que houver inimigos, e assim fazer com que sua vida seja coberta de felicidade. 

Leonino recebe Cedros com imponência. Mirela envolve delicadamente a cabeça do rei num mar de carinhos. 

 

PARCEIROS - Hirtis Lazarin

 




PARCEIROS

Hirtis Lazarin

   

 

O dia acorda bem feliz

O sol colore o chafariz.

 

                                No céu azul azulado

                                navega nuvem balão

                                O jardim lisonjeado

                                observa o pacotinho de algodão.

 

                                                            O beija-flor assanhado beija rosa

                                                                                                    beija cravo

                                                                                                    beija jasmim

                                                                                                    que parece de cetim.

A joaninha toda orgulhosa

mostra o que mais gosta

bolinhas pretas pintadas

no vermelho de suas costas.

 

                                        Borboletas bailarinas e elegantes

                                        bailam no ar, provocam rumores.

                                        Azuis, amarelas, brancas, estonteantes

                                        beliscam de levinho as flores.

 

A borboleta violeta cheia de confiança

 contou à rosa sua paixão.

A flor que era branca

Envaidecida, avermelhou de emoção.

 

                                        Sem mais nem menos, a borboleta sumiu.

                                         Ninguém sabe, ninguém viu.

                                      

 O tempo qira, girou.

 E a rosa desfalecida de saudade

  "Será que a danada borboletou?"

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

                                          Eis que um dia, a fugitiva reapareceu.

                                          Escondida de trás da palmeira

                                          Encheu-se de ciúmes

                                          e sofreu...

 

 "Vi o vento tocando suas pétalas,

 o zangão cochichando ao seu ouvido.

 Vi o besouro atrapalhado  tocá-la

 e  o sereno da noite banhá-la atrevido".

 

                                                     A rosa branca envaidecida

                                                      não resistiu à tentação.

                                                       Sem titubear, entregou-lhe a vida

                                                        E, emocionados, selaram a união

                                                                                             

                                                                                    

                                   ...


 

                                                                                                                                                

 

O dia acorda feliz

O sol colore o chafariz

 

                                 No céu azul azulado

                                 navega uma nuvem balão.

                                 O jardim orgulhoso e florido

                                 observa atento o pacotinho de algodão.

                                      

                                                                     O beija-flor todo assanhado beija rosa

                                                                                                                      beija cravo

                                                                                                                      beija jasmim

                                                                                                                      que tem pétalas de cetim.

 

A joaninha vaidosa

mostra o que mais gosta

bolinhas pretas pintadas

no vermelho de suas costas.

 

                                   Borboletas bailarinas elegantes

                                   bailam no ar, provocam rumores.

                                   Azuis, amarelas, brancas, estonteantes

                                   beliscam de leve as flores.

 

                                                    A borboleta violeta toda assanhada

                                                     contou à  rosa sua paixão.

                                                      A flor que era branca e acanhada

                                                       vermelhou de paixão.

 

                            Sem mais nem menos a borboleta sumiu.

                             Ninguém sabe, ninguém viu. 

                                                 

             

DOIS LÁPIS - ALBERTO LANDI

 




DOIS LÁPIS

ALBERTO LANDI

 

Lá no fundo da gaveta, havia dois lápis.

 

Um era novo, bonito, de uma fabricação bem conhecida, com ponta muito bem-feita.

O outro, coitadinho, dava dó de ver. Sua ponta era rombuda, um toco de lápis, de tanto ser usado e apontado.

O lápis novo, que era grandão, olhou para o triste amigo e chamou:

— Olá, toquinho! Você aí! Está me ouvindo?

— Não precisa gritar, respondeu o toquinho, não sou surdo, não!

— Não é surdo? De tanto apontar a sua cabeça, as suas orelhas desapareceram.

O toquinho suspirou:

— É mesmo! Perdi a conta de quantas vezes tive de enfrentar o apontador.

O lápis novo continuou:

— Você está feio e acabado! E eu novinho em folha!

— Estou vendo! Me diga uma coisa lápis novo, você sabe o que é uma carta de amor?

— Você ficou louco, toquinho de lápis?

— Sim, fiquei, louco, triste, alegre e apaixonado! Velho e gasto também com o tempo. Estou assim porque já vivi muito, e com grandes emoções. Estou um toco de tanto escrever romance, crônica, aventura. Penso que valeu a pena ter vivido tanto, ter escrito, mas como você me vê, acabando desse jeito, um velho toco.

E você lápis novinho, ainda não teve tempo suficiente para viver emoções, mas você vai chegar lá. E quando chegar já não existo mais!

 

O lápis novinho, que era grandão, ficou envergonhado pois não sabia sequer escrever uma poesia e também por fazer pouco caso do toco de lápis. Ele se comporta como um lápis arrogante e o toco como uma condição de alegria, experiência e sabedoria.

