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terça-feira, 25 de maio de 2021

O menino do semáforo - Adelaide Dittmers

 



O menino do semáforo

Adelaide Dittmers

 

Em um anoitecer frio, o menino perambulava pelas ruas fervilhantes de carros, depois de ter vendido pequenos pacotinhos de balas ao lado de um semáforo de uma grande avenida.

Conseguira apenas uns trocados, que iria entregar à mãe.  Estava com muita fome e o ar gelado entrava-lhe pelos poros do corpo franzino e desagasalhado.  Pensou em entrar em uma padaria para pelo menos comer um pão com manteiga, mas ficaria com menos dinheiro ainda para entregar em casa.

Morava longe, no extremo sul da cidade e a condução até lá era cara.  Seguiu, então, até o ponto de ônibus com o estômago vazio reclamando alto.

Ao chegar lá, estranhou que estivesse vazio àquela hora de intenso movimento.  O ônibus devia ter passado há pouco tempo e ele teria que esperar muito até o próximo vir.  Olhou para os carros, que passavam, velozmente, com pessoas abrigadas e aquecidas em seus interiores.  Como queria ser uma daquelas pessoas.

E seus pensamentos voaram para a realidade de sua vida pobre e cheia de dificuldades.  A mãe trabalhava como faxineira, mas perdeu o emprego por causa da grave pandemia.  O pai os abandonara.  Era um beberrão inveterado e nunca mais o vira. Seus dois irmãos dependiam do trabalho da mãe e dos centavos, que conseguia com a venda de balas. Ele tinha deixado a escola.

Na comunidade, em que viviam, muitas pessoas os estavam ajudando para não passarem fome.  Sempre havia essa solidariedade entre o povo da favela.  O que seria deles?

Nesse momento, levantou os olhos tristes e viu a torre de uma igreja, que se erguia imponente atrás do casario e com uma fé inesperada, rogou aos céus, que ajudasse a ele e a sua família.

Momentos depois, um carro parou à sua frente, uma senhora abriu a janela e gritou:

— Olá menino! Para onde você vai?

— Para minha casa!  Espantado, ele respondeu.

— Entre, eu levo você!

— Não obrigado! Minha casa é muito longe.  Respondeu surpreendido, chegando mais perto da janela.

— Você está morrendo de frio.  Entre! Não tenha medo! Também moro muito longe.

O temor e a surpresa lutavam com a vontade de entrar naquele carro quente e acolhedor.  E o desejo do aconchego e do conforto foi mais forte do que tudo.  Ele não tinha nada a perder e a mulher tinha um rosto bondoso e afável.

Abriu a porta e entrou, dizendo a ela onde morava. Não surpreendida com a distância e o bairro periférico, dirigiram-se para lá, serpenteando pelas ruas movimentadas da cidade.

Durante o longo percurso, a generosa senhora perguntou-lhe sobre a vida, e o menino despejou sobre ela seus infortúnios, incertezas e necessidades.  Com uma voz doce, ela acariciava a alma do pequeno passageiro com palavras de incentivo e compreensão.

Ao chegarem à comunidade, onde o pobre vendedor de balas morava, ele disse:

— Pode me deixar aqui.  Seu carro não vai conseguir passar por esses becos.

A mulher assentiu e abriu a bolsa, de onde tirou um enorme maço de notas de dinheiro e estendeu ao menino, dizendo:

— É para você!

 Com os olhos arregalados, o menino respondeu

— Não, não quero.  Vão pensar que roubei!

— Não vão. É um presente!  Aceite e coloque nos bolsos para você não ser roubado.

O garoto pegou o maço com as mãos trêmulas e o distribuiu pelos bolsos rotos da calça.  Num impulso, beijou o rosto de sua benfeitora com os olhos marejados de lágrimas e saiu do carro.

Ela acenou para ele e deu partida no carro.  Parando para ver o carro ir embora, qual não fo a sua surpresa ao ver o carro sumir na sua frente como uma bolha de sabão, que estoura no ar.

Assustado, apalpou os bolsos e percebeu as notas dentro deles.  Aquilo fora real e não um sonho.  Lembrou-se que rezara e pedira uma ajuda.  Com certeza era um milagre.  Lágrimas continuaram a rolar pelo seu rosto magro.  Quem seria aquela senhora?  Uma santa? Um anjo? Uma fada?

Com o coração cheio de gratidão foi para seu barraco e quando olhou para o céu escuro da noite nublada e sem estrelas, viu uma luz que subia em direção ao alto e por um segundo, tudo ficou iluminado.

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