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terça-feira, 25 de maio de 2021

A transformação - Adelaide Dittmers

 


A transformação

Adelaide Dittmers


Em cima de uma pétala de rosa, a gotinha trêmula conversava com a flor.  Um forte calor deitava-se sobre o jardim, as casas e o asfalto das ruas. As flores e folhagens bebiam sôfregas a água, que o jardineiro tinha jogado sobre elas.

— Por que você está com tanto medo? Perguntou a rosa.

— Não quero me tornar vapor e sumir no ar. Gosto de rolar por aí, mesmo por dentro de canos escuros, de me derramar pelo jardim, de sentir que estou dando vida às flores e sentir o perfume, que vocês exalam.  Do cheiro, que damos à terra, quando a molhamos.

— Você não quer morrer?

— É isso! Como vou saber o que vai ser de mim se evaporar? Assentiu angustiada.

E tentava agarrar-se à rosa, porém, começou a sentir-se fraca, como fosse se desintegrar e aos poucos foi se desgarrando da rosa e subindo para o céu.  Fechou os olhos. Será que iria desaparecer? Abriu os olhos e percebeu-se dividida em várias gotículas, mas estava viva.

A subida demorou um bom tempo e subitamente ela sentiu que se incorporara a uma nuvem, que deslizava rapidamente, levada pelo vento.  Com muito receio, olhou para baixo, onde as casas pareciam de brinquedo.

Mais além, campos espraiavam-se na paisagem, em que diversos tons de verde misturavam-se ao amarelo de vastos trigais. Maravilhada, a pequena gota apreciava aquele mundo, que não conseguira imaginar enquanto percorria rios e canalizações da cidade.

Estava dividida em partículas, mas era parte de uma nuvem branca e macia.  Como pudera ter medo dessa magnífica transformação.  Encantada, deixava-se levar pelo sopro suave do vento

Uma imensa floresta, que subia por altas montanhas, surgiu e a nuvem que a transportava tocou nos seus picos.  A sensação de resvalar pelos altos galhos das frondosas árvores foi intensa e inesperada.  Conseguiu divisar no meio da folhagem, um ninho, em que a mãe alimentava seus filhotes.  Novas vidas desabrochavam ali.

Mal tinham passado pelas montanhas e uma faixa branca, debruada por árvores, arbustos e vegetação rasteira, beirava uma grande extensão de água de um verde azulado, que se perdia no horizonte e brilhava sob os raios dourados do sol.

Era o mar.  Ouvira falar muito da sua imensidão, mas nunca imaginara a sua grandeza.  A viagem tornou-se mais lenta e as nuvens foram parando sobre a grande massa de água, bordada por pequenas porções de terra.  Um cansaço modorrento invadiu a viajante, que adormeceu acomodada no seu leito de algodão.

Horas depois acordou empurrada por uma forte rajada de vento.  Sentiu-se pesada e viu-se cercada por companheiras escuras, que a comprimiam cada vez mais.  Aos poucos começou a sentir que suas minúsculas partículas se uniam e estava se tornando novamente uma gotinha, entre milhares de outras.  Não queria mais voltar a ser líquida e percorrer rios e canos escuros.  Tinha descoberto um mundo novo e maravilhoso.  De repente, no entanto, sentiu que despencava do céu com uma força avassaladora.  Para onde iria agora?

Caiu com grande impacto no cinza escuro, em que o mar se tornara.  Desfaleceu ao se sentir absorvida pela turbulência das ondas e percebeu que agora era parte desse intenso movimento.

Um sentimento forte a tomou por inteira.  Será que ali era seu lugar?  Será que voltara à sua origem?  Pensou, então, na rosa de quem se separara com tanto temor.  O lugar da rosa era o belo jardim. E o dela?   Seria o mar ou voltaria a ser nuvem para viver, novamente, aquela experiência incrível.  Naquele momento, a pequena gota entendeu que a vida é feita de mudanças, que muitas vezes nos surpreendem e nos transformam.

 

Premissa: A gota que não queria se tornar vapor.

Logline: A estória de uma pequena gota, que temia evaporar, mas que se tornando parte de uma nuvem, descobriu um mundo maravilhoso e que as mudanças são constantes e surpreendentes na vida.

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