Mineirices
Hirtis
Lazarin
Nas
minhas andanças pelas cidades históricas de Minas Gerais, conheci, em Belo
Horizonte, Dona Chiquinha.  Se eu fosse um caçador de pedras raras, seria
o maior achado da minha vida de garimpeiro.
Uma
risada comprida e gostosa chamou minha atenção e me fez sair do rumo que meus
companheiros seguiam. Não era uma risada debochada. Era a expressão de
felicidade tão autêntica, talvez a mais autêntica que já ouvira em toda minha
vida. 
Aproximei-me
da casa de aparência envelhecida e desgastada, com cores sem o brilho e a
vivacidade originais. A janela aberta e sem cortinas permitiu que eu, agachada
pra não ser descoberta, espiasse lá dentro.
Os
móveis eram tão poucos que sobrava espaço vazio. Uma senhora idosa e de pele
negra, acomodada numa cadeira de balanço, conversava animadamente com um
papagaio que parecia ciscar em seu colo.
A
ave prestava atenção às suas falas, às vezes balançava a cabeça e emitia
diferentes sons como se entendesse tudo que ouvia. Era evidente tratar-se de
uma convivência bem antiga. Tenho certeza de que, nesse entendimento, ele
repetiu com entusiasmo, várias vezes, a expressão “Ô trem bom, nu é”?
A
conversa estava animada, não entendi o assunto, mas identifiquei algumas frases
curtas.
— “Cê
qué um cadin de café”? Essa, eu só entendi porque a senhora levantou-se,
foi até a cozinha e trouxe uma xícara de café. Quando voltou, o papagaio havia
desaparecido. Ela repetiu bem alto:
— “Cê
qué u nu qué café”? A ave, num voo raso e rápido, pousou ao lado da xícara
e bebeu tudo num gole só:
— “Eta
trem bom”!
E
juntos esparramaram-se de tanto rir.
 
Observei-os
nem sei por quanto tempo. A posição desconfortável causou-me dores nas pernas e
pés. Levantei-me sem medo de ser feliz. Ser pega em flagrante não me preocupou
naquele momento tão especial.   
Admirei
aquela mulher com toda força da minha alma. Vi um rosto cheio de rugas, capazes
de contar mil histórias de vida cheias de sabedoria. Eu daria tudo pra
conhecê-las. Esconderia o relógio e anularia o tempo pra que não me
interrompessem.
Os
cabelos brancos e enroladinhos... É ali, certamente, naqueles rolinhos, que as
tristezas se escondem amordaçadas pra impedir que aquele olhar afetuoso e
sereno se apague.
Ouvi
uma buzina forte e impaciente atrás de mim. Era o nosso ônibus, era a hora da
nossa volta a São Paulo. O passeio havia terminado.
Não
consegui entrar na casa de Dona Chica. Não foi dessa vez. Voltarei a Minas
Gerais pra escrever um livro e lançar a sua história.
Por
sorte, antes de deixarmos a comunidade, paramos num bar próximo pra comprar
água. E, ali, vi um senhor idoso e negro, apoiado numa bengala. Sem querer,
gritei:
—
Encontrei o mapa do meu tesouro! Terezinha, minha melhor amiga, toda certinha e
contida, se assustou e deu aquela bronca.
Colhi
alguns dados essenciais: Dona Chica é uma das moradoras mais antigas da
comunidade “Pindura saia”. Neta de escravos, conheceu a pobreza extrema numa
família de sete filhos. Conheceu também o racismo, com a maldade e a força de
todas as suas letras.