FRANCINE
Adelaide Dittmers
Quando Francine entrou, o datilógrafo
paralisou seus dedos no teclado. Algo
muito forte fez com que estremecesse perante aquela mulher, que lhe pareceu
encher o ambiente com sua beleza e com seu olhar firme e sagaz. Ela se dirigiu a ele com uma voz possante e
impositiva, dizendo que tinha uma reunião com o Dr. Muraro.
Ofereceu-lhe cadeira e ela sentou-se,
cruzando as pernas, a cabeça erguida e o corpo tenso.
O
que ela quereria com um advogado criminalista, pensou. Iria acusar alguém ou era a acusada?
Entrou
na sala do chefe para avisá-lo da presença da mulher.
O
advogado franziu o cenho e mandou-a entrar.
Dr. Muraro levantou-se para cumprimentá-la, ao mesmo tempo que analisava
a postura altiva de Francine com um olhar inquisidor. Os dois se sentaram. O
advogado iniciou a conversa:
— Estou sabendo do seu caso. A senhora está reivindicando parte da fortuna de seu marido, que...
Ela
o interrompeu bruscamente.
—
Morreu em um acidente de carro, que estão me acusando de provocar.
Os olhos de Muraro eram duas setas, penetrando na expressão de Francine. Com uma voz calma e pausada ele continuou:
—
Se quiser que eu cuide de seu caso, tem que me dizer a verdade, seja ela qual
for, senão não poderei ajudá-la. Meu trabalho não é julgá-la e sim entender o
que aconteceu e defendê-la.
O
datilógrafo parou de martelar as teclas da máquina de escrever. Os ouvidos atentos ao que iria ser revelado
na outra sala. O caso espalhara-se pela
cidade e a ansiedade para saber o que seria revelado estremeceu seu corpo.
Ela
deu um profundo suspiro.
—
Meu marido, como é sabido por todos, era bem mais velho do que eu. Quando o conheci já estava separado da
primeira mulher, com quem teve três filhos.
Ao
dizer isso, parou, como quisesse escolher cada palavra a ser dita. E continuou:
—
Dizem por aí que casei com ele por causa do seu dinheiro. Mas quando o conheci. fiquei admirada pela sua inteligência, elegância e
gentileza. Foi uma atração mútua. Sempre
o respeitei. Era um homem carismático.
O
advogado a interrompeu:
—
A senhora é considerada uma pessoa forte e, perdoe-me dizer, um tanto
arrogante.
—
Sim, é meu estigma, mas me tornei forte para me defender do contínuo falatório
de que era apenas uma interesseira.
Muraro,
então, entrou no assunto para o acidente que provocou a morte do marido.
—
Pelo que verifiquei e pelo que corre por aí, o acidente em que ele perdeu a
vida foi ocasionado por uma falha no freio do caro, que tinha sido alterado.
—
De carros, só entendo de dirigir.
—
Mas... quem mexeu nos freios, poderia ser um pau mandado por outra pessoa
interessada em sua morte.
—
Não fui eu. Disse com a voz alterada e
virando a cabeça de um lado para outro.
—
A senhora tem ideia se ele tinha alguma desavença com alguém, alguma questão
envolvendo dinheiro.
—
Não. Ela virou os olhos para cima,
balançando a cabeça e apertando os lábios, como se procurasse se lembrar de
algo nesse sentido. De repente parou e disse:
—
A única coisa relativa a dinheiro, que houve há pouco tempo, foi que ele
comunicou à família, que tinha modificado o testamento, deixando a metade de
sua fortuna em espécie para mim. A outra
metade e a empresa de sua propriedade para os filhos.
—
A senhora sabe como foi a reação deles?
—
Eles aceitaram numa boa.
—
Sra. Francine, diante do que me está relatando, vou ter que investigar o seu
caso, confiando na senhora.
— Por favor, não precisa me tratar de senhora.
Muraro fixou o olhar nela. Francine tinha despido o personagem altivo e diante dele estava a verdadeira Francine, uma mulher com medo de ser injustiçada e talvez condenada por um crime que não teria cometido.
O
datilógrafo na sala contigua estava estático e se perguntava se ela estava
dizendo a verdade.
—
Então, Francine, vou fazer o meu trabalho para descobrir a verdade, confiando
no que me contou.
A
mulher sorriu apenas com os olhos.
—
Obrigada, doutor! E levantou-se.
O datilógrafo fingiu que estava escrevendo. Pensamentos desencontrados se chocavam em sua cabeça. Adorava participar dos casos, que exigiam uma investigação. Por isso, ainda estava lá na sua simples função. Queria ser investigador.
Francine
passou por ele vestida por seu personagem, apenas um tremor na mão, que
segurava a bolsa, mostrou sua insegurança.
Ele
sentiu o sabor desse caso com um sorriso de satisfação.
O
advogado veio até ele.
—
Temos um caso para resolver. Como você
adora investigações, vou contar com sua ajuda.
Os
olhos do datilógrafo se iluminaram.
—
Pode contar comigo, Doutor.
Durante
os dias seguintes, os dois vasculharam a vida da suspeita, da família e de
pessoas relacionadas com o milionário.
Francine
era de uma família de classe média.
Trabalhava como gerente de um dos bancos, em que Rogério Dantas tinha
conta. Lá se conheceram. Era considerada eficiente e séria.
Investigando
a família de Rogério, a história foi se delineando, palavra por palavra, letra
por letra e uma cortina de fumaça foi se desfazendo diante deles.
Ao
fundo, foi aparecendo uma figura inesperada.
Foi surgindo uma mulher de fala mansa, discreta, com atitudes
equilibrada, religiosa, amável, mas que guardava dentro de si um orgulho
profundo, que se acentuara com a separação do marido e que se transformara em
um ódio silencioso ao saber que ele se casara com a bela e jovem Francine.
Ao
tomar conhecimento do teor do testamento, a fúria a tomou por inteiro e a
cegou. Discreta e serena, a mulher que vivia em uma bolha dourada, flutuando
nas alturas, desceu para o lamaçal da vingança.
Ofereceu
uma grande quantia a um dos empregados, que sabia estar precisando de dinheiro
para custear a doença da esposa e pediu-lhe para encontrar alguém capaz de
ajudá-la em uma questão particular.
Sabia que ele morava em uma grande favela e acharia a pessoa certa. O homem deveria ser destemido e confiável.
Muraro
e o datilógrafo foram desenrolando esse complicado novelo e a cada passo mais
surpreendidos ficavam. A notícia caiu como um raio na cidade, quando a mulher
que era conhecida pelo seus modos elegantes e benevolentes revelou-se uma
assassina. A família viu-se sacudida por
um terremoto de emoções desencontradas. A mãe enlouquecera sem que
percebessem. O luto abateu-se sobre eles
pelo pai morto mais profundamente pela mãe, que desconheciam.
A
porta do escritório do Dr. Muraro abriu-se para uma mulher diferente, leve em
seus passos e tranquila em suas feições.
O
advogado a recebeu com um sorriso
caloroso. O datilógrafo levantou-se e os três uniram suas mãos. A gratidão estampada no rosto e a emoção derramando-se em gotas pelo rosto
de Francine.
A história é boa, mas eu acredito que a personagem assassina deveria ser melhor trabalhada, com mais detalhes. O texto ficaria mais interessante.
ResponderExcluirHirtis