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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O HOMEM QUE TINHA MUITOS SEGREDOS - HIRTIS LAZARIN

Jardineiro- óleo sobre tela - Fernando Gopal


O HOMEM QUE TINHA MUITOS SEGREDOS
HIRTIS LAZARIN



                  Num pequeno descuido da babá, Bruninho de quatro anos desapareceu.  A casa grande, ou melhor, a mansão entrou em alvoroço.  Um angu de caroço.  Serviçais irritados e desviados de suas funções.  Sufoco que dura o tempo pra deixar todo mundo louco...

                  Sentadinho na terra batida do jardim e protegido pelas folhagens, observava com curiosidade Jeremias, o jardineiro dos dedos verdes.

                  Desde então, uma amizade sem igual se formou entre os dois. A maior alegria do garoto era estar junto de Jeremias e aprender coisas que só ele sabia.  Desprezava todos aqueles brinquedos sofisticados e caros.

                 Jeremias era um homem diferente e especial.  Não entendia palavras que se escrevem.  Só entendia palavras que se falam.

                As mãos pesadas e rústicas eram capazes de tocar as pétalas da mais delicada flor, contá-las uma a uma sem feri-las.  Com o olhar fixo era capaz de transformar uma margarida amarela numa hortênsia lilás e singela.  

Era capaz de fazer um botão bem fechadinho desabrochar, apenas com leve toque do seu indicador.   No seu jardim a primavera não ia embora.  Fizesse sol, fizesse frio, todas as flores floresciam.

                Uma família de bem-te-vis laranjeira eram seus assíduos companheiros.  Toda manhã, não o deixavam perder a hora. As seis em ponto, a cantoria colocava-o cama afora.  Porta aberta, aceno de Jeremias, missão cumprida, revoada de partida.

                Junto ao muro que cercava o enorme quintal, Jeremias plantou árvores de frutos: jabuticaba, pitanga vermelhinha, laranja doce de gosto e acerola azedinha.  As árvores ficavam carregadas o ano inteirinho.  O segredo?  Só Jeremias e Bruninho sabiam.

               No jardim e no quintal recebia visita matinal.  Borboleta e colibri, andorinha e pardal, curió, sabiá e bem-te-vi.  Comunicavam-se entre si.  Obedeciam às regras do jardineiro: era proibido alimentar-se dos frutos que amadureciam nos pés.  Apenas os derrubados pelo vento e espalhados pelo chão.

                No jardim, só visita de borboletas e colibris, num voo bem sutil.  As flores alvoroçadas, num fuxico acalorado, ofereciam-lhes o néctar em troca de um beijo delicado.

                Bruninho aprendeu coisas que não se aprendem nos bancos da escola, nem nos livros e nem na educação do dia-a-dia.  Conheceu e conviveu com um homem que conversava com flores e aves.  Tanto amor, tanto carinho, jamais viu igual em todo seu caminho.  Jeremias era o homem solitário que encontrou na natureza a razão de seu viver.  O homem que Bruno viu resgatar de dentro da piscina um pássaro morto afogado.  Com o calor das suas mãos e com o sofrimento das lágrimas que de seus olhos caíam, devolveu-lhe a vida.  O pássaro cantou e alçou voo livre.

                Um homem com poderes sobrenaturais.  Um homem que guardava muitos segredos...


                Jeremias não está mais neste mundo.  Morreu bem velhinho.  Com certeza, sua alma, assim que se libertou do corpo gasto, também voou livre em direção ao infinito.

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