O novo percebeu que nada aprendeu com o tempo, não pela sua inexperiência, mais pela sua arrogância.

 

Penso que no cotidiano das pessoas isso acontece.

Devemos ter respeito pelos mais velhos, pois eles já tiveram várias experiências e possuem grande sabedoria., temos sempre que valorizá-los não importando a sua idade

 

VIDA DE CACHORRO - Leon Vagliengo

 





VIDA DE CACHORRO

PASSEANDO NA HORA DO APERTO

Leon Vagliengo

 

Augusto não poderia queixar-se da sorte. Morava bem, em um belo apartamento em São Paulo, no bairro de Moema. Sempre bem alimentado, ração de primeira.

Só não se conformava muito com o nome estranho que lhe haviam atribuído. Nada a ver com os praticados para a sua espécie, como o conhecido Duque, o cinematográfico Banzé, ou mesmo o arcaico Totó. Mas, enfim.... Atendia mesmo pelo estranho nome de Augusto.

Todos os dias alguém o levava a passeio pelas calçadas do bairro, graças a suas conhecidas e temidas necessidades fisiológicas, que deixavam os seus donos apavorados, pois tinham medo de seus efeitos deletérios para o imaculado apartamento.

Esse medo dos donos não lhe escapara à percepção, e duas vezes diariamente, à mesma hora do dia e da noite, ele olhava para alguém, de preferência para Isabel, a dona da casa, e chorava com cara de sincero sofrimento, revelando a sua angustiante condição de apertado. Logo, Isabel, ou alguém a quem ela ordenasse, providenciava a coleira e a guia para levá-lo ao passeio.

 Ele não gostava da guia, mas se conformava reconhecendo o cuidado que tinham para que não se perdesse.

Naquela manhã estava especialmente apertado. Ao sair disparou em direção ao primeiro poste, quase derrubando a Ritinha, a empregada da casa, que recebera a incumbência de levá-lo.

 Ao vê-lo tão desesperado correndo em sua direção, o poste logo reclamou:

Tem que ser aqui? O caminhão da Prefeitura acabou de passar lavando a rua e eu estou limpinho, sem mau cheiro. Vai mais adiante, me poupe hoje.

Augusto nem teve tempo de responder. Aliviou-se ali mesmo, sem considerar a argumentação do amigo poste. Depois da operação, que certamente seria a primeira de uma série durante a caminhada, então grunhiu em resposta para ele:

Desculpe, amigo! Hoje não deu, mas agradeço muito pelo seu apoio.

Disse isso e seguiu a caminhada, sempre cheirando aqui e ali, aparentemente tentando descobrir algo que, para os que o levavam pela guia, era sempre um grande mistério, fazendo com que pensassem:

O que será que o Augusto cheira com tanta concentração nesses momentos?

Em verdade, ninguém nunca saberia. Ele não revelaria, guardando essas observações e descobertas reservada e exclusivamente para si.

Continuando o passeio, eis que, de repente, ocorreu nova e forte emissão daquele líquido, desta vez sobre um pobre arbusto que teve a infelicidade de encontrar-se no caminho, e que protestou:

Você não tem educação, não? Porque não vai num poste?

Desculpe, foi natural e espontâneo, não deu para segurar – grunhiu Augusto em resposta.

E assim seguiram o passeio, até que Augusto parou, com as orelhas em pé, admirando a linda cachorrinha, toda negra, de sua mesma raça, que se aproximava com evidentes sinais de interesse, a julgar pelo balançar de seu apêndice traseiro.

Que gatinha!  Logo exclamou Augusto, sem nem perceber que o repentino entusiasmo e os hábitos coloquiais o levaram a confundir as espécies.

Porém, ao tentar fazer a tradicional conferência canina dos atributos da recém-chegada que nele provocara tanta admiração, recebeu forte puxão pela guia e foi arrastado para longe de sua candidata a musa. Virou a cabeça para trás, querendo voltar, mas sendo impedido pela Ritinha.

Quero vê-la novamente, latiu para a cachorrinha, que também se mostrava desapontada.

É quase sempre assim! Certos humanos não respeitam os nossos sentimentos – pensou.

Ante a falta de alternativa, Augusto conformou-se com a esperança de voltar a encontrar a sua musa durante o passeio da noite, guiado pelo Rafael, seu dono, que nesses momentos costumava ser muito mais compreensivo.

E voltou com Ritinha para casa, mas não sem antes vitimar mais algumas plantinhas.

Caneta-tinteiro Parker 51 - Marlene Laudares

 



Caneta-tinteiro Parker 51   

Marlene Laudares



A caneta Parker 51, Lena ganhou na sua festa de formatura nos anos 60 “Anos Dourados” assim a juventude chamava esta década!

