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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O QUE FAREMOS AGORA? - HIRTIS LAZARIN



O QUE FAREMOS AGORA?
HIRTIS LAZARIN

      Pat e Juliane conheceram-se na pré-escola e nunca mais se separaram.  Pareciam gêmeas univitelinas.  Além do cabelo loiro e dos olhos azuis, eram iguais no jeito de pensar, de se comportar e até no jeito de gostar.

          Além de boas alunas, lidavam com as opções que o computador nos oferece como se estivessem brincando.  E foi através das redes sociais que conheceram Paulo Roberto, rapaz de 25 anos, carioca e fotógrafo de agência de modelos.  A profissão que exercia atraiu as adolescentes como o mel atrai as moscas.

          Troca de fotografias... Promessas mil...

          Hoje, qual é o sonho de nove entre dez adolescentes?  Todo mundo "tá careca" de saber que é ser modelo, pisar nas passarelas, ganhar o mundo e um mundo de dinheiro, protagonizar a primeira capa de revista.  Sucesso e fama.

          Fugiram de casa e, inconsequentes, embarcaram para o Rio de Janeiro.  Essa é a idade dos sonhos e fantasia.  Fantasiar a realidade é com elas mesmas.  Não se preocupam com o depois, topam qualquer parada, dormem em qualquer cantinho.  Dá-se um jeitinho pra tudo.  E a inocência encobre-lhes a visão do mal.

          De táxi chegaram ao endereço combinado.  Era um bairro bem antigo do Rio.  A casa número 339 era pintada de branco, restaurada, colonial.  Uma senhora, ao ouvir a campainha, espiou por uma fresta da cortina. Abriu a porta e as recebeu com presteza.  Essa atitude teve um efeito positivo, mas a roupa que vestia provocou risinhos sarcásticos nas meninas.  Era um vestido longo multicolorido, turbante na cabeça, batom vermelho carmim e nas orelhas duas argolas  com um diâmetro que quase alcançava os ombros.

          A sala era decorada com sofás vermelhos de veludo brilhante, cortinas com franjas douradas e tapete de oncinha. A breguice do lugar não tinha nada a ver com o estúdio fotográfico que imaginavam:  Um ambiente espaçoso e sofisticado, posters de famosos espalhados, tapete de afundar o pé, flores naturais e uma mesa farta de frutos.  Ali tiveram  a primeira decepção.

          A aparição de Paulo Roberto causou-lhes um estremecimento maior ainda. Ele aparentava ser bem mais velho, pouco cabelo, bigodes espessos que cobriam o lábio superior.  Trocaram poucas palavras e encaminhou-as ao quarto onde ficariam alojadas.  O corredor era comprido com uma sequência de portas nos dois lados da parede.  E muito... muito escuro.  Garotas em trajes provocantes circulavam pelo local.  

De mãos agarradas, choro reprimido pelo medo, chegaram a uma escada em caracol que não tinha mais fim.  Ali no alto e isolado estava o quarto reservado às duas.  Uma cama de solteiro, um armário de uma porta só, um vitrozinho lá no alto quase encostado no teto.  Uma cela de prisão e um cheiro insuportável de mofo.  As bolsas de mão foram subtraídas e o celular também.

          Elas entraram em desespero.  Sentadas na cama e abraçadas choraram um choro silencioso que parecia não ter fim.  Pensaram nos pais e na loucura que fizeram.  De cansaço, adormeceram.  Juliane acordou primeiro.  Achou que estava tendo um pesadelo.  Abriu os olhos, o pesadelo era real.  No escuro tateou as paredes até encontrar o interruptor.  A luz era tão fraca que, mesmo acesa, deixava o quarto  na penumbra.  Acordou a amiga.  Tremiam de medo, de frio e de fome.

          Não restava a menor dúvida.  Caíram numa grande cilada.

          O que faremos agora?

          Juliane tinha ainda seu celular. Enquanto as duas aguardavam na sala de espera, Juliane foi ao banheiro e, num ímpeto de lucidez, escondeu o aparelho nas peças íntimas.  Tinham, então, a possibilidade de serem salvas.

           Ligaram pra casa, passaram o endereço aos pais, enlouquecidos há dois dias.

          Vinte e quatro horas depois, a polícia mais treinada do Estado invadiu a casa.  Mais um prostíbulo foi denunciado e, desbaratada uma quadrilha internacional de tráfico de mulheres bonitas e jovens.

           Três meses depois, quase trinta integrantes já estavam encarcerados. 
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