A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

quinta-feira, 23 de março de 2017

Um bibelô de madeira - Jany Patricio

                
Imagem relacionada

Um bibelô de madeira
Jany Patricio

Tenho em minha estante um objeto de madeira, pintado com flores vermelhas e folhas e um verniz dando acabamento. Guardo este bibelô em homenagem a uma mulher à frente do seu tempo.

        É uma singela recordação da minha vó. Uma pessoa amorosa, como todas as avós. Brincalhona e sorridente.

        Em momentos da sua vida, ela precisou romper com tudo. Deixou os quatorze filhos crescidos e marido para ir para a Europa. Não um outro continente. O jardim Europa, na Vila Mariana  que na época  era formado por chácaras, onde havia muito verde. Diferente dos dias de hoje que tem estação de Metrô, prédios, lojas, residências e muito asfalto.

        Imagino que sua vida não foi fácil. Porém só me recordo dela com um sorriso no rosto, contando muitas histórias e amada por todos, apesar da sua rebeldia, para a época.

        Depois de viver alguns anos em São Paulo, ela voltou para Paulo Afonso. Sua casa, próxima a rua principal do centro, era aconchegante e aberta para os amigos, parentes,  filhos e netos,  que passavam por lá todos os dias para almoçar, tomar um café ou simplesmente para lhe dar um bom dia e um beijo.

        Lembro-me dela sentada em sua cadeira de balanço, cercada de gente, rindo muito com alguns dos filhos piadistas.


        Certa vez em que estive em Paulo Afonso, ela me deu uma xícara e pires de porcelana, que infelizmente quebraram e este bibelô que guardo com carinho. Quando olho para ele, me recordo dos momentos alegres que passei em companhia dela, da sua história, da sua leveza e da sua fibra.

ERA MUITO MAIS QUE AMOR - Hirtis Lazarin


Resultado de imagem para homem domando cavalo

ERA MUITO MAIS QUE AMOR
Hirtis Lazarin

          Eu teria que criar um texto sobre um objeto que me recordasse alguém ou algum momento especial.

          Empreendi uma viagem pelo tempo que já se foi.  Encontrei vários objetos preciosos ao meu coração.  Um crucifixo de rubi que ganhei ao completar quinze anos, uma peça decorativa em Murano que foi de minha avó Virgínia, uma caixa de madeira que meu bisavô fez pra mamãe guardar trecos de costura.

          Nesse percurso de busca acabei chegando quase no início da história da minha vida.  Lembrei-me, então de uma caixinha de papelão envelhecida e bem amassada, tantos foram os acontecimentos que se sobrepuseram a ela.  Estava ali guardada a minha relíquia mais valiosa.   Não era um objeto palpável.  Era um  "SENTIMENTO" que brotou quando eu tinha apenas cinco anos e já frequentava o jardim de infância.  Um sentimento tão intenso que me amparou nos momentos mais difíceis e, podem crer, foram muitos.  Permanece vivo dentro de mim e, após tanto tempo intocável,   compartilho com vocês. 

          Nosso quintal era imenso.  Uma maravilha pra brincar.  Havia laranjeiras, um limoeiro do limão rosa, alguns pessegueiros cujos frutos eram ensacados ainda verdes pra que os passarinhos não os roubassem de nós.  Pra eles cresceram duas goiabeiras que frutificavam o ano inteiro.  Nunca consegui chegar antes deles e só comi goiaba cheia de furinhos.  Havia também um espaço bem grande de grama verdinha, cercado de arame e madeira.  Ali pastava o cavalo mais querido do mundo.  Mas não foi sempre assim.

          Papai era apaixonado por cavalos.  Lia tudo sobre eles.  Trouxe o Tufão de Minas Gerais.  Um cavalo selvagem.  Acostumado à liberdade, era rústico e agressivo.  Porte majestoso e olhar desafiador.  Não podíamos nos aproximar do cercado. Era prepotente, relinchava feito doido e sapateava até arrancar toda grama a sua volta.

          Desde a sua chegada, com papai foi um pouco diferente.  Ele entrou no espaço proibido falando manso, encarando-o nos olhos e sem demonstrar medo. Mas levou patadas e cabeçadas. Tombos e mais tombos.  Teve o joelho enfaixado por semanas.  Não desistiu até conquistar-lhe a confiança e Tufão passou a obedecer todos os seus comandos.   Tornaram-se grandes amigos. Bastava apenas um gesto de papai e ele obedecia. Pudemos, então, ser apresentados a ele.  

          Nascia ali o grande herói da minha vida: papai, um homem forte e corajoso, capaz até de dominar uma fera.

          E ao grande amor que eu já sentia por ele, juntaram-se confiança e admiração.  Sentimentos tão intensos que já nem cabiam mais dentro de mim.

          Papai foi meu porto seguro, a quem recorri sempre, enquanto esteve perto de mim.  Um exemplo que segui na sua ausência.

          O encantador de cavalos que me encantou.


          E foi pra sempre...

Que tarde! - Carmen Lucia Raso

Resultado de imagem para mulher chorando gif em movimento

Que tarde!
Carmen Lucia Raso

De longe pude vê-lo abraçado à outra. Pareciam tão íntimos, tão antigos.

Respirei fundo, contei até cem em alguns segundos, sem sequência ou coerência.

Parada quase no meio fio,  sem que me notasse, fiquei escondida atrás de uma árvore de tronco largo e galhos fartos que me dava total cobertura e eu observava com olhos de lince e coração de presa amedrontada.

Não sabia bem o que fazer, se atacava como caçadora ou me mantinha estática para que não me encontrasse.

Os abraços entre eles me arrepiavam de raiva, eles riam muito, ele passava as mãos nos seus cabelos e seus olhos percorriam aquela moça de linda aparência, de cabelos longos, cacheados, se afastavam de mãos dadas e logo vinha mais um abraço.

Tinha a sensação de que o tempo não passava, alguns segundos, uma hora, uma eternidade? Não saberia dizer.

Fiquei triste, brava e ao mesmo tempo decepcionada pelo que via do outro lado da rua.

De repente um vento gelado me acordou daquele transe, daquele turbilhão de sentimentos em que me encontrava.

Que horror! - pensava.

Um homem que passava por ali quis saber sobre uma doceria numa rua que eu não conhecia e lá fui eu desviada da minha espreita.

Onde estão? Perdi os dois de vista! Não acredito que sumiram. Onde foram?

Atravessei a rua em busca do que me aguardava.

De repente bateram de leve em minhas costas e quando virei meus olhos encontraram os daquela moça que ha pouco se abraçava ao meu namorado e me dei conta de que ela se parecia muito com ele. Em seguida ele chega com flores estendidas para mim.

— Pra você, meu amor!

Não entendi mais nada.


   Dois presentes, as flores, e minha irmã gêmea que foi criada na Itália, por nossos avós e acaba de chegar. Como eu vinha me encontrar com você resolvi marcar nosso encontro aqui mesmo em frente a Livraria para tomarmos nosso café. Não foi aqui que marcamos?

Quem era ela? - Hirtis Lazarin

  Quem era ela? Hirtis Lazarin     A rua já estava quase deserta. Já se ouvia o cri-cri-lar dos grilos. A lua iluminava só um tantin...