 

A caneta tinha sido presente de um ex namorado, que na ocasião aproveitou para reatar o namoro! Quantas cartas, poesias, contos e também planos de aula a professora Lena havia escrito! Imagine que essa professora teve o namoro reatado na formatura e não durou mais que um semestre!

 

Essa professorinha, apaixonada, seguiu lecionando noutra cidade e junto sempre com a sua caneta dourada ela relembrava o amor acabado! Mas o destino a levou para outra cidade em férias e lá outro amor aconteceu. A caneta sempre continuou escrevendo cartas românticas cheias de saudade! Mas com pouco tempo, Lena apaixonada, noivou e se casou! Foi morar noutra cidade! Lá continuou sua profissão! A professorinha  continuou sua missão e a caneta era sua companheira em casa não parou. Escrevia seus planos de aula, cartas a família, versos, poesias e provas!

 

Sua caneta era companheira de dias tristes com saudades, hora de sonetos lindos, versos diversos para acalentar seu coração! Coração cheio de saudade! Mas até onde um dia, escrevendo estava, quando seu marido numa cena de ciúmes a importunou de tal forma que ela num momento inesperado e sem pensar na raiva do acontecido jogou pela janela do seu quarto. Lá se foi sua caneta amada! Em pedaços ela recolheu e guardou no seu passado o sonho dos tempos dourados!

SOLIDARIEDADE! - Dinah Ribeiro de Amorim

 



SOLIDARIEDADE!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Sou solidária ao branco, negro, vermelho ou amarelo, quando o ser humano é atingido por balas perdidas, em brigas de rua ou guerrilhas.

Sou solidária ao negro, branco, vermelho ou amarelo, quando o ser humano sofre de doenças e epidemias, na porta dos hospitais e pronto socorros, e,  morrem, por falta de atendimento ou de vaga.

Sou solidária ao vermelho, branco, negro ou amarelo, quando o ser humano é atacado injustamente, pisoteado, e perde a vida, sem explicação por parte de quem os atinge.

Sou solidária ao amarelo, branco, negro ou vermelho, quando o ser humano vive de migalhas, deitado na rua, e sofre por falta de emprego, teto, chão e pão.

Sou solidária à mulher branca, negra, vermelha ou amarela, quando sofre preconceitos, humilhada, desonrada, maltratada, em sociedades injustas e despreparadas.

Sou solidária à criança negra, vermelha, amarela ou branca, quando é roubada da infância, deixa o brinquedo de lado e aprende a lidar com armas para defesa  própria ou dos seus.

Sou solidária ao ser humano idoso, de todas as raças, de qualquer nacionalidade, quando é jogado em asilos, fraco, doente, solitário e triste. Abandonado  pelos seus.

Sou solidária ao ser humano, quando é chamado de louco, internado em hospícios, sofrendo acusações absurdas, que resultam da loucura social em que vivemos. 

Sou solidária ao ser humano que tenta fazer o bem e é impedido por aqueles que acham que não convém, que pode prejudicar alguém.

Enfim, são tantos os motivos, fatos novos que acontecem, nossa alma sofre, descolore, congela e some...

Sou solidária.

O COMPUTADOR VINGATIVO E TEIMOSO - Leon Vagliengo

 


O COMPUTADOR VINGATIVO E TEIMOSO

Leon Vagliengo

 

- Quem  ele pensa que é?  - falou para si mesmo o computador do Leon.

- Me deixa ligado durante a noite toda, nem posso descansar. E depois quer que eu funcione como quer e quando bem entende. POIS NÃO VOU FUNCIONAR!

A aula começou às 15 horas, e nada de entrar o Google Chrome. Leon sem saber o que fazer, enquanto o computador vibrava:

- Ele já me reiniciou duas vezes, me fiz de morto. Só porque é meu dono, pensa que pode tudo?  POIS SIM! Vou lhe dar uma canseira.

Trinta minutos se passaram desde que se iniciara a aula, e nada. Pobre aluno! E o computador comemorava:

- Veja só o desespero dele. Está perdendo a aula, bem feito. Agora me desligou e teve que esperar, porque eu demoro mesmo até para desligar. Vai ligar novamente, com certeza. O cara é insistente. Azar dele, eu também demoro a religar. E não vou funcionar naqueles programas que ele quer.

Meia hora de aula perdida, novo desligamento e religamento. Mas agora o computador pressentiu o perigo:

- Pensando bem, esse cara, nervoso, é um perigo. Estamos no décimo sexto andar, e eu não estou longe da janela. Acho que já foi o suficiente, me vinguei. Mas, quem sabe? Talvez eu repita a dose na próxima quinta feira.

O cãozinho aventureiro - Alberto Landi

    O cãozinho aventureiro Alberto Landi                                       Era uma vez um cãozinho da raça Shih Tzu, quando ele chegou p...