A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Mineirices - Hirtis Lazarin

 

Mineirices

Hirtis Lazarin

 

Nas minhas andanças pelas cidades históricas de Minas Gerais, conheci, em Belo Horizonte, Dona Chiquinha.  Se eu fosse um caçador de pedras raras, seria o maior achado da minha vida de garimpeiro.

Uma risada comprida e gostosa chamou minha atenção e me fez sair do rumo que meus companheiros seguiam. Não era uma risada debochada. Era a expressão de felicidade tão autêntica, talvez a mais autêntica que já ouvira em toda minha vida. 

Aproximei-me da casa de aparência envelhecida e desgastada, com cores sem o brilho e a vivacidade originais. A janela aberta e sem cortinas permitiu que eu, agachada pra não ser descoberta, espiasse lá dentro.

Os móveis eram tão poucos que sobrava espaço vazio. Uma senhora idosa e de pele negra, acomodada numa cadeira de balanço, conversava animadamente com um papagaio que parecia ciscar em seu colo.

A ave prestava atenção às suas falas, às vezes balançava a cabeça e emitia diferentes sons como se entendesse tudo que ouvia. Era evidente tratar-se de uma convivência bem antiga. Tenho certeza de que, nesse entendimento, ele repetiu com entusiasmo, várias vezes, a expressão “Ô trem bom, nu é”?

A conversa estava animada, não entendi o assunto, mas identifiquei algumas frases curtas.

— “Cê qué um cadin de café”? Essa, eu só entendi porque a senhora levantou-se, foi até a cozinha e trouxe uma xícara de café. Quando voltou, o papagaio havia desaparecido. Ela repetiu bem alto:

— “Cê qué u nu qué café”? A ave, num voo raso e rápido, pousou ao lado da xícara e bebeu tudo num gole só:

— “Eta trem bom”!

E juntos esparramaram-se de tanto rir.

 

Observei-os nem sei por quanto tempo. A posição desconfortável causou-me dores nas pernas e pés. Levantei-me sem medo de ser feliz. Ser pega em flagrante não me preocupou naquele momento tão especial.   

Admirei aquela mulher com toda força da minha alma. Vi um rosto cheio de rugas, capazes de contar mil histórias de vida cheias de sabedoria. Eu daria tudo pra conhecê-las. Esconderia o relógio e anularia o tempo pra que não me interrompessem.

Os cabelos brancos e enroladinhos... É ali, certamente, naqueles rolinhos, que as tristezas se escondem amordaçadas pra impedir que aquele olhar afetuoso e sereno se apague.

Ouvi uma buzina forte e impaciente atrás de mim. Era o nosso ônibus, era a hora da nossa volta a São Paulo. O passeio havia terminado.

Não consegui entrar na casa de Dona Chica. Não foi dessa vez. Voltarei a Minas Gerais pra escrever um livro e lançar a sua história.

Por sorte, antes de deixarmos a comunidade, paramos num bar próximo pra comprar água. E, ali, vi um senhor idoso e negro, apoiado numa bengala. Sem querer, gritei:

— Encontrei o mapa do meu tesouro! Terezinha, minha melhor amiga, toda certinha e contida, se assustou e deu aquela bronca.

Colhi alguns dados essenciais: Dona Chica é uma das moradoras mais antigas da comunidade “Pindura saia”. Neta de escravos, conheceu a pobreza extrema numa família de sete filhos. Conheceu também o racismo, com a maldade e a força de todas as suas letras.

 

O Tempo que nos Resta - Hirtis Lazarin

  O Tempo que nos Resta Hirtis Lazarin   Joaquim não se levantou para o café da manhã como fazia religiosamente todos os dias, às seis...