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terça-feira, 25 de maio de 2021

O SOLDADO QUE NÃO QUERIA MATAR - Claudionor Dias da Costa

 


O SOLDADO QUE NÃO QUERIA MATAR

Claudionor Dias da Costa

 

Quando criança gostava de escutar as histórias de meu avô.

Certa vez, na tranquila varanda de sua casa ele me contou o que passou na época da guerra.  Participou da primeira guerra mundial. Meu avô era um português alto e forte, tendo passado um período na França atuando na artilharia.

Fez amizade com Arlindo, tão jovem quanto ele, e passaram por treinamento juntos trocando confidências e emoções num período em suas vidas que poderiam estar aproveitando com mais tranquilidade, ao invés de enfrentar o inimigo, tendo que matar ou morrer.

Por várias vezes seu amigo reclamava da convocação para participar do conflito e com ar triste e perdido exclamava:

— Antônio, por que eu e você estamos nesta situação? Não concordo nada em ter que assumir este papel que vai contra a minha consciência. Não aceito me oferecer para morrer, quando sei que esta guerra foi provocada por ânsia de poder, dominar o inimigo e usufruir de sua derrota. E não me conformo que a alternativa que tenho para continuar vivo é matar outro soldado que tem as mesmas inquietações que eu. Só está do outro lado. Será que minha vida vale mais que a do meu “inimigo”. Todos os seres humanos são iguais.

Meu avô disse que não poderia contestar, porque ele tinha argumentos profundos e sua filosofia de vida era baseada na paz e concórdia.

— A nossa sobrevivência Arlindo... Não esqueça que existem pessoas te esperando depois e dependem de você.

Contudo, em seu descanso, ficava meditando acerca dessas colocações e se via intrigado com os absurdos e armadilhas que a vida provoca.

Porém, naquele conturbado mundo não sobrava tempo para muitos pensamentos. A batalha era diária e sempre muito perigosa.

O sargento da tropa incitava todos a serem corajosos e destemidos, e essa pressão atormentava mais ainda o Arlindo que não via sentido em tudo que estava vivendo.

No acampamento ele ficava balbuciando palavras soltas e várias vezes chorava escondido. Era muito angustiante.

E nesse drama meu avô tentava acalmá-lo, mostrava que tudo terminaria. Precisariam de paciência, resignação, fé pessoal e muita em Deus.

Arlindo procurava não participar e vivia se escondendo atrás das atividades dos outros, de forma que não fosse surpreendido pelo sargento, porque poderia ser punido. Os amigos até procuravam protegê-lo porque sabiam dos motivos daquelas atitudes.

A única coisa que amenizava um pouco era receber notícias dos parentes através das cartas que demoravam para chegar, mas, que eram um bálsamo de um outro mundo que parecia que nunca alcançariam outra vez.

Apesar de gostar de recebê-las, Arlindo parecia se preocupar mais e ficava taciturno mantendo um silêncio que incomodava até os companheiros.

Os dias se sucediam naquela rotina cruel, sangrenta e cansativa.

Num dia de confronto violento, ele não aguentou e saiu tresloucado da trincheira, partiu correndo para a frente. Chegou ao extremo de sua depressão e preferiu se entregar e sacrificar sua vida do que permanecer fazendo o que não permitia sua consciência.

Ouviu-se um tremor muito grande. Uma bomba havia explodido próximo à trincheira em que estavam.

Meu avô e mais dois companheiros correram e viram o Arlindo caído, muito ferido, ainda vivo. Puxaram-no imediatamente e pelo rádio, chamaram o socorro médico que ficava na retaguarda.

Foi levado às pressas para o hospital de campanha.

Nesse instante, meu avô olhava para mim que estava com os olhos esbugalhados e aflitos, e aumentava o suspense:

— Será que o Arlindo se salvou?

Continuava:

— Bem...ele foi operado porque tinha ferimentos. Eu quando podia acompanhava sua recuperação e após algum tempo já podíamos conversar um pouco.

O tempo passou e as tropas regressavam a Portugal. A guerra finalmente acabava.

Mas...vovô:

— Afinal, o que aconteceu com seu amigo Arlindo?

— Meu neto, ele se recuperou e como acompanhou o pessoal da saúde no dia a dia, assim que se sentiu melhor procurou o sargento, que foi aos superiores e conseguiu permitir que ele ficasse junto aos atendentes no hospital de campanha trabalhando.

Era tudo que o meu amigo queria. Não atuar matando inimigos, mas, ajudando a salvar vidas. Assim, preservaria seus conceitos, não sofrendo contra o que não concordava.

Sorrindo acrescentava que em seu regresso à pátria, começou a estudar medicina e se formou em cirurgia.

Nesse instante, vovô se levantou, foi até uma estante em sua sala, apanhou uns envelopes e um álbum de fotos, e voltou.

Mostrou as cartas que recebia de seu amigo depois que havia emigrado de Portugal para o Brasil. Amizade de mais de quarenta anos.

E no álbum com fotos daquela época, também apareciam algumas recentes que Arlindo enviava para ele. E numa delas, num recorte de notícia de jornal entre mais três pessoas destacava: Dr. Arlindo Pereira Sampaio, renomado cirurgião português recebe comenda da ONU por suas contribuições e estudos na área de cirurgia vascular.

Vovô para pensativo e dirigindo-se a mim como era seu costume quando queria me aconselhar:

— Ele foi um exemplo e serve para nos lembrar que o caráter, uma consciência limpa, bons princípios e persistência num ideal alcançam sucesso e realização.

Eu tinha treze anos e sempre lembro da história do soldado que não queria matar.

 

 

 

LOGLINE DESTA HISTÓRIA

 

Rapaz convocado para a guerra sofre angústia por não concordar em matar.

Após quase morrer, consegue outra atividade atendendo feridos e, no final do conflito se dedica e atinge o sucesso e realização pessoal numa profissão nobre.

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